Fama de George Orwell é contestada no seu centenário
Quarta, 25 de junho de 2003, 14h27
Gigante do pensamento político do século 20 ou solitário excêntrico e doentio? O mito em torno do escritor britânico George Orwell está sendo revisto, 100 anos depois de seu nascimento. Autor de A Revolução dos Bichos e 1984, Orwell implantou na linguagem contemporânea os termos Big Brother (Grande Irmão) e Polícia do Pensamento. Morto em janeiro de 1950, ele vem sendo enaltecido desde então. Mas, fiel a seu próprio mote, segundo o qual "os santos devem sempre ser considerados culpados até que se prove o contrário", o mito de Orwell está sendo revisto no centenário de seu nascimento, que se deu em 25 de janeiro de 1903 num povoado da Índia. Documentos que vieram à tona recentemente mostram que, poucos meses antes de morrer de tuberculose, o socialista Orwell entregou ao Ministério do Exterior britânico uma lista de 38 "criptocomunistas e colegas de viagem". Não apenas alguns dos nomes citados na lista provocaram surpresa, como o próprio fato de Orwell a ter entregue ao governo. Ambas atitudes contrariam a fama de anti-autoritário que o escritor ganhou em função de seus dois livros mais famosos. O historiador Norman Mackenzie disse recentemente que a inclusão de seu nome e vários outros na lista é prova de que, com o avanço da tuberculose, Orwell tinha perdido o contato com a realidade. "É uma lista sem fundamento", disse ele ao jornal The Guardian. "Os tuberculosos muitas vezes ficam muito estranhos quando estão chegando perto do fim. Sou fã de Orwell, concordei com ele em relação à União Soviética, mas acho que ele perdeu o juízo parcialmente." ANDARILHOS E BUROCRACIA
Um artigo publicado no The Washington Post acusou Orwell de ter sido um homem solitário, sem amigos e anti-semita, que se vestia como operário mas falava com sotaque nitidamente da classe alta britânica. A publicação também disse que ele vivia dividido entre suas tendências socialistas e o repúdio que devotava ao comunismo stalinista. Orwell nasceu em Motihari, no Estado indiano de Bengala, sob o nome de Eric Arthur Blair, numa família de funcionários públicos que ele descreveria como sendo de "alta baixa classe média". Estudou no famoso colégio particular Eton, na Inglaterra, mas, em vez de seguir para a universidade, passou sete anos na Birmânia como integrante da Polícia Imperial Indiana. Retornando à Europa, em 1928, passou os quatro anos seguintes pesquisando o submundo dos pedintes andarilhos, até que, num virada tipicamente orwelliana, a pobreza o forçou a buscar um trabalho de professor. Ele utilizou essas experiências como base de seu primeiro livro, em grande medida autobiográfico, Down and Out in Paris and London (Na Pior em Paris e Londres), que publicou sob o pseudônimo de George Orwell, caso fosse um fracasso. The Road to Wigan Pier (A Caminho de Wigan) foi um dos cinco romances que vieram a seguir, até que Orwell foi combater na Guerra Civil Espanhola, em 1937. Um ano mais tarde, depois de ser atingido por um disparo na garganta e desiludido com os desentendimentos entre os supostos aliados (comunistas e anarquistas), Orwell voltou a Londres. Durante a 2a Guerra Mundial ele teve vários empregos jornalísticos, incluindo três anos passados com a BBC, cuja burocracia acabou lhe servindo de subsídio para escrever 1984, seu último livro.
Reuters
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