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Lenine está ansioso para estréia do musical "Cambaio"

Lenine: liberdade para adaptar Chico Buarque e Edu Lobo
Foto: Adriana Elias

Quinta, 19 de abril de 2001, 02h04

Ricardo Ivanov / Redação Terra

Veja também:
» Vídeo-entrevista com o cantor no Showlivre

Lenine está eufórico - nada muito diferente de sua personalidade expansiva. Mas a euforia tem nome e é um filho: a peça Cambaio, que está à beira de estrear em São Paulo, no Sesc Vila Mariana, depois de dez meses de ensaio. A amplitude maior e expectativa também se deve aos compositores das canções do espetáculo: Chico Buarque e Edu Lobo, que renovam uma parceria histórica.

O cantor-autor, que vem lucrando com o prestígio de seus ótimos CDs "Na Pressão" e "O Dia em Que Faremos Contato", foi o único que saiu do ensaio para falar com a imprensa. "Uma peça da mesa de luz quebrou", disseram, e ninguém pôde ver um trechinho sequer do espetáculo. Um bate-papo com Chico Buarque? Nem sonhando: quer dizer, sonhar pode, ele só não vai estar no devaneio. Afinal, a timidez lhe permitiu afastar-se da curiosidade nem sempre saudável da imprensa.

Mas, por outro lado, animado e prestativo, Lenine conversou com a reportagem do Terra sobre a nova e, segundo o próprio, enriquecedora experiência com o teatro, em um musical pop, como o mesmo define. Falou que o contato com Chico e Edu, que conhece de longa data devido ao aproximamento com a obra musical dos dois, lhe deu a impressão de que já eram velhos amigos - "Mas sei que é algo unilateral de minha parte", brincou Lenine. Ah! Adiantou que um novo CD, somente lá por agosto deste ano.


Estou tentando entender seu papel na peça...

(Interrompendo) Não tenho papel na peça, não (risos)...

Não deu nem uma vontadezinha de subir no palco?

Sou péssimo ator. Deu vontade de escrever. Como uma espécie de resgate. Já teve momentos em que me vi trabalhando com a palavra, roteiros para cinema.

Mas voltando: o Chico e o Edu escreveram canções para Cambaio. O arranjo, produção e colocação delas, bem como música incidental, ficou na sua mão?

Sim. A adaptação dessas obras de Chico e Edu para o universo da "rua" era o objetivo maior que eu e o João Falcão (diretor e co-autor do texto da peça em conjunto com Adriana Falcão) procuramos. Colocar o violão como instrumento que hoje podemos dizer brasileiro, pois em qualquer esquina tem um cara com um pandeiro, um violão, um batuque. Então puxei essa sardinha, embora a rua da peça seja uma rua de qualquer cidade do planeta. Usei as ferramentas que temos de melhor, que é o ritmo e a linha do violão.

Existe também um componente tecnológico em tudo isso...

Sim. Além disso, peguei um outro foco da questão, que era o surgimento do "Logicqueiro" e do "Protoolzeiro", os sujeitos que trabalham com as tecnologias musicais digitais (n.e.: os nomes usados são famosos programas para computador que editam áudio não-linearmente, possibilitando uma infinidade de montagens com músicas ou trechos de músicas).

Mas tem um computador na peça, em cena?

O computador eu tirei por causa da organicidade. Você não vê o computador na rua. Na peça tem muita coisa editada digitalmente. Eu "loopiei" coisas (n.e.: recortar um trecho e repetí-lo). Tem um clima "Onde está o Wally?" em Cambaio. Pois peguei várias referências das obras de Chico e Edu, anteriores, de outros musicais, para usar como malha sonora - e eu imprimi isso em vinil.

O velho discão preto está de volta...

É. Então peguei esses dois elementos, que é o Protoolzeiro e o Logicqueiro, e alimentei os DJs com um arquivo de ruídos e sons não só da obra de Chico, mas também de coisas que eu gravei com o próprio elenco, além de "levadas" minhas gravadas em estúdio. Essa possibilidade de edição foi criada recentemente, há no máximo 15 anos. E são hoje elementos indispensáveis na música. Muito da música temporânea parte dessas duas novas figuras.

E esses discos de vinil? Como são usados?

Tenho dois "vinis" de Cambaio. Ou seja, quatro faixas, uma em cada lado, que eu produzi e coloquei no disco para ser executado na hora - tem até o violão do Edu gravado nesse formato. São coisas que uso no meu trabalho e que trouxe para a peça. Por isso digo que Cambaio é um projeto de aglutinação - acho que é a grande palavra da coisa toda.

O Chico e o Edu já viram o que fez com o material deles? Qual foi a reação de primeiro-olhar? O que você viu na reação da dupla?

Sim, eles já viram. E estão muito felizes com a possibilidade da música deles ser uma mola propulsora, um trampolim para ajudar a criar novos criadores. Pois o foco, o objetivo maior, são esses 18 garotos e garotas que estã sendo formados aqui. Eu me sinto meio pai, paternalista, meio orgulhoso de vê-los crescer, criando.

Você se sentiu à vontade para opinar?

As idéias surgiram livremente. Tive a ousadia de dar um "pitaco" na direção do João, assim como ele de me sugerir "aquela parte poderíamos mudar". Liberdade total, uma grande cooperativa de buscadores da beleza...

Que é a idéia do teatro...

Que é a idéia da vida! Acho que está todo mundo procurando o belo.

Não sentiu vontade de colocar alguma música sua no espetáculo?

Mas aí entramos na discussão do que é a autoralidade. Se eu for cantar "Cai Cai Balão", vou dar uma autoralidade a ela. Só pelo fato de escolher a música para cantar, essa minha iniciativa já vai ser autoral. Por isso que acho que, independente da criação primordial que é a canção, o intérprete também é autoral no que ele faz. Eu estou sendo um intérprete, por intermédio desses 18 garotos da peça.

Bom, essa então é sua primeira experiência - e satisfatória - com o teatro. Então já está na hora de se aventurar pelo cinema, certo?

Rapaz, sabe que esse convívio fez ressurgir em mim esse desejo, um desejo primal. Eu sempre achei que estava me preparando para fazer cinema a minha vida toda. E aí volto a ter esse apego à palavra, ao texto. Voltei a ter esse desejo de escrever e isso eu devo ao João e a experiência que estou tendo aqui com Cambaio. Então cinema... quem sabe?

Você nunca foi convidado para fazer cinema?

Não.

Como não? (rindo)

(Rindo e confirmando) Não. Fiz algumas experiências para televisão, com o Renato Aragão. Teve também A Invenção do Brasil, na Globo, que fui eu que fiz a direção musical.

É curiosa essa coisa do músico gostar de "alimentos visuais" e pintores, por exemplo, se influenciarem por elementos musicais...

O João, por exemplo, só consegue escrever ouvindo música. E eu só consigo fazer canções vendo, ou seja, imagem. Zapeando na TV, mesmo sem som, mas a imagem está ali. Tô sempre atento ao cotidiano. Pego as coisas para compor desse universo do "ver".

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