A trágica história de Lizzie Siddal, a grande supermodelo da arte
Musa de pintores britânicos do século 19, a artista viraria uma espécie de ícone gótico depois de uma sequência de episódios mórbidos após sua morte.
No inverno entre 1849 e 1850, os artistas Dante Gabriel Rossetti e William Holman Hunt pintavam juntos, quando o amigo Walter Howell Deverell apareceu no estúdio.
"Vocês não vão acreditar na criatura maravilhosa que encontrei...", ele disse, animado. "Ela é como uma rainha, magnificamente alta."
Com essas palavras, a beleza singular de Elizabeth Siddal entrou para o mundo das artes.
Deverell era membro de um grupo de artistas e escritores — homens e mulheres — que orbitavam em torno da recém-criada Irmandade Pré-Rafaelita, fundada em 1848 por Rossetti, Holman Hunt e John Everett Millais, na época estudantes da Academia Real Inglesa.
Quando Deverell apareceu no estúdio dos amigos, Siddal trabalhava em uma chapelaria próxima a Leicester Square, na zona central de Londres. A jornada de trabalho era longa, e sua família se preocupava com sua já debilitada saúde.
Talvez por isso a mãe da jovem tenha permitido que ela trabalhasse como modelo para os pintores — atividade vista na época como desonrosa e, às vezes, até como sinônimo de prostituição.
Mas não foi Deverell que abordou a mãe de Lizzie. Ele mandou sua própria mãe, em uma grande carruagem, para fazer o pedido e discutir os detalhes. A estratégia para impressionar deu certo.
Siddal passou a trabalhar meio período como modelo.
Depois de Deverell tê-la pintado como Viola em Twelfth Night (inspirado na peça homônima de Shakespeare, conhecida em português como Noite de Reis), Holman Hunt a retratou em 1850 em A Converted British Family Sheltering a Christian Priest from the Persecution of the Druids ("Uma Família Britânica Convertida Protege um Missionário Cristão da Perseguição aos Druídas", em tradução livre) e posteriormente como Sylvia em Valentine Rescuing Sylvia from Proteus (que retrata uma cena de outra peça de Shakespeare, Os Dois Cavalheiros de Verona).
Ela posou para Rossetti pela primeira vez em 1850, para a obra Rossovestita.
O artista a desenharia "milhares de vezes" durante a carreira, segundo um de seus mecenas, John Ruskin.
Se hoje o tipo esguio, esbelto, e o cabelo avermelhado de Lizzie Siddal se encaixam nos padrões de beleza, nos anos 1850 a magreza não era considerada atraente. Os cabelos ruivos, por sua vez, chegaram a ser descritos por uma jornalista da época como "suicídio social".
O trabalho como modelo da britânica e o sucesso dos quadros em que ela aparece contribuíram para mudar essa visão.
Dois anos depois de começar a trabalhar no estúdio, Siddal já conseguia ganhar o suficiente para largar o emprego na chapelaria.
A fama veio quando seu rosto estampou Ophelia (1851-1852), de John Everett Millais.
Ela passou a receber convites de diversos artistas, mas Rossetti, com quem a essa altura ela tinha se envolvido amorosamente, pediu que ela posasse apenas para ele. Há registros de que o pintor Charles Allston Collins, por exemplo, teria tentado contratá-la, desistindo depois de receber uma "fria recusa".
A vida de casal não era fácil: Siddal era viciada em láudano, uma droga à base de ópio, e Rossetti era sabidamente infiel.
Eles foram noivos por dez anos, aparentemente porque o pintor não conseguia marcar uma data para o casamento.
A carreira de artista começou em 1854, quando Rossetti começou a dar-lhe aulas.
Os críticos escarneceram de seus primeiros trabalhos, mas Ruskin, que era mecenas para vários de seus contemporâneos, viu algo de "genial" na pintora e ofereceu um salário de anual de 150 libras para que ela pudesse se dedicar exclusivamente à pintura.
Era seis vezes mais do que ela ganhava na chapelaria, cerca de 24 libras por ano.
Em 1857, Siddal foi a única mulher a expor na mostra Pré-Rafaelita em Londres. Um de seus trabalhos, Clerk Saunders (1857), foi adquirido por um colecionador americano influente, Charles Eliot Norton.
Pouco tempo depois, vendo a saúde e o relacionamento se deteriorarem, decidiu desligar-se de Ruskin e afastar-se de Rossetti.
Com as economias, viajou com uma das irmãs à cidade de Matlock, em Derbyshire. De lá, partiu para Sheffield, a cidade natal do pai, e, determinada a construir uma carreira por conta própria, se inscreveu na escola de artes local, a Sheffield School of Art.
Rossetti chegou a visitá-la algumas vezes, mas as cartas de amigos vindas de Londres alertaram sobre seus casos com outras mulheres, e o relacionamento dos dois parecia ter acabado definitivamente em 1858.
Em 1860, entretanto, Siddal ficou muito doente. Sua família entrou em contato com Ruskin, que, por sua vez, informou Rossetti. O pintor viajou imediatamente para Hastings, onde ela passava por tratamento. Quando ela deu os primeiros sinais de melhora, eles se casaram.
O começo do fim
Os dois viveram uma longa lua de mel em Paris, de onde voltaram com dois cachorros, que haviam recolhido das ruas da capital francesa.
Siddal descobriu que estava grávida. Essa foi a época em que Rossetti a pintou no melancólico Regina Cordium (1860).
No dia 2 de maio de 1861, ela entrou em trabalho de parto — a bebê, contudo, nasceria morta.
Siddal entrou em um ciclo depressivo do qual nunca se recuperaria. O casamento começou a se desgastar e, em determinado momento, a jovem estava certa de que o marido a estava traindo novamente — apesar das negativas dos amigos.
Na noite de 10 de fevereiro de 1862, o casal saiu para jantar com o poeta Algernon Charles Swinburne. Quando voltaram, Rossetti saiu para dar aula na Working Men's College, um centro para a educação de adultos.
Antes de sair, viu Lizzie deitar e tomar sua dose costumeira de láudano. Ao retornar, deparou-se com o frasco vazio e um bilhete. Sem conseguir acordar a esposa, gritou para a proprietária do imóvel pedindo que chamasse um médico o mais rápido possível.
Quatro médicos tentaram reanimá-la, sem sucesso. Lizzie Rossetti morreu nas primeiras horas do dia 11 de fevereiro de 1862. Ela estava grávida novamente.
Aconselhado pelo amigo Ford Madox Brown, Rossetti queimou a carta de suicídio da esposa. Ela não poderia ter um enterro cristão se fosse considerada suicida.
Sua história, entretanto, não acaba com sua morte. Eventos posteriores ao sucídio a transformaram em uma espécie de ícone gótico.
Rossetti havia enterrado com a esposa as únicas cópias dos poemas que ela escrevera. Sete anos depois, mudou de ideia e decidiu recuperá-los.
Secretamente, em uma noite de outono de 1869, o caixão de Lizzie Siddal foi desenterrado do cemitério de Highgate, em Londres. Rossetti, a essa altura considerado "louco" por alguns de seus conhecidos, não estava presente. Toda a operação foi planejada por seu agente, Charles Augustus Howell, conhecido por ser um extravagante contador de histórias.
Nesse caso, ele não deixou de fazer jus à fama. Contou ao amigo que o corpo da esposa estava perfeitamente preservado. Ela não era um esqueleto, ele disse, mas continuava tão linda quanto havia sido em vida. O cabelo havia crescido e inundava o caixão com um brilho acobreado que reluzia como o fogo.
Da história fantasiosa surgiu o mito de que a beleza da modelo havia permanecido intocada mesmo após a morte de Lizzie — o que leva algumas pessoas a acreditarem, até hoje, que ela estaria viva.
A artista morreu aos 32 anos, mas seu legado permanece até hoje, inclusive através de seus poemas, imensamente aclamados quando foram publicados — a história sobre como eles voltaram a ver a luz do dia, entretanto, foi mantida segredo por muito tempo.
*Lucinda Hawksley é autora de "Lizzie Siddal, The Tragedy of a Pre-Raphaelite Supermodel" (Lizze Siddal, A Tragédia de uma Supermodelo Pré-Rafaelita, em tradução livre), publicada pela editora Andre Deutsch.
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Culture.