Ela é legal. É médica e ajuda as pessoas a terem uma vida melhor e livre de mazelas. Mas seu casamento de mais de 20 anos está prestes a terminar e ela arruma um amante, o que lhe dá uma sensação de culpa terrível -- culpa esta que tenta esconder sempre que lembra do quão altruísta ela é em sua carreira profissional. Esse é o conflito interno de Katie Carr em Como Ser Legal (Ed.Rocco, 308 pgs), o mais recente livro do britânico Nick Hornby. A obra é claramente baseada em antigos relacionamentos do escritor, mas o fato de a história ser narrada por uma mulher outorga à ala feminina um "crime" (o de ter um amante) que a sociedade em geral acredita ser praticado muito mais por homens -- contentes ou não com seus relacionamentos.
Hornby faz questão de deixar claro como a hipocrisia se torna latente quando nos vemos com vontade de dizer ou fazer coisas pensando apenas em nós mesmos, e não nos outros, como se o egoísmo de querer ser feliz e se bastar fosse a pior coisa da face da Terra.
Em Como Ser Legal, Dave, o marido mal-humorado e rancoroso da personagem principal, descobre um guru que o transforma num ser humano generoso, compreensivo, livre de preconceitos e preocupado com os desabrigados do bairro.
De repente, o monstro de quem Katie queria se livrar passa a ser um completo desconhecido para ela. Um desconhecido agradável e simpático, mas que ironicamente a faz sentir saudades do crápula reclamão.
A desconfiança de Katie sobre toda essa bondade do marido, seu medo quanto à reviravolta em sua casa e os problemas com seus filhos são as bases da trama de Hornby.
Aparentemente, os personagens de Como Ser Legal são mais maduros do que os dos outros trabalhos do autor. Na verdade, eles têm as mesmas crises e infantilidades dos protagonistas de Alta Fidelidade e Um Grande Garoto, só que são mais velhos, têm mais responsabilidades e divagam sobre questões humanistas em paralelo ao "quem sou-como sou-como devo ser-quem quero ser".
É muito fácil avançar nas páginas de Como Ser Legal, especialmente porque a história pode ser transposta para o dia-a-dia de qualquer um.
Mais especialmente porque, sem dúvida, todos nós, em diversos momentos da vida nos questionamos sobre nossa correção e ética, em crises modernas de moralismo.
O suspense quanto ao desfecho da saga dos Carr permanece até o final do livro, induzindo o próprio leitor a mergulhar em questionamentos pessoais.
E as referências pop continuam. Homer Simpson, Seinfeld, The Smiths e Bob Dylan não são nem um-décimo dos astros que cercam a trilha de Katie Carr.
Reuters
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