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"A Mandíbula de Caim": Livro de enigmas de quase 100 anos vira febre no TikTok

O livro policial, lançado há 89 anos, virou assunto nas redes sociais por propor que leitor se torne detetive

8 jan 2023 - 05h00
(atualizado em 9/1/2023 às 22h34)
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Tiago Valente é influenciador digital e produz conteúdo sobre literatura.
Tiago Valente é influenciador digital e produz conteúdo sobre literatura.
Foto: Tiago Valente/Arquivo pessoal

Febre nas redes sociais, o livro A Mandíbula de Caim, recém-lançado pela primeira vez em português pela Intrínseca, tem feito jovens arrancarem suas páginas e cobrir as paredes de casa com elas. Isso porque a narrativa obriga o leitor a se tornar detetive e tentar solucionar uma série de assassinatos com enigmas. Para matar a charada, leitores têm usado as redes sociais para trocar ideias, na expectativa de alguém conseguir se tornar a quinta pessoa no mundo a desvendar o mistério.

Apesar do lançamento ser novidade no Brasil, o livro foi publicado pela primeira vez em 1934, por Torquemada, pseudônimo do inglês Edward Powys Mathers. No livro, as páginas são impressas fora de ordem e são destacáveis, incentivando que a papelada seja espalhada.

A publicação é considerada um dos maiores desafios do mundo e foi solucionada apenas quatro vezes. Os dois primeiros foram na década de 1930, Sydney-Turner e WS Kennedy, que ganharam 25 libras na época. O comediante John Finnemore foi o mais recente a conseguir solucionar o caso, em 2020, em um concurso promovido pela editora inglesa responsável por trazer de volta A Mandíbula de Caim, após um longo período de esquecimento.

Para quem solucionar o mistério, a editora Intrínseca dará como prêmio uma viagem à editora, no Rio de Janeiro. Para isso, é necessário preencher um formulário com a resposta para o enigma.

Nas redes sociais, leitores tentam resolver enigma

No TikTok, a hashtag com o nome do livro viralizou, e membros da comunidade de leitores da rede social – o "BookTok" – começaram a tentar resolver o enigma policial. O escritor paulistano Tiago Valente, de 25 anos, é um dos influenciadores digitais de literatura que se propôs a resolver o desafio.

Ele conta que conheceu o livro através de outro "BookToker" e ansiava pela versão em português. "Conheci o livro através de um criador de conteúdo literário que eu acompanho há muito tempo, lá de fora, e esse livro foi publicado há muito tempo. Quando fizeram uma reedição dele, eu fiquei desesperado, porque eu amo histórias de mistério, é o meu gênero favorito", disse o influenciador.

Tiago diz que se empolgou com o fato de poder se tornar detetive na história e viu que isso poderia gerar conteúdo para suas redes sociais e, assim, começou a se dedicar. "Eu percebi que era a gente se colocando no papel do detetive. O detalhe é que eu gosto de investigar, gravar e criar conteúdo, então levo muito mais tempo do que se eu estivesse só sentado tentando solucionar o livro", contou.

Malu Costacurta compartilha nas redes sociais suas tentativas de solucionar mistério do livro "A Mandíbula de Caim".
Malu Costacurta compartilha nas redes sociais suas tentativas de solucionar mistério do livro "A Mandíbula de Caim".
Foto: Malu Costacurta/Arquivo pessoal

Outra influenciadora do "BookTok" que tenta resolver a charada é a escritora Malu Costacurta, de 20 anos, que viralizou no TikTok com seus vídeos de paredes cobertas pelas páginas de A Mandíbula de Caim. Ela diz que jamais imaginou que tentaria resolver o enigma. "Eu falei que jamais ia tentar resolver isso. E aí o livro chegou no Brasil, e resolvi que eu ia comprar", relatou.

Apesar de ter entrado na brincadeira, Malu não acredita que irá até o fim com o enigma. "Eu acho que foi muito mais para me divertir, eu queria entender por que é tão difícil, saber se era tão difícil mesmo, ou então ver se eu sou um gênio e não descobri até hoje", brincou. Ela relatou ainda que divide as horas de leitura com os estudos e que, por isso, não está se dedicando totalmente à solução do mistério.

Giulia Ribeiro criou comunidade online para tentar solucionar mistério do livro "A Mandíbula de Caim"
Giulia Ribeiro criou comunidade online para tentar solucionar mistério do livro "A Mandíbula de Caim"
Foto: Giulia Ribeiro/Arquivo pessoal

Giulia Ribeiro, de 24 anos, também faz parte da comunidade do "BookTok" e conta que suas redes sociais foram impulsionadas pelas publicações que fez sobre o livro, devido à grande procura. Para ela, poder contar com uma comunidade de pessoas na tentativa de solucionar o enigma deixa tudo mais divertido.

"Expor o progresso é super legal, nos comentários o pessoal acaba deixando algumas impressões, discordam do que eu falo no vídeo e deixam a versão deles, e rola um diálogo muito legal. Com base nisso, montei um grupo no Telegram para poder reunir qualquer um que tivesse interesse nessa troca de percepções, possíveis sequências e ideias sobre a narração, e ele passou de mil pessoas", disse.

Gênero considerado popular

Filipe Reblin Costa é mestre e doutorando em Letras na Universidade de São Paulo (USP), além de estudioso de literatura policial. Ele comenta que, desde o surgimento, o gênero começou a movimentar a massa. "Ele foi taxado de ser muito popular, falando em tom pejorativo, porque era o que achavam as classes mais altas na época. Era um gênero muito voltado para o entretenimento, e, na época, consideravam essa leitura fraca. Ele começou a atrair uma multidão, e as pessoas começaram a ter acesso a esse tipo de leitura, que não era para as pessoas da alta classe", explica.

Segundo Filipe, a publicação desse tipo de história era feita semanalmente, oferecendo acessibilidade. Apesar de se tratar de um livro antigo, o apelo popular das histórias policiais é algo que perdura até hoje, segundo o pesquisador. "A questão da curiosidade humana com o enigma, com o mistério, perdura. Os teóricos da literatura policial falam que ela te dá a oportunidade de você se colocar num papel que você não seria no dia a dia".

Lilian Cardoso atua no mercado editorial.
Lilian Cardoso atua no mercado editorial.
Foto: Felipe Pillon/Imagem cedida ao Terra

A professora e jornalista Lilian Cardoso, que atua no mercado editorial, explica que, diferentemente da indústria do cinema, "os livros de romance policial têm uma procura sazonal, mas nunca saem das preferências entre os leitores aficcionados pelo tema. Vale considerar também que os clássicos não saem das listas dos mais vendidos, como Agatha Christie, que de geração a geração conquista novos leitores e inspira novos escritores".

Para ela, o que chama a atenção neste tipo de história é a narrativa que envolve o leitor. "Todos nós queremos experiências. E com o livro não é diferente. Quando vi o fenômeno com o livro A Mandíbula de Caim, lembrei rapidamente como foi o fenômeno dos livros de colorir – não comparando à literatura, mas sim à “febre” que também ocorreu na época. Pode apostar que, em breve, teremos várias obras que serão inspiradas neste livro do escritor Torquemada. Os leitores estão dando uma resposta ao mercado: 'queremos fazer parte da história'", considerou.

Fonte: Redação Terra
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