'Bela Vingança': A realidade perturbadora retratada no filme indicado a 5 oscars
Filme é uma reviravolta sombria e distorcida na 'cultura' dos encontros sexuais casuais.
Toda semana, Cassie Thomas, de 29 anos, vai sozinha a uma boate e finge estar bêbada.
E faz um trabalho convincente: se mostra incapaz de se manter em pé, com o olhar desfocado e a fala arrastada. Geralmente não demora muito para que um homem aparentemente gentil surja e se ofereça para ajudá-la a voltar para casa.
Na maioria das vezes, eles esperam fazer sexo, mesmo quando ela diz que não se sente bem ou que quer dormir.
Mas, quando começam a tirar as roupas dela, o plano falha.
De repente, o olhar de Cassie se concentra e seu tom de voz se torna mortal. "O que você está fazendo?", ela pergunta a eles.
Ela não está bêbada, e o caçador está prestes a se tornar a caça.
Essa é a premissa de Promising Young Woman (com título em português de "Bela Vingança"), o filme estrelado por Carey Mulligan e dirigido por Emerald Fennell que recebeu cinco indicações ao Oscar. A premiação ocorrerá no próximo domingo, 25 de abril.
'Cultura hook-up'
Fennell, que foi produtora e roteirista de alguns capítulos da série Killing Eve e interpreta Camilla Parker Bowles (agora a Duquesa da Cornualha) na série The Crown, foi inspirada por suas próprias experiências ao ver como alguns homens se aproveitavam de mulheres bêbadas.
"É uma grande parte da cultura do hook-up (encontros casuais), infelizmente", disse Fennell em entrevista à BBC News. "Dormir com garotas muito bêbadas ainda não é repudiado o suficiente. Era absolutamente comum quando eu era jovem e acho que provavelmente ainda é na maioria dos lugares."
"Espero que (a situação) esteja melhorando. Ainda acho que muitas pessoas não pensaram muito nas coisas que discutimos neste filme, ou não pensaram nesse tipo de coerção branda que geralmente vemos", diz a diretora.
Ouvindo a premissa e assistindo ao trailer, seria fácil pensar que Bela Vingaça é uma crítica feminista que injustamente coloca todos os homens no mesmo saco.
Mas é um pouco mais complexo do que isso.
Cassie não se apresenta como moralmente superior e muitas de suas ações são reprováveis.
Além disso, há várias personagens femininas no filme que também enfrentam a ira de Cassie por seu próprio comportamento questionável.
Seja o reitor da universidade que não investigou adequadamente uma acusação de agressão ou o amigo de uma vítima de estupro que faz vista grossa.
Em graus variados, existem vários personagens, de ambos os sexos, que são cúmplices.
"Há muitas pessoas, muitas mulheres também, incluindo eu, que às vezes não se comportam da maneira que deveriam. Que não oferecem apoio suficiente ou não levam as coisas a sério o suficiente", diz Fennell.
"Para muitos homens, eu acho que (o filme) foi profundamente desconfortável, porque eles perceberam que talvez tenha havido momentos em que eles não tiveram empatia suficiente para pensar sobre o que a outra pessoa poderia estar vivendo", diz ela.
"Não acho que seja uma crítica aos homens. É uma crítica à cultura em que todos nós crescemos, que tende a ficar mais do lado dos homens do que das mulheres", acrescenta.
Críticas
Bela Vingança teve sua estreia marcada para 2020, logo após sua apresentação no Festival de Cinema de Sundance, em janeiro, mas foi adiada devido à pandemia.
Entretanto, as primeiras críticas que recebeu foram amplamente positivas.
"Dramaticamente, o filme é apresentado de forma tão clara e ousada que seus golpes narrativos são geniais", escreveu Todd McCarthy no The Hollywood Reporter.
Mas nem todo mundo acha que o filme é um sucesso.
"É misantropia embalada como um manifesto feminista, inteligente mas não inteligente, cínico sem ser perceptivo ou particularmente apaixonado", disse Stephanie Zacharek na revista Time. "As mulheres estão com raiva por um bom motivo. Elas merecem filmes melhores do que este."
Mulligan, que alcançou a fama no final dos anos 2000 após estrelar o filme An Education, diz que foi atraída pela complexidade da personagem de Cassie.
"O desafio e a diversão para mim são encontrar papéis com os quais não sei o que fazer e com os quais me sinto intimidada", disse ela. "Quanto mais fora da minha zona de conforto, mais me divirto."
"E este definitivamente parecia isso, eu não poderia ter sonhado com esse papel. Ele tinha tanta profundidade e tanta história, mas havia algo urgente no que (Cassie) estava fazendo. Ela está presa, mas também se movendo, então muitas coisas estavam acontecendo, e eu aceitei com entusiasmo."
Temporada de prêmios
Quando conversamos em meados de janeiro, ficou claro que Fennell teria um grande impulso na temporada de premiações.
Ela diz que está muito satisfeita por simplesmente estar na agenda.
"Basicamente, você está falando com alguém que se sente a vencedora de uma competição, apenas por ter sido mencionada. Conhecer esses outros diretores é muito impressionante para mim e parece completamente surreal", diz ela.
"É emocionante que, em um ano tão terrível e estranho, tenham acontecido tantas coisas boas. O fato de que também há tanta diversidade e tantas mulheres fazendo coisas, é realmente emocionante. Parece que há uma corrida por novidade, por coisas emocionantes que você não tenha visto antes, mesmo na TV: Normal People, I May Destroy You, Bridgerton, 'Gambito da Rainha'. Que ano para as histórias", disse ela.
Logo após a entrevista, Fennell foi indicada ao prêmio de melhor diretora no Globo de Ouro, ao lado de Regina King (por Uma Noite em Miami) e Chloé Zhao (por Nomadland).
Foi a primeira vez que três mulheres foram indicadas na categoria.
Em meados de março, Fennell e Zhao foram indicadas ao Oscar.
Grande pergunta
Mas, deixando de lado as suntuosas cerimônias de premiação, será difícil determinar o impacto que o filme terá.
Bela Vingança não alcançará todas as pessoas do planeta que precisam assisti-lo, o que levanta a questão: como a sociedade mudará seu comportamento?
"A verdade é que é uma pergunta muito maior do que eu ou qualquer pessoa possa responder", diz Fennell. "Mas se essa história é uma fábula, você só pode receber perdão e se redimir se reconhecer o que fez."
"Muitas vezes você se desculpa quando se trata desse tipo de coisa, faz uma mea culpa e não assume a responsabilidade. E tudo que Cassie está procurando é uma pessoa que diga que 'isso é profundamente errado, e você está certo em ficar com raiva e que isso não deveria ter acontecido', mas ninguém quer, porque ninguém quer admitir que fizeram parte de algo tão terrível ", diz ela.