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A história do negativo mais antigo que existe e o 'momento perfeito' que ele registra

10 fev 2017 - 12h48
(atualizado às 13h12)
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William Henry Fox Talbot preservou para sempre a imagem da janela de sua residência, a Abadia de Lacock, em Wiltshire, na Inglaterra, no mais antigo negativo fotográfico de que se tem notícia, criado em 1835.

Imagem atual da Abadia de Lacock, em Wiltshire, Inglaterra. Construção foi cenário de filmes como Harry Potter e a pedra filosofal, Orgulho e preconceito, Emma, Moll Flanders e A Outra
Imagem atual da Abadia de Lacock, em Wiltshire, Inglaterra. Construção foi cenário de filmes como Harry Potter e a pedra filosofal, Orgulho e preconceito, Emma, Moll Flanders e A Outra
Foto: Jürgen Matern

A abadia era o lar de sua família desde 1574, herdado de pai a filho, século após século.

William Henry Fox Talbot nasceu em 1800 numa família aristocrática. Diz-se que quando o rei Carlos II voltou à Inglaterra para a restauração da monarquia, seu antepassado John Talbot foi a primeira pessoa que o recebeu.

Porém, antes de nascer, o pai de Fox Talbot acumulara uma enorme dívida, o equivalente hoje a cerca de US$4 milhões (R$12,4 milhões). Além disso, Talbot perdeu o pai quando tinha apenas 5 meses.

Sua mãe, Lady Elisabeth, viúva aos 27 anos, tinha apenas uma opção diante da pressão dos credores: alugar a casa e ir embora. Ela e seu filho passaram os 25 anos seguintes mudando-se de casa em casa, vivendo em mansões de amigos e familiares.

Conversa no jardim da Abadia de Lacock
Conversa no jardim da Abadia de Lacock
Foto: Getty Images

A importância do duradouro

A ameaça que pairava sobre sua própria casa, que poderia ser perdida a qualquer momento, impactou fortemente Fox Talbot.

O jovem certamente tinha interesse na permanência. Quando começou a escrever cartas no internato de Harrow, aos 8 anos, expressou um desejo muito específico: "Diga a mamãe e a todos que guardem as cartas, não as queimem".

O inglês guardava tudo: ainda se conservam seus cadernos, cartas e anotações. Graças a isso que sabemos que, aos 11 anos, ele já escrevia a sua mãe em francês, salpicado de latim e grego.

William Henry Fox Talbot (à direita), em seu estúdio, que foi o primeiro estabelecimento comercial de impressão de fotografias. Foi fundado com seu ajudante de câmera, o holandês Nicholaas Henneman (1813-1898).
William Henry Fox Talbot (à direita), em seu estúdio, que foi o primeiro estabelecimento comercial de impressão de fotografias. Foi fundado com seu ajudante de câmera, o holandês Nicholaas Henneman (1813-1898).
Foto: William Henry Fox Talbot

E também era curioso. Durante seus anos no internato, ele convenceu um ferreiro da cidade de Harrow a deixá-lo fazer experiências químicas em sua oficina.

Na Universidade de Cambridge, continuou desenvolvendo seu interesse por diferentes áreas. Ganhou uma medalha em estudos clássicos e um prêmio por seus versos gregos, enquanto se dedicava a aprender matemática e ciência.

Quando se graduou, a Abadia de Lacock continuava alugada. E Talbot foi viajar.

Primeiro negativo do mundo registra janelas da abadia em 1835
Primeiro negativo do mundo registra janelas da abadia em 1835
Foto: William Henry Fox Talbot

Em 1828, a família recuperou a casa. Dois anos depois, Fox Talbot se casou com uma mulher chamada Constance; e em mais dois anos, eles tiveram sua primeira filha, Ela, em memória à condessa que fundou a Abadia de Lacock, em 1232.

Quando sua vida tinha finalmente endereço fixo, Fox Talbot começou a pesquisar como tornar a luz efêmera em imagem permanente.

Não era a única pessoa em busca desse feito. Na Europa e nos Estado Unidos, vários se esforçavam em encontrar uma mistura química apropriada que reagiria com a luz para capturar imagens e firmá-las em papel ou vidro.

Fox Talbot tinha feito experimentos com a câmera escura, mas não estava satisfeito.
Fox Talbot tinha feito experimentos com a câmera escura, mas não estava satisfeito.
Foto: Getty Images

Sabia-se que a luz produzia um efeito em certas tintas e produtos químicos - as cores do papel de parede perdiam sua intensidade nos lugares expostos à luz, um contraste que se notava ao mover um móvel de lugar.

Só que era preciso um pigmento que reagisse de forma muito precisa e que deixasse de reagir quando necessário.

Experimentos químicos

Fox Talbot fez experimentos com a câmera escura, um equipamento que refletia uma imagem do mundo real num papel branco.

Mas essas imagens não eram fixas, mudavam constantemente, tanto que ele as chamou de: "imagens de fadas, criações de um momento destinadas a desaparecer com a mesma rapidez".

Fox Talbot, que foi a criança que não queria que suas cartas fossem queimadas, que recuperou a casa da família e que finalmente alcançou estabilidade, tratou de usar os produtos químicos para fazer com a imagem o mesmo que com sua vida: fixá-la.

Por experiências passadas, ele sabia que o nitrato de prata era "uma substância peculiarmente sensível à ação da luz", de modo que ele cobriu um papel com o produto e o expôs à luz do sol. Não funcionou.

Ele tentou com cloreto de prata; com uma solução salina; mudou as proporções; usou tudo numa ordem diferente... Notou que as bordas do papel escureciam mais rapidamente.

"Suponho que as bordas absorvam uma quantidade menor de sal, e por alguma razão isto as fez mais sensíveis à luz".

Quando era um bebê, William Henry Fox Talbot precisou ir embora de sua casa.
Quando era um bebê, William Henry Fox Talbot precisou ir embora de sua casa.
Foto: Getty Images

Ele tinha razão: o sal evitava que o papel escurecesse, assim, o usou como fixador. Banhou o papel sensível à luz em água salgada para evitar que a imagem escurecesse mais do que o desejado.

Fixação da imagem em negativo

O problema com um papel que escurece quando recebe luz é que as partes mais brilhantes do mundo real são negras no papel, e vice-versa. Fox Talbot chamou esta imagem ao contrário de "negativo".

E chegou a uma solução engenhosa: "se o papel é transparente, o primeiro desenho serve para produzir um segundo desenho em que as luzes e sombras estarão ao contrário".

Talbot percebeu que a luz atravessava o "negativo" e se fixava num papel sensível à luz, formando a imagem com luzes e sombras no lugar correto.

Além disso, os negativos podiam ser usados mais de uma vez para criar cópias do mesmo momento.

Com mais cópias, mais difícil seria destruir no futuro o momento captado do passado - um conceito poderoso para alguém que havia crescido com o temor de perder o lar que há séculos pertenceu a sua família.

Então, em 1835, Talbot chegou ao que hoje é o mais antigo negativo do mundo: uma fotografia de uma das janelas da Abadia de Lacock numa tarde de verão, que poderia ser replicada para sempre.

Janela de treliça (com a câmera escura). Agosto de 1835. Quando foi feita, os quadrados de vidro, uns 200 em número, podiam ser contados com a ajuda de uma lente.
Janela de treliça (com a câmera escura). Agosto de 1835. Quando foi feita, os quadrados de vidro, uns 200 em número, podiam ser contados com a ajuda de uma lente.
Foto: William Henry Fox Talbot

O desejo de Talbot de se agarrar ao passado não era incomum. A rápida reprodução de fotografias foi um êxito instantâneo.

E 175 anos depois que Fox Talbot inventou o processo negativo/positivo, continuamos obcecados com a capacidade de registrar, reproduzir e difundir fotografias.

Continuamos obcecados, 175 anos depois, com a capacidade de registrar, reproduzir e difundir fotografias.
Continuamos obcecados, 175 anos depois, com a capacidade de registrar, reproduzir e difundir fotografias.
Foto: Thinkstock

Este artigo é uma adaptação de um episódio da série BBC Histórias da Ciência.

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Conheça a história da selfie:
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