Aos 81 anos, Dedé se reinventa em peça sobre a vida e a arte
Em ‘Palhaços’, ator divide o palco com Fioravante Almeida sob a direção de Alexandre Borges
A figura do palhaço representa a mais genuína alegria de viver. Já ‘ser feito de palhaço’ indica a contrariedade de quem se considera injustiçado.
Cada um de nós, em algum momento, fez ‘palhaçada’ a fim de provocar risos e conquistar a simpatia alheia. Assim como foi vítima de alguma ‘palhaçada’ pela ação antiética de alguém.
Essa ambiguidade opõe o palhaço da arte e o palhaço da vida real. É a partir de tal premissa que parte ‘Palhaços’, espetáculo escrito pelo dramaturgo e sociólogo Timochenco Wehbi na década de 1970.
A montagem que estreia hoje no Teatro I do CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil) de Brasília é protagonizada por Dedé Santana e Fioravante Almeida.
Famoso por atuar em novelas da Globo, Alexandre Borges assina a direção dessa tragicomédia a respeito do encontro de um palhaço (Careca, papel do eterno trapalhão) e um espectador (Benvindo, personagem que representa o cidadão anônimo).
Com drama e humor, a peça apresenta um duelo de opiniões que provoca o espectador a questionar a razão da própria existência e seu papel na sociedade.
O blog acompanhou um ensaio no teatro do Hotel Maksoud Plaza, em São Paulo. A seguir, trechos da conversa com o trio que ancora ‘Palhaços’.
“Eu me interessei pela peça assim que li o título. Existe o clichê de que o palhaço chora enquanto faz a plateia rir. Muita gente acha isso um exagero, invenção. Mas é verdade, aconteceu comigo e com vários outros palhaços que conheci”, relata Dedé.
“Perdi meu pai (Oscar Santana, o palhaço Picolino) no dia de uma estreia no circo. Ele foi atropelado. Minha família estava sem nenhum dinheiro. Perguntei para a minha mãe (a contorcionista Ondina Santana): ‘O que a gente faz?’ Ela respondeu: ‘Precisamos trabalhar hoje, senão não teremos dinheiro para en terrar seu pai’. Eu e meu irmão, Dino, entrávamos no picadeiro, ríamos, fazíamos a plateia gargalhar, e quando a gente saía de cena, chorava. O corpo do meu pai estava ali mesmo, no circo, sendo velado, enquanto o espetáculo acontecia.”
O ator e humorista afirma que o texto de ‘Palhaços’ é um dos maiores desafios enfrentados em oito décadas de carreira.
“Essa peça destaca o lado sério da profissão, aquilo que ninguém sabe da vida do palhaço. O público não vai ver o Dedé levar torta na cara. É um personagem diferente de tudo o que já fiz. Fico feliz em estar numa peça que fala do lado dramático da nossa arte. Hoje, os circos brasileiros estão piores do que os circos romanos. Naquela época, os leões devoravam as pessoas de uma vez só. Agora, nós, artistas circenses, somos devorados aos poucos”, diz.
Dedé é a oitava geração de um clã dedicado ao circo. Com poucos meses de vida já aparecia num espetáculo. “Fiz barra, trapézio voador, globo da morte, acrobacias... Oito números no total. Por conta da minha história com o picadeiro, fui nomeado Embaixador do Circo no País. Espero usar essa experiência para fazer 50% daquilo que o (diretor) Alexandre Borges me pediu. Quero retribuir a confiança que o Fioravante Almeida (colega de cena e um dos produtores da peça) tem em mim. Os dois são muito generosos comigo.”
Com 51 anos de idade e 33 de profissão, Alexandre Borges possui uma ligação emocional com Dedé Santana desde a infância.
“Eu me vejo de volta aos anos 80, quando a televisão me inspirava muito e colaborava para a minha decisão de ser ator. Participei como figurante do filme ‘Os Saltimbancos Trapalhões’, de 1981. Na época, estava numa montagem de ‘Saltimbancos’ dirigida pelo meu pai (Tanah Corrêa) e a produção do filme nos convidou para participar de uma sequência”, relembra.
“Foi uma honra e um prazer ver os Trapalhões no set. Lembro de o Dedé ser uma figura bastante presente nos intervalos das filmagens. Ele vinha, conversava com a gente, ria e nos divertia. Muitos anos depois, começamos a nos esbarrar nos bastidores da TV. Até que surgiu a oportunidade de trabalhamos juntos em ‘Palhaços’.”
Na análise de Borges, o espetáculo fará o público conhecer uma faceta inédita de Dedé.
“Essa peça quebra a expectativa que as pessoas têm em relação a ele. É um personagem contestador, de humor ácido, quase um anti-palhaço dentro de um universo dramático, tragicômico. Dedé é muito mais do que um comediante. Ele e o Fioravante Almeida, com quem já trabalhei, fazem um jogo psicológico muito interessante de se assistir. O espetáculo questiona o que é vida real, o que é fantasia, até onde vai a arte e o artista”, explica.
O diretor ressalta o vigor físico de Dedé, que completará 82 anos em abril: “Nos ensaios, ele mostrou uma disposição impressionante”.
Bastante conhecido na cena teatral de São Paulo, Fioravante Almeida foi dirigido por Alexandre Borges em ‘Muro de Arrimo’, de Carlos Queiroz Telles, em montagem de 2014.
Desde então, o ator iniciou uma cruzada artística pessoal. “Fiquei mais ligado nos autores brasileiros. Fiz uma busca para redescobrir textos. Li Machado de Assis, Martins Pena... Quando encontrei essa peça do Timochenco, algo especial aconteceu comigo, fiquei encantado”, relembra.
“Eu e a (diretora de produção) Camila Bevilacqua, que é uma super parceira, inscrevemos o projeto nas leis de incentivo e começamos a captação de dinheiro para montar o espetáculo. Imediatamente veio o Dedé na minha cabeça”.
Fioravante faz questão de produzir trabalhos com pulsação de brasilidade: “Gosto de interpretar tipos que representem o brasileiro comum. Como artista, quero ser espelho do povo do meu País”.
Ele trabalhou quase dez anos no Teatro Oficina, sob a influência artística de Zé Celso Martinez Corrêa. Chegou o momento de buscar outros horizontes.
“Aprendi muito nas montagens em grupo. Com ‘Palhaços’, encontrei novo jeito de fazer teatro. Desejava essa diversificação na minha carreira, viver outros palcos. Sempre fiz mais drama, e agora estou nessa tragicomédia, uma peça colorida.”
Na visão do ator e produtor, o espetáculo convida o espectador a mergulhar em si mesmo: “Todo mundo quis ser artista em algum momento da vida. De artista e louco, todos temos um pouco. Meu personagem destaca também a frustração de não conseguir ser o artista que desejou. Aliás, o espetáculo reflete o mundo atual, esse não entendimento do lugar da arte. Não é uma peça panfletária, mas faz a gente pensar sobre isso: o quanto somos palhaços na vida real?”
Mais do que parceiros em cena, Fioravante Almeida e Dedé Santana se tornaram amigos. A convivência profissional e pessoal tem sido positiva.
“Nos últimos dois meses, passei a maior parte do tempo com o Dedé. A gente estudou muito, fomos ao cinema... Ele fez parte da minha infância. É legal quando você se aproxima de um ídolo e vê que é ainda melhor do que imaginava".
SERVIÇO:
‘Palhaços’ - Até 10 de fevereiro no Teatro I do CCBB de Brasília
De quinta a sábado, às 20h, e domingo, às 19h
Estreia no CCBB de São Paulo em 16 de março