A fascinante redescoberta da mítica cidade grega de Tenea
Uma das principais arqueólogas da Grécia, Eleni Korka, fez recentemente a maior descoberta de sua carreira de 40 anos: a mítica cidade de Tenea, construída por prisioneiros de guerra troianos.
Era um dia quente de verão e eu estava andando de carro pelas colinas, em meio à vegetação exuberante do Peloponeso, na Grécia.
"Olhe para toda essa planície", disse Eleni Korka, gesticulando pela janela enquanto dirigia nosso carro. À esquerda, havia uma área enorme e plana, coberta de oliveiras e arbustos.
Ao final dessa planície, a terra se transformava bruscamente em montanhas arborizadas.
"A cidade de Tenea cobria todo esse lugar", ela me disse. "Está acima do nível do mar e há uma brisa fresca, então o palácio de verão provavelmente teria sido construído aqui".
Ela apontou para um restaurante tradicional escondido sob uma colina.
Korka é uma dos principais arqueólogas do país. Metade grega, metade americana, ela recentemente fez a maior descoberta de seus 40 anos de carreira.
A cidade perdida de Tenea, mencionada em vários mitos e textos históricos gregos, foi descoberta por ela e sua equipe em outubro passado, enterrada sob os campos pelos que agora estamos passando — o lugar é citado, por exemplo, na antiga lenda de Édipo, o rei mítico de Tebas que matou seu pai e se casou com sua mãe sem querer.
Segundo os mitos, a cidade foi fundada pelos troianos por volta de 1100 AC e construída por prisioneiros de guerra. Eles escolheram esse local porque ficava na estrada entre Corinto e o antigo povoado de Micenas.
Dizem que Édipo foi criado ali. E era uma das maiores e mais prósperas cidades da antiga região de Coríntia, no norte do Peloponeso.
Até agora, porém, ninguém tinha conseguido descobrir exatamente onde ficava — ou por que desapareceu.
Início por acaso
A busca por Tenea começou em 1984. Korka tinha apenas cinco anos de carreira quando recebeu uma ligação de alguns moradores locais que cavavam um canal de água.
Eles atingiram um sarcófago antigo e o partiram ao meio. Korka foi olhar. "No minuto em que vi, entendi que era algo único", disse ela. "Às vezes, uma descoberta se conecta com você. É quase espiritual."
O caixão em forma de vaso tinha delicadas pinturas de leões no interior e continha um esqueleto e oferendas ao falecido. "Não havia outro com desenhos assim", explicou.
"Também não sabemos como eram as pinturas antigas. Não temos outra amostra do período arcaico."
Korka sabia que Tenea teria ficado naquela área, com base nos escritos de historiadores antigos, que afirmavam que ela estava em algum lugar entre Corinto e Micenas.
Mas a tenra idade, a inexperiência e a falta de mais evidências impossibilitaram a obtenção de uma licença para escavação.
"Eu não tinha a confiança ou a capacidade de argumentar por que isso era tão importante. Era mais uma intuição", disse ela.
Contrabando e escavações
Contrabandistas de antiguidades obtidas de modo ilícito, no entanto, conheciam o local havia anos e frequentemente pagavam aos agricultores locais pelos vasos e moedas que encontravam.
Em 2010, Korka trabalhou ao lado da polícia e informantes para interceptar a venda ilegal de duas estátuas que haviam sido saqueadas nas proximidades.
"O alto nível da arte das estátuas provou que Tenea era uma cidade muito importante", disse. Ela finalmente obteve permissão para cavar na área e, em 2013, a escavação começou.
Paramos na aldeia vizinha de Chiliomodi para tomar um café e comer doces.
As casas mais antigas aqui foram construídas cerca de 200 anos atrás, e Korka explicou que muitas delas usavam rochas antigas, provavelmente das ruínas de Tenea, que estavam por ali.
A igreja local tem uma escultura do deus grego antigo de vinificação e teatro, Dionísio, embutida na parede. "Achamos que fazia parte de um teatro antigo, que ainda estamos procurando", disse ela.
Chiliomodi é um lugar bonito e pacífico, praticamente intocado pelo turismo. A descoberta da cidade antiga nas proximidades trouxe energia e emoção à comunidade.
Na padaria, notei garrafas de azeite local com os dizeres "Tenea" nos rótulos, e há uma loja com o mesmo nome nas proximidades.
Korka e seus colegas Konstantinos Lagos e Antonio Corso, que estavam dirigindo conosco, disseram-me que o projeto não foi exatamente como planejavam.
"Tínhamos uma equipe pequena e muito pouco financiamento", disseram eles.
Um levantamento geofísico da área foi realizado. Mas quando começaram a cavar, não encontraram nada.
"Então, voltamos ao local onde o primeiro sarcófago foi encontrado", disse ela. "Nas proximidades, encontramos cerca de 40 outros... eles continuavam saindo do chão um após o outro. Era como [o conto popular de] Ali Babá."
Moedas de ouro para os mortos
Em seguida, eles descobriram parte de uma estrada antiga, que levou a equipe a um mausoléu romano construído por volta de 100 aC, no qual várias gerações de uma família foram enterradas, além de uma cisterna que teria sido usada para rituais e sacrifícios.
"Sabíamos que isso estava do lado de fora da cidade, então decidimos cavar para o norte." Em outubro passado, casas foram descobertas e a equipe percebeu que finalmente havia encontrado a cidade em si.
"A maioria das descobertas no nível da superfície já foi tomada por saqueadores", disse Lagos. "Mas a maior parte da cidade está de 2 a 3 metros abaixo do solo."
Paramos em uma casa em Chiliomodi que está sendo usada como centro de conservação. A equipe escava durante setembro e outubro e passa o restante do tempo analisando artefatos e estudando textos históricos.
Lagos me disse que muitas moedas foram encontradas, provando que Tenea era um lugar muito rico.
"Encontramos cerca de 200 — você normalmente só obtém esse tipo de número após muitos anos de escavações", disse. Ela me mostrou moedas de imitação de folhas de ouro que teriam sido enterradas com o falecido como pagamento para o barqueiro na travessia para o além.
"A maioria das pessoas [na época] era enterrada com moedas de baixo valor", disse ele. "Mas em Tenea eles usavam ouro."
Outras descobertas incluem vasos pintados com requinte, lanternas e ferramentas de metal usadas pelos atletas (para retirar o óleo com o qual limpavam o corpo), levando a equipe a acreditar que há um estádio que ainda não encontraram.
"Quase tudo em Tenea é único", disse Korka.
Isso confirma o que a equipe sabia sobre a sociedade a partir de textos históricos. "As pessoas aqui eram diferentes — eram troianas. Tinham sua própria identidade", disse Korka.
Além de ser de um lugar diferente — a cidade de Tróia estava localizada em um território que hoje pertence à Turquia, a cerca de 600 quilômetros —, os achados até agora mostram que eles usavam estilos diferentes de cerâmica e tinham uma tradição funerária diferente daqueles que moravam nas proximidades de Corinto e Micenas, como colocar a moeda no baú e não na boca, como era comum em outros lugares da Grécia antiga.
Mas um dos maiores mistérios que cercam Tenea é o motivo pelo qual desapareceu. A maioria das outras grandes cidades gregas antigas, como Esparta, Atenas e Corinto, permanece habitada até hoje. Era incomum uma cidade tão grande quanto Tenea — provavelmente com cerca de 100.000 habitantes — ser completamente abandonada, e nenhum texto histórico dá uma pista da razão.
Invasões bárbaras
Voltamos para o carro e seguimos em direção às montanhas, quando Lagos começou a explicar a teoria da equipe.
"Sabemos que Alaric, que era o rei dos visigodos, invadiu a Grécia em 397 dC", disse ele.
Os historiadores acreditam que ele destruiu cidades em parte para saquear riqueza, mas também para espalhar o cristianismo.
"Descobrimos uma moeda que foi cunhada pelo povo de Alaric. Também encontramos uma casa que havia sido destruída por uma bala de canhão por volta daquele ano."
No entanto, esse não foi o fim da história para Tenea.
"Encontramos evidências de habitação 200 anos depois, mas parece que Tenea havia perdido muito de sua riqueza", continuou ele, explicando que as descobertas desse período não eram tão grandes ou valiosas quanto as anteriores. "Mas depois disso, não há mais nada."
O carro subiu por uma estrada sinuosa, dando-nos vistas espetaculares sobre as montanhas e a planície sob a qual Tenea repousa. Paramos em um belo mosteiro da era bizantina em ruínas.
"Sabemos que os eslavos invadiram esta área nessa época. Acreditamos que o povo de Tenea abandonou a cidade e fugiu para essas colinas aqui", disse ele, gesticulando ao nosso redor.
Sabe-se que as tribos eslavas invadiram a área e se chocaram violentamente com as comunidades locais.
Parece que os moradores de Tenea consideraram as colinas mais seguras. Havia muitos riachos em torno da cidade, que cobriram a cidade de um lodo que acabou virando terra e encobrindo tudo.
A descoberta de Tenea já respondeu a muitos mistérios, como onde a cidade estava localizada e talvez por que ela foi abandonada. Mas para a equipe, o mais emocionante é o que ainda pode está por vir.
Eles esperam encontrar mais casas, templos, um teatro e um mercado nos próximos anos.
"É como um iceberg e estamos apenas vendo a ponta", disse Lagos. "A cidade continuará apresentando descobertas interessantes pelos próximos 100 anos".
Unearthed é uma série da BBC Travel que pesquisa o mundo em busca de maravilhas arqueológicas recém-descobertas que poucas pessoas já viram.
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