Afinal de contas, o que é sardela?
No tempo em que apresentava receitas na televisão, recebia muitos pedidos para preparar determinadas receitas, quase sempre bastante conhecidas. Dentre as receitas mais pedidas, a campeã era a tal "sardela". Ora, uma receita tão corriqueira, certamente não seria difícil de ser preparada na tv. Resolvi apresentá-la e, como não sabia com preparar a iguaria, telefonei para minha sogra. Pedi que me ensinasse a preparar a sardela, visto ser uma receita sempre elogiada. Anotei os ingredientes e o modo de preparo. Imediatamente fui para a cozinha e preparei a receita que ficou muito saborosa. Decidi reproduzi-la na televisão e, assim o faço, apresentando ao vivo o preparo da famosa receita.
Passados dois ou três dias, minha equipe de produção recebe o telefonema de um senhor se dizendo italiano, "ma non troppo". O cavalheiro disse que a receita de "sardela" apresentada no programa era uma ofensa ao povo italiano. Tão logo recebi o recado da produção, iniciei um trabalho de pesquisas. Primeiramente em meus livros e revistas italianas, cerca de 800 revistas e por perto de 130 livros de culinária italiana, nada, nem sinal de receitas da tal "sardela". Segui em frente e recorri aos amigos da Itália. Novamente nada. Tinha somente a informação de que era uma espécie de sardinhas recém-nascidas e que podiam ser preparadas fritas. Não era o que esperava ouvir. Procurei na Internet, começando pelo sul da Itália, mais precisamente Sicília e novamente, nada de "sardelas". Já ia desistindo quando resolvi passear pela Calábria, região de receitas fortes e também porto de partida para muitos dos imigrantes que vieram para o Brasil.
Digito "Sardelle" em um ponteiro de busca e, "ufa", finalmente aparecem 4 ou 5 sites, mas nenhuma receita parecida com a "sardela" do Brasil. Apenas uma era parecida. Mistura de um peixinho chamado "bianchetti", fermentado por 1 ano em salmoura e triturado com pimenta sêca e azeite de oliva. Finalmente cheguei perto, porém descubro que a receita não se chama "sardela", e sim "rosamarina" ou então "mustica", e que é uma especialidade da cidade de Crucoli, na Calábria. Tal receita é uma pasta preparada na verdade com pimentas e pimentões secos, o peixinho chamado de "sardela", sementes de erva-doce. Tudo isso transformado em uma pasta cremosa com azeite de oliva extra virgem e que serve exatamente para se passar em grossas fatias de pão que são oferecidas como antepasto.
Perdoe-me cavalheiro Italiano "ma non troppo", mas acho que nem mesmo ele sabia o que é verdadeiramente a receita chamada no Brasil de "sardela". Bem, se você que parecer um "vero calabrese" prepare a verdadeira e apimentadíssima "mustica" ou "rosamarina" colocando em um processador 60 g de anchovas conservadas em sal (lave-as bem e retire as espinhas), acrescente 1 colher (chá) de pimenta caiena em pó (ou páprica picante), 1 colher (chá) de sementes de erva doce e 2 colheres (sopa) de páprica suave. Processe e acrescente aos poucos azeite de oliva para obter uma pasta bem cremosa, mas se preferir a "sardela" da maneira como é preparada no Brasil, siga a receita que apresentei na televisão da Sardela Fortunato. Ao cavalheiro Italiano que questionou minha receita esqueci de dizer que a família de minha mulher é originária da Calábria, e que não existe o antepasto com o nome de "sardela" por lá.
Leia as colunas anteriores
Volta para a capa
|