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'Antígona Terceirizada' é versão audiovisual do clássico grego transposto para a realidade pandêmica

Inspirado na tragédia de Sófocles, o filme ganha exibições gratuitas diárias, às 19h, até 4 de dezembro

1 dez 2021 - 10h11
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Dona Antígona (interpretada pela atriz Denise Assunção) sai para trabalhar todos os dias. Mulher negra e pobre, presta serviços gerais a uma empresa, não teve o direito à aposentadoria e muito menos pode se dar ao luxo do confinamento em meio à pandemia. Ela mora com os dois netos (vividos por Éder dos Anjos e Alba Brito) e a filha, que, tocada pelo vírus, passa trancada no quarto a fim de evitar o contágio na família. Apenas Dona Antígona, destemida e com idade de sobra, pode entrar lá.

Inspirada na tragédia de Sófocles, Antígona Terceirizada é a versão contemporânea do dramaturgo Victor Nóvoa sobre o mito grego que estreia nesta segunda, 15, na plataforma Vimeo do Centro Cultural São Paulo. Sob a direção compartilhada de Aysha Nascimento, Georgette Fadel e Karen Menatti, o filme ganha exibições gratuitas diárias, às 19h, até 4 de dezembro. O elenco se completa com a atriz Nilcéia Vicente e o ator Luís Mármora, idealizador do projeto ao lado de Nóvoa, e a trilha sonora leva a assinatura de André Abujamra.

Se, no original de Sófocles, a personagem-título trava uma batalha contra o Rei Creonte pelo direito de enterrar o irmão morto na disputa pelo trono de Tebas, aqui ela não baixa a cabeça ao estadista Creonte (papel de Mármora). De acordo com as novas leis, publicadas pelo próprio político no twitter, os corpos atingidos pelo vírus devem ser colocados na calçada para recolhimento e incineração. Dona Antígona, porém, não aceita ver a filha queimada e bota a boca no mundo. "A tragédia bate de forma diferente em cada um de nós, mas ficou claro que a morte tem endereço, cor e classe social", afirma Nóvoa. "Venho de uma periferia, meu irmão trabalha em um mercado, minha mãe, professora, não se aposentou até hoje e essa minha história se evidencia no texto."

Em uma das falas mais contundentes, a protagonista explica aos netos a decisão radical de não entregar o cadáver: "Quando o coração vira pedra, não tem mais volta".

Para Georgette, só Denise Assunção, com sua leitura violenta, sem limites e vícios, poderia emprestar tamanha tragicidade a frases como esta. Os ensaios foram realizados pelo computador, e a equipe só se encontrou no set, no primeiro dos três dias das filmagens, realizadas em setembro no Centro Cultural São Paulo, na danceteria Blue Space e outras poucas locações externas. "Vivemos uma fase de transição do on-line para o presencial, em que o processo de ensaio é tão curto que praticamente não existe", declara Georgette. "Não conseguimos repetir muitas cenas, então, por vezes, o resultado é precário, precisou ser resolvido na mesa de edição, mas trata-se de um novo entendimento que estou curtindo."

A direção compartilhada, segundo Georgette, é um dos saltos do trabalho, e ela garante que, graças à divisão das tarefas com Aysha e Karen, Antígona Terceiriza pode ser finalizada sem sobressaltos. "Não faz mais sentindo uma cabeça mandante no processo e uma equipe inteira tendo que acatar as decisões de um cara, precisamos derrubar essa vaidade e reencontrar o verdadeiro trabalho de grupo", prega Georgette. Victor Nóvoa endossa a posição da codiretora e garante que abertura do debate atingiu, inclusive, seu texto, que ganhou outras formas depois de reinterpretado por diferentes olhares: "É uma descentralização necessária de decisões que cria novos corpos, como a nossa decisão de matar o Creonte, que, no original, termina vivo".

Spoilers à parte, Antígona Terceirizada escapa o tempo inteiro das obviedades. A filha infectada pelo vírus não aparece em momento algum, assim como o coro, tão tradicional nas tragédias gregas, é representado pela figura da atriz Nilcéia Vicente sob diferentes simbologias. A covid-19 jamais é citada pelos personagens - o que garante atemporalidade ao filme - e o Creonte, construído por Mármora, pode até ser associado a figuras verídicas, mas, no fundo, tudo não passa de uma ficção capaz de conversar com nosso cotidiano. "É só mais uma forma de dizer a mesma coisa, genocídio, necropolítica, exploração, preconceito, não tem nada de revolucionário, mas fizemos tudo com muito brilho nos olhos", completa Georgette.

Estadão
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