Barcelona, como capital mundial da edição de obras em língua castelhana, tinha "uma especial devoção" pela obra e figura do escritor brasileiro Jorge Amado, destacaram esta terça-feira diversas fontes literárias, que foram seus editores e amigos.O autor de Dona Flor, falecido esta segunda-feira no Brasil, confirmou como recíproco este "amor" em sua última visita a Barcelona (norte da Espanha), quando há seis anos se reuniu com amigos daqui.
Amado visitou seus amigos barceloneses em março de 1995, por ocasião da publicação de seu livro "De como os turcos descobriram a América", uma de suas obras mais frescas e recentes, exuberante na ironia de que Deus é brasileiro e os "turcos" são apresentados como perseguidores de apenas uma conquista: uma fêmea brasileira.
Sua agente literária em Barcelona, Carmen Balcells, lamentou muito a morte de um dos autores que mais satisfação lhe deram, pois através de sua editora a obra foi traduzida para quase 60 linguas e publicada em todo o mundo.
"Pobre Jorge, com ele se vai uma das grandes figuras da literatura latino-americana", disse Carmen Balcells à AFP.
Por ocasião da última visita do escritor, Carmen Balcells abriu os salões de sua casa na tradicional avenida Diagonal para que Jorge Amado pudesse ter contato com o mundo literário e editorial da cidade, "mas sempre lamentei não ter podido participar porque nesse dia estava doente", recordou a agente literária dos maiores expoentes das letras hispânicas do mundo.
"Sinto muitíssimo sua morte e lamento muito que nunca tenha recebido o Prêmio Nobel", disse.
O escritor espanhol Manuel Vázquez Montalbán - que soube da morte de seu amigo ao ser procurado pela AFP - disse desde seu refúgio de verão, no isolado povoado de Ampurdán, que "sempre ficou admirado que como um homem que viveu dramas da época de Getúlio Vargas, e outras tantas épocas dramáticas do Brasil, nos anos 20 ou 30, tivesse sempre tanta vida e estivesse sempre tão alegre".
"Conheci a literatura de Amado porque meu professor de letras, Basílio Losada, foi seu tradutor para o espanhol, e depois nos freqüentamos nos últimos 15 anos, porque o conheci e integrei um jurado com ele e o português Jose Saramago em Roma", recordou.
"Sempre fiquei admirado com a força lúdica do personagem. Lamentavelmente não ganhou o Prêmio Nobel que merecia", afirmou o criador em sua obra do detetive Pepe Carvalho.
A mesma opinião demonstrou outro escritor "barcelonês" de adoção, o peruano Mario Vargas Llosa, que considerou "muito lamentável" a ausência de Amado na lista dos premiados com o Nobel de literatura, assim como a da argentino Jorge Luis Borges e o russo Vladmir Nabokov.
O autor de "Conversa na Catedral" pediu publicamente este prêmio para Jorge Amado quando o escritor brasileiro fez 80 anos.
Jorge Amado morreu "deixando atrás de si um caudaloso e riquíssimo rio de mitologias de personagens emblemáticas, algumas das quais, graças à enorme difusão de seus livros, ajudados também pelo cinema e televisão, chegaram aos mais remotos lugares do mundo", acrescentou Vargas.
Ao se referir à "extraordinária generosidade" de Amado, o escritor peruano disse que pode comprovar esta "qualidade humana fora de série" quando esteve trabalhando no Brasil seu romance "A Guerra do fim do mundo", que transcorre na Bahia.
"Se existe o céu, e se algum escritor entra nele, estou certo que será Jorge amado", afirmou o prêmio Cervantes.
O tradutor para o espanhol da quase totalidade da obra de Amado, que o fez conhecido na Espanha, inclusive contra os avatares da censura franquista, o catedrático e escritor galego Basilio Losada, também "barcelonês" de adoção, teve esta terça-feira palavras muito emocionada sobre a morte do amigo brasileiro.
Amado era - disse Losada - "um grande escritor, como nenhum outro em todo o Brasil", apesar de existirem "excelentes escritores" nesse país, porque - destaca - "a literatura brasileira é hoje entre todas as do mundo a de melhor nível de qualidade, novidade e desinibição".
Losada lamentou que, apesar de ser traduzido para cerca de 60 línguas, Jorge Amado tenha sido "pouco conhecido na Espanha", onde sua obra foi silenciada pelo franquismo.
"Não acredito que em nenhuma outra literatura do mundo moderno haja um escritor tão profundamente itnegrado em seu mundo. Na Bahia todos o conhecem: as crianças de rua, os camelôs, os pescadores", disse Losada.
Quanto as idéias políticas que custou ao escritor, entre outras coisas, ganhar o Prêmio Nobel, Losada disse que Jorge Amado "queimou sua vida dentro do Partido Comunista do Brasil e nunca renunciou a suas idéias".
Para Losada, considerado na Espanha como o melhor conhecedor de toda a obra de Jorge Amado, "Quincas Berro D'Água" é "um dos contos mais bonitos que jamais foram escritos em qualquer língua".
AFP
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