Como assistiremos a filmes daqui a 20 anos?
As tecnologias de realidade virtual e realidade aumentada expandirão o alcance do filme tradicional, dizem especialistas; espectadores poderão escolher entre assistir a momentos e depois vivenciá-los.
Durante décadas, a realidade virtual (VR, da sigla em inglês) foi profetizada como o futuro do cinema, capaz de oferecer experiências infinitamente mais imersivas do que o cinema e a televisão tradicionais.
Em um ensaio escrito em 1955, intitulado "O Cinema do Futuro", o diretor de fotografia Morton Heilig previu que o cinema avançaria ao ponto de poder "revelar o novo mundo científico ao homem em plena vivacidade sensitiva e vitalidade dinâmica de sua consciência".
Heilig delineou muitas das propriedades da realidade virtual - mas não usou essas palavras, dado que elas ainda não haviam sido inventadas.
Agora, como diz o ditado, o futuro chegou - embora o cinema tenha um longo caminho a percorrer antes de incorporar a tecnologia alucinante popularizada em filmes e programas de TV como O Passageiro do Futuro e Star Trek. Com muitos cineastas trocando câmeras tradicionais por câmeras 360 (que capturam vistas de todos os ângulos), o momento atual é comparável aos primeiros anos intensamente experimentais dos filmes no final do século 19 e início do século 20.
Em resumo: estamos nos estágios iniciais de uma nova revolução cinematográfica.
Uma série de tecnologias em rápido desenvolvimento oferece um potencial incrível para o futuro dos filmes - como a ascensão da realidade aumentada (AR, da sigla em inglês), inteligência artificial e a capacidade cada vez maior de computadores de criar mundos digitais detalhados.
Como serão os filmes daqui a 20 anos? E como as histórias cinematográficas do futuro diferem das experiências disponíveis hoje?
Experiência pessoal
De acordo com o guru da realidade virtual e artista Chris Milk, os filmes do futuro oferecerão experiências imersivas sob medida.
Eles serão capazes de "criar uma história em tempo real que é só para você, que satisfaça exclusivamente a você e o que você gosta ou não", diz ele à BBC Culture.
Milk prefere termos como "story living" (algo como vivendo a história, em inglês), ou seja, à nomenclatura padrão, como "storytelling" (contando a história, em inglês). Ele acredita que experiências cinematográficas evoluirão para sentirmos como se fossem algo "tão natural e real como um dia em sua vida, mas com as características surpreendentes do tipo de histórias excitantes" com as quais estamos acostumados que nos contem.
Milk deu uma palestra marcante em 2015, no evento TED, sobre o potencial artístico da realidade virtual. Ele acredita que os avanços na tecnologia de inteligência artificial permitirão que personagens criados por computador respondam ao público em tempo real.
Imagine uma versão muito mais avançada da Siri, a assistente virtual do Iphone da Apple - mas representada como um personagem dentro de uma experiência narrativa.
Milk reconhece que "a tecnologia ainda não existe totalmente" para um personagem de inteligência artificial que possa conversar e responder como se também fosse humano. Mas, afirma: "Não acho que estamos 20 anos distante disso".
Experiência volumétrica
A influente documentarista, jornalista e empresária Nonny de la Peña - que tem sido descrita como "a madrinha da realidade virtual" pelo jornal The Wall Street Journal - diz que a primeira palavra que vem à mente quando ela pensa sobre o futuro do meio é "volumétrica", promovendo uma comparação gritante com as telas bidimensionais de hoje.
No futuro, de acordo com de la Peña, a mídia plana ainda estará conosco, assim como o rádio. Mas não há como o cinema continuar plano.
"Em vez disso, teremos experiências volumétricas totalmente incorporadas, percorridas em escala de sala, porque as audiências mais jovens estão chegando e estão acostumadas a ter experiências incorporadas... Eles vão querer ter seus pontos de vista, educação e tudo mais de uma forma incorporada", fala.
Uma cópia virtual do mundo
Eugene Chung dirigiu o filme aclamado pela crítica Allumette, inspirado em A Pequena Vendedora de Fósforos, de Hans Christian Andersen. O filme foi descrito como uma "obra-prima" e o cineasta foi comparado ao pioneiro cineasta norte-americano DW Griffith.
Situado em uma cidade futurista flutuando nas nuvens, a produção usa a tecnologia chamada "seis graus de liberdade" (ou "6Dof"), que permite que os espectadores caminhem fisicamente pelo mundo. Chung acredita que no futuro a realidade vitual se tornará cada vez mais misturada com o AR Cloud, que é essencialmente uma cópia digital do mundo.
"Pense em uma versão sobrecarregada do Google Earth", diz ele, "onde você não está apenas tomando ruas, está copiando o mundo inteiro. Teremos isso misturado com uma tecnologia realmente sofistica de realidade virtual, que já é muito impressionante hoje."
Chung diz que no futuro haverá "histórias ao seu redor". Por exemplo, "você pode estar acordando e ao lado de sua cama pode estar uma mesa na qual você pode ter um personagem que goste. Há filmes que apontam para isso, como 'Her' (de Spike Jonze)."
Uma arte da consciência
Lynette Wallworth, vencedora do Emmy e diretora das experiências de realidade virtual Collisions e Awavena, diz que as experiências narrativas do futuro, por meio da realidade virtual, serão capazes de oferecer novas maneiras de explorar a diversidade neural.
"Teremos a capacidade de experimentar aspectos de como alguém com autismo, por exemplo, experimenta o mundo", diz ela. "Níveis de diferença podem ser revelados por meio dos sentidos em realidade virtual que não são possíveis em outras formas de arte."
Wallworth também prevê que as tecnologias de realidade virtual e realidade aumentada expandirão o alcance do filme tradicional, em parte por meio de óculos ou equipamentos que permitirão aos espectadores alternarem entre assistir a momentos e depois experimentá-los imersivamente.
"Se você pensar sobre isso em relação a assistir à Mad Max: Estrada da Fúria, de George Miller, por exemplo, você pode ver o filme tradicional com óculos de VR que permitem ver a tela do cinema e alternar os modos", diz. "Então você agora está sentado ao lado de Furiosa na cabine de seu caminhão, enquanto ela dirige precipitadamente pela paisagem do deserto à toda velocidade."
Com a tecnologia de realidade virtual avançando a um ritmo acelerado, as possibilidades, para usar uma expressão clichê, são infinitas.
Descrevendo a realidade virtual como "perigosa" porque os cineastas que operam neste espaço exercem menos controle do que em experiências não interativas, Steven Spielberg advertiu em 2016 que o reino virtual "dá ao espectador muita latitude para não tomar a direção dos contadores de histórias, mas fazer suas próprias escolhas."
Muitos considerariam esse tipo de futuro - onde os espectadores terão a capacidade de moldar as narrativas que eles experimentam - como positivo, e não negativo.
Os espectadores que podem fazer suas próprias escolhas concordam com a previsão de Heilig de que "o cinema do futuro não será mais uma arte visual, mas uma arte da consciência". A diferença, talvez, entre "contar histórias" e "viver histórias".