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Ana Castela implodiu tensão entre agro e urbano para se tornar a voz mais ouvida do Brasil; leia análise

Conhecer o caminho da sul-mato-grossense de 20 anos ao topo é entender o Brasil de 2023. Com méritos além do 'agromoney', ela fez som vibrante, criou personagem 'boiadeira' esperta e quebrou preconceitos de dois lados

30 nov 2023 - 15h11
(atualizado às 15h49)
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Duas cenas marcaram a cultura pop brasileira em 2022. A primeira foram discursos rancorosos de Zé Neto contra Anitta. No dia 12 de maio, em Sorriso (MT), o sertanejo resolveu falar contra a funkeira no palco, dizendo que ele "não depende de Lei Rouanet" e fazendo uma menção ofensiva ao que Anitta depois chamou, com ironia, de "tatuagem no tororó".

Ana Castela lidera ranking do Spotify Brasil 2023
Ana Castela lidera ranking do Spotify Brasil 2023
Foto: Reprodução/Instagram/@anacastelacantora / Estadão

As ofensas de Zé Neto e o deboche de Anitta desencadearam uma discussão sobre incentivo à cultura, já que o cantor criticou o uso da Lei Rouanet enquanto fazia shows com verbas públicas astronômicas de prefeituras. As críticas ganharam até o nome informal de #CPIdoSertanejo nas redes sociais.

Discussão sobre política pública à parte, uma parte do embate ficou em segundo plano: no show seguinte, em Dourados (MT), no dia 19 de maio, já sob ataques, Zé Neto disse que ia "rezar" para que pessoas como Anitta "calcem uma botina e entrem num curral" e ia "rezar" para ela "entender" que "o leite que você compra na caixinha não vem bonitinho da caixinha, alguém tirou".

O que fizeram a turma de Ana, Chris no Beat, Us Agroboy e um amigo dela ainda mais ousado e criticado, o cantor Luan Pereira, foi abrir a cabeça do sertanejo, modernizá-lo para a era do TikTok. Eles têm base em escritórios de Londrina, não de Goiânia. Enfrentaram, claro, também o preconceito de cantar o orgulho da roça diante de fãs de pop e funk. Abertas essas porteiras, foi só seguir para 2023, quando Ana virou a cantora mais ouvida do Brasil na principal plataforma de streaming, o Spotify.

Em Nosso Quadro, a música mais tocada do ano no País, Ana Castela (com participação de Luan Pereira e do plantel da Agroplay) fez gol com uma bola que estava quicando havia anos, mas ninguém se interessou ou acertou (nem do lado urbano, nem do sertanejo): um grande hit de reggaeton em português, sem se fingir de hispânico (alô, Anitta), com a pegada malemolente do ritmo vizinho traduzida para uma história de "sofrência" bem brasileira.

Em "Bombonzinho" (de Ana com Israel e Rodolffo), outro sucesso dela no top 5 do ano, e em "Canudinho" (com Gusttavo Lima), uma das músicas mais ouvidas atualmente, ela ajuda a dar leveza e frescor ao som dos artistas, especialmente Gusttavo, com aquele ar empolado, pesado e ultrarromântico que marcava o sertanejo antes de sua comitiva chegar.

É improvável que alguém que não se interesse por Ana Castela ou pelos motivos de seu sucesso tenha chegado ao final deste texto pesado e empolado (a hipocrisia). Mas é possível que estas pessoas achem que tudo não passa de efeito do "agromoney".

Ana Castela teria chegado ao número 1 simplesmente porque pagou, alguém menos atento pode pensar. Tudo na indústria musical brasileira pode ser comprado, e sucessos como os dela seriam apenas resultado do dinheiro da economia do Centro-Oeste jorrando nesse campo.

Sim, o escritório de Ana, Agroplay, fez um trabalho de marketing, de preparação dela como produto, e de investimento sem o qual é impossível um artista sertanejo estourar no Brasil. Mas é preciso lembrar, também, que há dezenas de duplas lançadas todo mês, muitas com investimento milionário. O "agromoney" está rolando. No caso dela, também foi "smart money".

É importante entender, também, por que Ana Castela deixou os outros "investimentos" comendo poeira. Compreender como ela incorporou a tensão negativa do Brasil de 2022 e a transformou em um projeto musical que desconhece porteiras pode ajudar a entender e pensar outros caminhos para o País - que, claro, não passem só pelo embate rancoroso de Zé Neto.

Estadão
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