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Grupo Urban Dream Capsule mostra que os palhaços somos nós


Sexta, 24 de maio de 2002, 13h16

Os quatro atores australianos que por 15 dias, entre 7 e 21 de maio, encapsularam-se ao revés de um reality show na avenida Paulista, diante dos passantes, deram à cidade uma estranha lição. Não eram eles os palhaços, eram os passantes.

É de pensar se isto é coisa que se faça com eles, os passantes, já sobrecarrados do fardo de representar homens de circo num sentido moral, sem a necessidade de sê-los num sentido estreito. Mas, sim, é coisa que se faça com eles. "Nós amamos vocês" e "Por favor, dança um pouco, é arte" eram frases do público estampadas no vidro que possibilitava a comunicação "direta" com Neil Thomas, Andrew Morrish, Nick Papas e David Wells, atores do grupo Urban Dream Capsule, convidados ao evento da Cultura Inglesa dedicado à difusão da arte australiana.

Os quatro se exibem ao público desde 1996, num festival de Melbourne que os premiou. Já visitaram Bélgica, Canadá, Inglaterra, Estados Unidos e Nova Zelândia, em performances que os exauriram fisicamente e puderam ser realizadas, portanto, no máximo duas vezes num ano.

A idéia de agir e interagir com o público antecedeu o aversivo programa Big Brother e é muito melhor do que ele. Em lugar de só se exibir à toa, na plenitude de seus narizes, como fazem os encapsulados da televisão, eles alternam atividade artística (dança, comédia) com momentos à toa, nos quais, por exemplo, cozinham pinhões. "As pessoas nos levaram para seu coração e nos mostraram a maravilhosa natureza humana dentro do imenso zôo humano que é São Paulo", escreveu Neil Thomas, o diretor-inventor.

Assim sendo, os rapazes, à moda do grupo tecno Kraftwerk, carecas, brancos, compridos, encapsulam-se, vestem-se de mulher ruiva, pulam dos beliches, mas nós é que, de repente, nos transformamos em habitantes do zôo. A Austrália é quase um continente, como o Brasil, e quase tão quente.

Diante do UDC - que não toca um dedo no público nem exibe sua voz a ele, embora lhe dê alguma música de CD amplificada, ora australiana, ora temática de filmes, ora brasileira, em torno de Clara Nunes, Tom Zé, samba e sertanejos -, pessoas riram, mostraram seus bichos de pelúcia, vestiram máscaras e houve quem dormisse à soleira da cápsula de 50 metros quadrados por eles habitada, em sinal de que se importava com o que faziam. O que faziam? Nada demais. Eram generosos e pacientes.

O que a performance fez de importante, se assim se pode dizer, foi colocar os atores do lado de cá. Uma senhora com os filhos (as crianças não têm muita paciência com a performance do UDC, é preciso dizer) apresenta os rebentos a uma empregada doméstica, que graças a Deus, ela diz, já é avó. Do lado de dentro da cápsula, enquanto Neil Thomas rabisca palavras na lousa, ansioso por comunicar o sinônimo de uma palavra inglesa usando um dicionário de bolso, as mulheres discutem a pequena diferença de idade entre os filhos como um fardo no início, mas uma bênção no fim. A empregada doméstica esquece por completo, então, o rapaz do UDC, que gesticula sem parar em sua direção, para dizer como são maravilhosas as crianças da mulher que conheceu há três minutos.

Neil Thomas afirma que a platéia paulistana foi também uma das mais receptivas ao trabalho deles. E sensível, educada e brincalhona, nesta ordem ("isto sem mencionar a boa aparência"). Na quinzena de performances, receberam 514 e-mails e 54 faxes do público, numa demanda que, calcula o grupo, caracteriza o Brasil como um de seus três melhores feedbacks de todos os tempos.

O Urban Dream Capsule volta para a Austrália hoje, sexta-feira, cheio de recordações. Os integrantes do grupo têm filhos, e alguns dos atores pensam em voltar um dia a São Paulo com eles, de férias. Então, possivelmente, já não seremos tão engraçados a eles - nem eles, a nós.

InvestNews/ Gazeta Mercantil

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