Arte e ativismo refletem em trabalhos na SP-Arte 2021
Manifestos sobre a masculinidade e representações de corpos negros estão entre os temas abordados
Enquanto por muito tempo o mundo das artes foi dominado pela normatividade branca, masculina e heterossexual, uma mudança de paradigma vem trazendo a ocupação desses espaços por artistas há tanto marginalizados e excluídos da cena mainstream do circuito cultural.
De Hélio Oiticica, homossexual e produtor de uma obra carregada de forte conotação política contra o autoritarismo a produções contemporâneas, a SP-Arte 2021 abre alas para outras vozes, corpos e experiências.
É o caso do artista plástico mineiro Gustavo Nonato, de 27 anos, que expõe na Portas Vilaseca Galeria um projeto solo norteado pelo Orixá Exu e sua espiritualidade pessoal. “Falta mudar a estrutura dos espaços institucionais de dentro para fora. Precisa haver pessoas pretas, artistas pretos como eu para trazer histórias que são resgates muito importantes. A arte preta vem para curar, estamos falando de nossa religiosidade”, conta o artista.
Gustavo afirma que o racismo religioso no Brasil é muito cruel, como no caso de Exu, Orixá representado em parte de suas obras. Para o artista, a oportunidade de ocupar um espaço como a SP-Arte como artista negro é um passo importante, mas ainda há muito mais a ser feito.
Na Galeria Verve, o artista visual de 36 anos, Francisco Hurtz traz um trabalho sobre a crise do masculino e o esporte como forma de falar sobre a democracia. O artista traça um paralelo com o jogo de poder e o “ganhar e perder” do esporte e do processo democrático, através de representações do corpo masculino.
“Acredito que a ascensão do fascismo, do nacionalismo e da extrema-direita seja resultado direto da crise do masculino. O masculino é muito sobre pertencer a um grupo e apontar a outro como perdedor. Como não se pode mais apontar o dedo para um gay, uma travesti, para um preto, uma mulher, sem ser imediatamente rechaçado, o homem branco e hétero busca num passado imaginário um lugar onde ‘homem era homem, mulher era mulher, preto era preto’ e assim vai, porque isso de certa forma conforta essas pessoas”, reflete Francisco Hurtz.
Como representante da arte Queer, ele põe o dedo na ferida na noção tradicional de masculinidade e promove reflexões acerca dessa crise de representatividade.
Quem visitar a SP-Arte, que vai até domingo (24), de certo irá se deparar com uma representatividade plural de corpos, poéticas e experiências. A mudança de paradigma, mesmo que sutil e gradual, vem ganhando corpo na contemporaneidade e, espera-se, tende a crescer ainda mais em espaços antes dominados por grupos elitizados.