Último resquício da periferia no centro de SP será restaurado
Construção de interesse nacional, é a única que sobrou da presença negra no bairro oriental da capital paulista
O projeto de restauro da Capela dos Aflitos, no bairro da Liberdade, na capital paulista, obteve parecer favorável da prefeitura de São Paulo. Deteriorada, a construção de 1779 é o último e mais importante marco arquitetônico da histórica presença do negro na região que, atualmente, é identificada com a cultura Oriental.
O local foi periferia da cidade de São Paulo do século 17 ao 19, onde viviam muitos negros. Havia o cemitério, o Largo da Forca, a Casa de Câmara (ocupada pela administração pública), a cadeia e o pelourinho. Só sobrou a Capela dos Aflitos, erigida em 1779.
Apesar de apagada, a presença de descendentes africanos é tão decisiva que o nome do bairro presta homenagem a um soldado preto, Chaguinhas, enforcado no largo que hoje é a praça da Liberdade.
Porém, como lembra o arquiteto Igor Carollo, contratado pela Cúria Metropolitana de São Paulo, responsável pelo restauro, “somente a aprovação do projeto não é suficiente, é preciso captar e garantir condições financeiras para realização”.
Último passo para a reforma
O parecer depende agora dos dois últimos movimentos administrativos corriqueiros pelo qual passam pedidos de restauro: a deliberação dos colegiados de preservação municipal e estadual.
Em geral, são acatadas as recomendações técnicas, como o parecer favorável ao restauro da Capela dos Aflitos. Por isso, os interessados na reforma comemoram a decisão, com grandes chances de passar pelo último crivo burocrático ainda neste mês.
“É um momento de grande euforia e logo vamos poder iniciar a obra, que é o nosso sonho”, comemora Eliz Alves, presidente da Associação de Amigos da Capela dos Aflitos (Unamaca).
O que prevê o restauro?
A proposta de restauro sugere a demolição de alguns elementos que não fazem parte da arquitetura original. Tecnicamente, são chamados de “espúrios”.
Eles comprometem a conservação da Capela, como o local de acendimento de velas (velário), o toldo e a grade frontais. Internamente, o restauro irá abranger toda a construção, como os altares. Algumas partes serão refeitas.
O velário, fundamental na arquitetura sacra, foi construído em 1976. Sua junção à construção original ocasiona danos e riscos de incêndio. Ele deverá ser substituído por concreto armado, descolado da estrutura, permitindo maior visibilidade e conservação.
“O restauro vai muito além das questões das técnicas, é sobre garantir a salvaguarda do último receptáculo e suporte físico da memória que por séculos encontrava-se soterrada por concreto armado, tijolos e lanternas japonesas”, avalia Carollo.
Sugestões do parecer
O parecer da prefeitura faz três recomendações. Uma é a apresentação de análise das argamassas utilizadas na obra original da Capela dos Aflitos. Isso evitará incompatibilidade com materiais a serem usados na reforma.
Deve ser feita nova proposta de cores para pintura de fachadas, paredes internas, forros e esquadrias. Ainda não se tem certeza dos tons originais.
Com a reforma, o novo portão deverá ser compatível com o futuro projeto do Memorial dos Aflitos, que será construído ao lado. A proposta arquitetônica do memorial está sendo disputada em concurso.
O resultado, a ser divulgado em breve, será outra conquista para preservação da memória negra na Liberdade.