Alexandre de Moraes manda recolher livro de Ricardo Lísias assinado com pseudônimo de Eduardo Cunha
'Diário da Cadeia' foi publicado em 2017 e Eduardo Cunha argumentou que o título e a assinatura poderiam dar a impressão de que ele era o autor; Lísias defende a liberdade do artista e chama decisão de censura
Em 2017, o escritor Ricardo Lísias publicou, sob o pseudônimo de Eduardo Cunha, o livro Diário da Cadeia, pela Editora Record. Na época, o ex-presidente da Câmara dos Deputados estava preso preventivamente, acusado de exigir e receber US$ 5 milhões em propina em contratos de construção de navios-sonda da Petrobras. O ex-parlamentar entrou na Justiça pedindo o recolhimento do livro, sob o argumento de que o título e a assinatura levariam o público ao erro, ao dar a impressão de que ele seria o verdadeiro autor da obra.
"O fato de o autor ser pessoa pública e possuir o ônus de ser alvo de notícias da imprensa e opiniões alheias não autoriza o exercício abusivo do referido direito à liberdade de expressão", diz um trecho da decisão de Alexandre de Moraes, que argumenta que há uma colisão entre o direito à liberdade de expressão, por parte de Lísias, e o direito à honra, imagem e nome, por parte de Cunha.
Os dois direitos são garantidos pela Constituição Federal, mas o magistrado ponderou que não há direito fundamental absoluto e que cabe ao Judiciário analisar cada caso para determinar se houve abuso no exercício da liberdade de expressão.
O Estadão conversou com Lísias, que disse que ainda está tentando entender a questão jurídica envolvendo o seu nome. "Em primeiro lugar, eu acho que é um ato de censura. A forma como o livro está assinado, fica claro que se trata de um trabalho artístico", argumentou o escritor.
Para Lísias, Alexandre de Moraes confunde liberdade de expressão com liberdade de criação. "O artista não pode sofrer censura", disse o escritor.
Lísias faz uma análise preliminar da decisão. "Como foi uma decisão muito rápida, muito sumária e despida de argumentação, talvez [o magistrado] esteja confundindo com fake news, coisa que não tem nada que ver", disse ao jornal. "Ele está passando a régua em oito anos de argumentação", complementou.
Lísias adiantou que ainda não constituiu advogado para o caso, mas deve recorrer. E que fará alguma coisa artística a partir disso. Só não sabe ainda o quê.
O livro está esgotado na editora, o que torna a decisão de recolhimento inócua. Ele ainda pode ser encontrado na Amazon, mas porque está sendo vendido por sebos.
O Estadão procurou a Editora Record, que ainda não se pronunciou sobre o caso. O jornalista Carlos Andreazza, também colunista do Estadão, não vai comentar.