Rushdie fala de sua obra e diz que crença exagerada é "letal"
Sexta, 16 de maio de 2003, 20h46
Quando lançou seu mais recente livro, Fúria, há dois anos, o escritor indiano Salman Rushdie acreditava ter criado uma história satírica. Poucos dias depois, porém, sua nova obra passou a ser interpretada como um romance histórico. Tudo porque, entre um momento e outro, estava o dia 11 de setembro 2001. Pela primeira vez Rushdie ambientou sua história em Nova York e teve como protagonista um professor aposentado que cria bonecas de madeira. Ele vê uma de suas criações virar celebridade mundial, o que o desconcerta e desencadeia situações furiosas na vida do personagem. "Fúria não era o romance que eu estava escrevendo inicialmente. Tinha desenvolvido uma parte da história que era a do homem que cria bonecos, mas não conseguia dar vida a isso", contou o autor em entrevista à imprensa no Rio de Janeiro, onde participa da 11a Bienal Internacional do Livro. "De repente, parece que o livro exigiu que eu falasse de Nova York e comecei a escrever sobre a vida da cidade. E foi tudo muito estranho, porque o livro foi tão urgente que o escrevi em menos de um ano, muito mais rápido do que normalmente escrevo", afirmou Rushdie, que visita o Brasil pela primeira vez ao 66 anos. Fúria está sendo lançado na Bienal pela editora Companhia das Letras. Apesar de satisfeito com a boa receptividade de sua nova obra, Rushdie se mostrou entusiasmado com a repercussão que antigo romance vem causando, no caso, o polêmico Os Versos Satânicos. "Só agora o livro está encontrando seu lugar no mundo", afirmou o autor. Desde que foi lançado em 1988, a obra tem sido constantemente ressuscitada por causa da condenação à morte decretada a Rushdie pelo ex-líder iraniano aiatolá Khomeini, que considerou a obra ofensiva ao islamismo. A ameaça durou nove anos, foi revogada há cinco. Enquanto durou, Rushdie viveu sob intensa proteção policial. "É muito bom voltar à vida normal. Não houve um momento específico que me fez perceber que estava livre, mas sei que uma pessoa livre quando decide pegar um táxi, o pega. Eu pego táxi", disse o autor, referindo-se, principalmente, ao estilo de vida dos nova-iorquinos. Fé Mortífera Falar sobre sua condenação, o islamismo e o fanatismo todo o tempo não lhe aborrece. "Crítica ruim é que me chateia", brincou. Na sua opinião, a intolerância é um fenômeno internacional agravado porque a religião está entrando no cenário político de uma forma contundente como já aconteceu na Idade Média. Para ele, o respeito exagerado à religião é letal. "Muitas pessoas estão matando pela religião no mesmo momento em que padres molestam meninos e mulás se envolvem com corrupção", afirmou Rushdie. A força que a religião está ganhando no mundo é, segundo ele, consequência da constante mutação e velocidade em que as pessoas vivem. "As coisas ficam obsoletas logo após sua criação. Esse ritmo acelerado assusta as pessoas. Há também muita tecnologia que acaba com a humanidade das coisas. As pessoas estão procurando por coisas estáveis e é esse sentimento que a religião pode satisfazer e explorar". Apesar de todas as críticas que os EUA vêm recebendo por conta da guerra contra o Iraque, Rushdie não considera que sejam um país fundamentalista. Ele acha que é possível separar o povo do governo americano e usa como prova todas as manifestações contra o conflito que aconteceram, principalmente, em Nova York. Depois de 11 de setembro, Rushdie acredita que muita gente "entrou para o clube dos que têm medo dos fanatismos". E que conselho ele dá a esses medrosos? "Não se preocupem muito com essa ameaça mundial".
Reuters
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