Após fechar sede brasileira, X enfrenta problemas na Europa, Austrália e Canadá
Elon Musk defende censura do X na Índia e na Turquia, mas é contra qualquer controle em países de tradição democrata
Elon Musk pagou US$ 44 bilhões pelo Twitter em 2022 para quebrá-lo? A plataforma enfrenta problemas legais em vários países e pode acabar fechando por determinações judiciais em série. Uma alternativa seria funcionar apenas nos Estados Unidos, que não possui legislação contra discursos de ódio.
Crise com anunciantes
Apesar da boa vontade da legislação americana, os maiores anunciantes do país assumiram uma posição contrária, se recusando a fazer campanhas na rede por conta do conteúdo liberado, o que fez Musk, num ato surpreendente, decidir processá-los. A plataforma já opera no vermelho por conta disso. Não por acaso, a estrutura do negócio, que já tinha encolhido com cortes e demissões nos primeiros meses de sua aquisição, é cada vez menor. O mais recente impacto foi o fechamento da sede brasileira, que se soma a outras pelo mundo.
Saída do Brasil e confronto com o judiciário
Musk usou uma desculpa política - e não financeira - para se manifestar sobre sua saída do Brasil, culpando o ministro Alexandre de Moraes e a insistência para que o X cumpra as leis brasileiras. Moraes estabeleceu multas diárias, mas isso não afetou a resolução de Musk de desobedecer ordens para bloquear certos perfis e fornecer dados. Com um discurso libertário, ele disse que preferia fechar o escritório no Brasil a ter que ceder à "ditadura", citando suposta ameaça de prisão contra seu representante nacional. Sem obedecer ordens legais e sem representação no Brasil, o Twitter pode ser banido do país a qualquer momento.
Possível banimento na Europa
A Europa, porém, pode sair na frente. O comissário da União Europeia Thierry Breton iniciou uma investigação sobre a adequação do X à Lei de Serviços Digitais (DSA) da Europa, acusando a plataforma de disseminar desinformação sem controle. O executivo disse que a resposta recente do X aos tumultos no Reino Unido — que o próprio Musk alimentou, falando em "guerra civil" — seria levada em consideração para determinar punições, que podem ser financeiras ou até mesmo um banimento.
Em 2023, Musk ameaçou retirar sua plataforma da Europa após a aprovação do DSA, a legislação que regula as redes. Foi blefe. Agora, a União Europeia pode banir o X de verdade. Sandro Gozi, eurodeputado eleito pela França, afirmou nesta segunda (19/8) ao jornal italiano La Reppublica: "Se Musk não cumprir as nossas leis, a União fechará o X na Europa".
Retórica incendiária
O motivo é a retórica de Musk, nunca vista antes num executivo corporativo. Sua previsão de uma guerra civil no Reino Unido, entre supremacistas e imigrantes, ecoa um ponto de discussão frequente entre alguns ativistas de extrema direita que veem uma guerra civil na Europa ou nos EUA não apenas como inevitável, mas também como algo bem-vindo. Ela quase aconteceu no Brasil, com patriotas aquartelados clamando por ação do Exército e atacando como vândalos a Praça dos Três Poderes. Musk faz campanha contra Alexandre de Moraes e prega a desobediência das leis de forma a criar um cenário em que isso possa voltar a acontecer.
Ataques ao governo do Reino Unido
O dono do X adota a mesma tática contra o governo do Reino Unido. Quando os ministros britânicos anunciaram que liberariam presos por crimes menores para abrir espaço nas cadeias para agitadores extremistas, Musk repetiu o que tem dito sobre o Brasil: "O Reino Unido está se tornando um estado policial". Publicado nesta segunda (19/8), o post evita por detalhe falar em ditadura do judiciário. Mas Musk disse coisas piores antes. Após as prisões de cerca de uma dúzia de pessoas na Grã-Bretanha por conteúdo inflamatório no X conectado aos tumultos raciais recentes, Musk chamou o atual primeiro-ministro, Keir Starmer, de "a maior ameaça à liberdade de expressão que já vimos em nossa história".
Confronto contra a Austrália
A iniciativa de se indignar contra iniciativas de controle do ódio se repete em outros países. Em abril, o X desobedeceu ordens de uma comissão de segurança digital da Austrália, que ordenou a remoção de vídeos que mostravam um ataque a faca contra um clérigo cristão assírio e mais duas pessoas numa igreja de Sydney. Em vez de retirar o conteúdo sensível do ar, Musk se recusou e acusou o judiciário australiano de censura. Em resposta, o primeiro-ministro australiano, Anthony Albanese, chamou o dono do X de "bilionário arrogante que pensa estar acima da lei e da decência básica".
Críticas à legislação do Canadá
Em maio, ele ridicularizou um projeto de lei canadense para impedir a disseminação de ódio nas redes sociais com multas para os infratores. Musk retuitou um artigo extremista sobre a legislação que afirmava: "O regime de [primeiro ministro Justin] Trudeau introduziu uma nova lei orwelliana chamada de Projeto de Lei de Danos Online C-63, que dará à polícia o poder de pesquisar retroativamente na Internet por violações de "discurso de ódio" e prender os infratores, mesmo que o delito tenha ocorrido antes da existência da lei". Ele acrescentou sobre o texto: "Isso parece insano se for verdadeiro!" E pediu às "notas da comunidade", um serviço de usuários que comenta posts prejudiciais, isentando a extrema direita, para verificar se a notícia era real.
Distorções sensacionalistas
De vez em quanto, o bilionário também traz "à luz" negociações de bastidores com governos que buscam evitar punições ao X, distorcendo as informações. Ele tentou colar na União Europeia a mesma desconfiança que dissemina contra Moraes. "A Comissão Europeia ofereceu ao X um acordo secreto ilegal: se censurássemos discretamente o discurso sem dizer a ninguém, não nos multariam", publicou o bilionário no X na semana passada. Ou seja, se o X fizesse o que costumava fazer quando era Twitter, que tinha uma política de conteúdo eficaz para derrubar conteúdos de ódio, nada aconteceria. Musk apresentou o óbvio como um escândalo, como tem feito sobre o judiciário brasileiro.
Silêncio em países autoritários
Com uma postura de confronto, Musk tem sido muito vocal sobre o tema da "liberdade de expressão" nas democracias citadas, como justificativa para não agir contra o fomento de ódio. Entretanto, sua política em relação a países autoritários é bem diferente. O dono do X nunca posta sobre o tema ao falar da China, Turquia, Índia e Arábia Saudita, por exemplo, países onde a liberdade de expressão não é prioridade, mas onde ele têm negócios bilionários.
Apoio à censura na Índia
Musk, na verdade, foi além do silêncio. No ano passado, ele disse que "não podemos violar as leis" para justificar a remoção de links para um documentário da BBC sobre o primeiro-ministro indiano Narendra Modi. Indagado sobre as publicações removidas, Musk afirmou que não poderia descumprir as leis do país — ao contrário do que diz no Brasil. "As regras na Índia sobre o que pode aparecer nas redes sociais são muito estritas e nós não podemos violar as leis do país", ele disse, em entrevista em abril de 2023.
Depois dessa declaração, o X passou a remover de forma sistemática a maioria das publicações contrárias ao governo indiano. Musk, que criticou Moraes por ordenar o banimento de contas de jornalistas, não teve a mesma preocupação ao banir contas de jornalistas críticos na Índia. Em outubro passado, sua plataforma bloqueou as contas de dois grupos de defesa de direitos humanos — o Hindus for Human Rights (Hindus pelos Direitos Humanos) e o Indian American Muslim Council (Conselho Muçulmano Indo-Americano), críticos a Modi.
Remoção de conteúdo contra governo da Turquia
Musk também apoiou pedidos de remoção de conteúdo na Turquia, onde restringiu o alcance de centenas de tuites por ordem do governo de Recep Tayyip Erdogan nas vésperas da eleição presidencial de 2023. Em resposta às críticas de um jornalista sobre esta restrição, Musk disse, pelo X: "A escolha é estrangularem completamente o Twitter ou limitar acesso a alguns tuites. O que você prefere?" Um resposta bem diferente da que deu sobre Moraes no Brasil.
Por coincidência, tanto o governo indiano quanto o governo turco se alinham com a direita internacional, e ambos sofrem acusações de suprimirem a liberdade de expressão e os direitos das minorias.
Ódio como modelo de negócios
Para além do viés político do empresário, alimentar o ódio também é bom para os negócios, porque dá engajamento e Musk precisa de muita audiência para conseguir fazer com que os anúncios baratos exibidos no X - já que as campanhas caras sumiram - deem algum retorno financeiro positivo. Muitos desses anúncios são de golpes contra os usuários da própria plataforma.