Nunca mais encontrei aquele sabor
Tenho convivido com a gastronomia durante os últimos 18 anos. Degustei delicias e experimentei desastres culinários. Passei por várias fases: cozinha internacional, cozinha italiana, francesa, nouvelle cuisine, fusion food, cross cultural food, cozinha brasileira e por aí afora, talvez à procura de sabores e aromas específicos, daquilo que considero a culinária perfeita. Chego a conclusão de que buscamos naquilo que comemos uma ligação com nossas origens e talvez um sublime resgate de tempos felizes de nossas vidas.
Certamente a infância foi uma fase de grande felicidade para cada um de nós, época em que a alimentação é responsável por grande parte de nossas experiências sensoriais. Os lanches e merendas carinhosamente preparadas por nossas mães, as refeições com a família reunida em volta da mesa, os doces da casa de nossos avós, o passeio aos domingos em que quase sempre estava incluído um almoço em um restaurante alegre e barulhento. O chocolate que comíamos às escondidas antes das refeições e outras tantas lembranças, até mesmo o gosto amargo da escarola refogada ao alho e azeite. Tudo isso a meu modo de ver fica registrado em nossas memórias de forma olfativa e gustativa, associando determinados aromas e sabores a momentos de felicidade. São memórias que nunca se perdem e podemos através dessas pequenas experiências gastronômicas reviver aqueles preciosos momentos.
Ouço regularmente de amigos e clientes afirmações do tipo: Nunca mais comi doce de leite como o que se fazia na casa de minha tia. Sempre respondo que nunca mais comeu e jamais comerá, porque o importante não era o doce de leite e sim a carga emocional que acompanhava o tão sonhado doce. Podemos passar toda a vida querendo encontrar o sabor de um simples pão com manteiga do passado e não encontrá-lo jamais, sabe por quê? Aquele pão com manteiga vinha acompanhado de um algo a mais que talvez não saibamos identificar e para encontrarmos definitivamente aquele sabor, o algo a mais também teria que ser encontrado.
Prefiro associar os sabores do passado com situações agradáveis e pessoas queridas, por exemplo as rabanadas que eram preparadas na casa de minha avó. Eram simples fatias de pão frito mergulhadas numa calda de água e açúcar algo de uma simplicidade franciscana, mas eu não as trocaria pela melhor receita preparada pelo melhor Chef, e o mesmo eu diria de dezenas de receitas comuns porém, de significado insubstituível. Cada um de nós tem suas memórias associadas a receitas, sabores e aromas. Fazendo um rápida reflexão, acredito que essa procura pelos sabores do passado seja na verdade a busca por uma ponte para que possamos retornar as nossas origens e reviver preciosos momentos de felicidade.
Leia as colunas anteriores
Volta para a capa
|