A bailarina que luta no palco contra câncer no cérebro: 'A doença vai me matar, mas continuo dançando'
Canadense Catherine Wreford, de 39 anos, tem um tumor maligno no cérebro - mas isto não a impede de continuar dançando.
Se você assistisse a uma apresentação da bailarina canadense Catherine Wreford, dificilmente notaria algo de errado. Ela é uma dançarina profissional com vários espetáculos no currículo. Você provavelmente só descobriria que ela tem câncer no cérebro se olhasse o panfleto que é entregue antes da apresentação - o programa do espetáculo.
"Sempre coloco esta informação na minha descrição, pois quero que as pessoas saibam que, mesmo estando no palco, eu tenho uma doença invisível", diz ela à BBC News.
"E quero que elas saibam que essa doença invisível que eu tenho irá me matar em algum momento, mas não agora. Eu ainda posso dançar, e é isso que eu farei", disse ela.
Quando recebeu o diagnóstico de tumor maligno no cérebro, os médicos deram à dançarina de 39 anos uma expectativa de vida de 2 a 6 anos. O nome técnico do tumor de Catherine é astrocitoma anaplástico.
O diagnóstico foi a seis anos atrás. Ou seja, pelas contas dos médicos, 2019 seria o último ano de vida dela.
Apesar disso, Catherine está no meio de uma montagem da peça Romeu e Julieta - ela interpretará a sra. Capuleto, mãe da protagonista.
O Royal Winnipeg Ballet (RWB) chamou Catherine de volta ao palco, junto com seu amigo Craig Ramsay - os dois começaram no balé na escola do RWB, vinte anos atrás.
A peça estreia nesta quarta-feira (13) em Winnipeg, no Canadá - cidade natal de Catherine. Craig Ramsay fará par com Catherine, interpretando o pai de Julieta.
"Os ensaios foram muito bons, a companhia foi muito bondosa em nos aceitar", diz Catherine.
Tara Birtwhistle, diretora artística associada do RWB, se disse "emocionada" em ver Catherine e Ramsay de volta ao palco.
"Estamos orgulhosos de tudo que eles conquistaram e de tê-los de volta aqui, atuando com a companhia e ensaiando nos mesmo estúdios em que eles aprenderam a dançar. Há muita carga emocional, ainda mais no contexto da história de Catherine", disse ela à BBC News.
Apesar do treinamento como bailarina e de ter estrelado produções na Broadway, nos EUA, Catherine tinha abandonado a carreira de dançarina profissional há mais de uma década.
"Eu fui das aulas de balé às apresentações na Broadway sem nenhuma pausa", diz ela. "Enquanto apresentava um espetáculo, já estava ensaiando o próximo. O meu corpo estava se destruindo, com uma série de problemas", disse ela.
"Então eu pensei que poderia fazer uma pausa - e essa pausa acabou se prolongando por vários anos. Acabei montando um negócio no setor imobiliário e depois me tornei enfermeira", disse ela.
Uma mudança dessas na carreira parece algo radical - mas Catherine diz ter encontrado muitas similaridades entre a vida de bailarina e a de corretora de hipotecas.
"É basicamente a mesma coisa, eu estou atuando, certo?", ela ri. "Eu monto a 'coreografia' para fazer as pessoas conseguirem uma nova hipoteca!... Então, acho que continuei usando a mesma parte do cérebro", diz ela.
Sintomas de um tumor maligno no cérebro
A perspectiva de cura para um tumor no cérebro depende de vários fatores - como o lugar onde ele está localizado, seu tamanho e tipo. O tumor pode ser curado se for diagnosticado cedo, mas não é incomum que retorne - e às vezes a remoção não é possível.
Fonte: NHS (Sistema Nacional de Saúde britânico)
Após anos no mercado imobiliário, Wreford decidiu tornar-se enfermeira.
As más notícias vieram quando ela estava terminando a graduação em enfermagem e prestes a ter seu segundo bebê.
"Me formei no curso de enfermagem no dia 10 de maio de 2013. No dia 18 de maio nasceu minha filha Quinn. O diagnóstico do câncer veio no dia 24 de junho", disse ela.
Mas, depois do diagnóstico, Catherine disse ter decidido que queria passar seus últimos anos "voltando ao que eu realmente amo, que é estar no palco, dançando".
A decisão de voltar a atuar é comum entre artistas com doenças deste tipo.
Hoje aos 28 anos, o cantor John Newman teve de interromper sua carreira em 2012, quando foi diagnosticado com um tumor cerebral benigno - o tumor foi detectado novamente em 2016.
Ele porém, manteve suas ambições artísticas - continuou a compor músicas e disse que pretende se apresentar no estádio de Wembley, em Londres, ainda este ano.
"Eu tenho esta 'coisa' na minha cabeça. É parte do meu corpo, e eu tenho outras coisas para me concentrar", disse ele a um jornal britânico.
Algo parecido aconteceu com o cantor de ópera Russell Watson - ele disse ter usado a doença como uma fonte de inspiração, e deve iniciar uma turnê de 22 apresentações ainda este ano.
"Quando me disseram que era fisicamente improvável que eu voltasse a performar como antes… eu pensei: 'Ah é? Eu vou mostrar para vocês!'", disse ele em dezembro.
"Tudo que eu preciso é que alguém me diga eu não consigo fazer alguma coisa. Foi doloroso, mas eu me sinto muito sortudo toda vez que piso no palco", disse.
No caso de Catherine, a parte de seu cérebro mais afetada é a que diz respeito à memória de curto prazo e à fala.
Isto pode significar que, em termos artísticos, aprender novos movimentos de dança será mais fácil que decorar falas.
"Totalmente", diz ela. "Dançar é bem mais fácil para mim que decorar uma fala ou aprender uma música", diz.
"Fico orgulhosa de mim mesma quando consigo fazer um teste sem confundir as falas. Mas a coreografia é algo que realmente 'gruda' na minha cabeça; é uma parte diferente do meu cérebro", diz ela.
Catherine conta aos diretores e produtores sobre sua doença antecipadamente, e eles têm feito concessões para atender as necessidades dela.
"Quando estou em um papel mais relevante, as pessoas que me contratam sabem da minha doença e mandam todas as informações de antemão. Eu então começo a ensaiar as falas até três vezes por dia, de forma a mover a informação da memória de curto prazo para a memória de longo prazo", diz ela.
"Minha memória de curto prazo é meio ruim, portanto Craig (que contracena com ela na montagem de Romeu e Julieta) fica constantemente me lembrando coisas que ensaiamos ontem, e eu digo 'não, não me lembro de nada disso!'", conta ela.
Como o diagnóstico mudou sua atitude diante da vida? "Minha perspectiva mudou completamente", diz Catherine.
"Acho que estou melhor agora do que estava quando recebi o diagnóstico, em termos da minha disposição diante da vida, da minha relação com os amigos e família. Não tomo mais eles como garantidos, tento ser boa e amorosa com todos em volta de mim", disse.
Catherine também diz que fala abertamente com seus dois filhos - Elliot, de oito anos, e Quinn, hoje com cinco - sobre a doença. Às vezes, é possível até achar um certo humor na situação.
"Eu trato eles como adultos", diz ela, "Ao mesmo tempo em que os protejo como mãe".
"Elliot uma vez veio comigo ao oncologista, quando tinha sete anos de idade. Eu disse 'Ei camarada, você quer fazer alguma pergunta ao doutor?'", narra ela. "E ele", diz ela, rindo, "perguntou ao médico 'Quanto você ganha?'. Eu disse "Não esse tipo de pergunta!".