Era real a 'ilha de playboys' de O Grande Gatsby?
Adaptação cinematográfica do romance de Scott Fitzgerald mostra festas luxuosas em enormes mansões, comuns em Long Island nos anos 1920
Os críticos ficaram divididos a respeito da versão do diretor Baz Luhrmann para O Grande Gatsby. Mas a adaptação é, de um modo geral, fiel ao romance de F. Scott Fitzgerald publicado em 1925. A história se passa principalmente em Long Island, um playground dos super ricos da América há 90 anos - ainda que, no romance, a ilha tenha uma geografia imaginária, criada por Fitzgerald.
Matt Meyran faz tours de barco por essa região há vários anos, aproveitando a fama que ela adquiriu com O Grande Gatsby. Agora, ele espera que o novo filme lhe traga mais clientes. Os tours saem de Port Washington, uma cidade atraente na costa norte de Long Island - a 45 minutos de Nova York pela Ferrovia de Long Island.
Até a Segunda Guerra Mundial, o local recebia hidroaviões que cruzavam o Atlântico. Hoje em dia, a forma de transporte mais "espetacular" da cidade é justamente o serviço de "táxi aquático" de Meyran, que leva turistas e moradores pelas águas da Baía de Manhasset, do Canal de Long Island.
Os visitantes aprendem sobre a impressionante riqueza do passado da costa norte de Long Island â conhecida como "Costa Dourada" â admirando áreas como Sands Point e Glen Cove. Tal riqueza chegou a seu auge no final do século 19, por causa de sua proximidade com Nova York e da disponibilidade de terrenos.
Quando Scott Fitzgerald escreveu seu romance, a área tinha quase 2 mil mansões, muitas com jardins amplos e bem cuidados. A vida nessas propriedades era opulenta. E seus donos estavam no topo da lista dos mais ricos do país: Guggenheim, Whitney, Vanderbilt.
As famílias em geral já tinham casas magníficas em Manhattan e iam para Long Island por temporadas ou para ter um fim de semana de verão longe das epidemias de doenças e dos protestos da cidade. Chegavam de iate do sul de Manhattan ou em limusines dirigidas por choferes - e até mesmo em trens privados.
Meyran diz que uma pequena indústria especializada na construção e manutenção de iates chegou a prosperar em Port Washington para atender à demanda desses endinheirados.
"O Canal de Long Island era onde os Buchanans do livro teriam morado - no 'East Egg' (como é chamado no livro o correspondente à área de Sands Point). Gatsby não era exatamente da classe deles."
Licença artística
Muitos já tentaram localizar em Long Island os lugares que correspondem aos cenários do clássico de Fitzgerald. Há alguns anos, por exemplo, a demolição de uma casa em estilo neocolonial à beira do mar gerou uma série de protestos.
A propriedade, chamada de Land's End, havia pertencido ao jornalista nova-iorquino (e grande organizador de festas nos anos 1920) Herbert Bayard Swope. E alguns dizem que ela teria inspirado a casa de Tom e Daisy Buchanan em O Grande Gatsby.
Na realidade, não há provas suficientes disso, de acordo com o historiador e arquiteto Gary Lawrance.
"É divertido especular qual foi o modelo para a casa de Daisy Buchanan ou de Gatsby. Mas Fitzgerald não estava escrevendo um guia de viagem: é preciso dar crédito a ele por sua criatividade."
Lawrence registrou imagens da maior parte das mansões da Costa Dourada para seu website Mansões da Era Dourada.
"Algumas centenas delas sobraram, mas poucas são propriedades privadas. Se sobreviveram, geralmente foram compradas por universidades ou se tornaram clubes de campo."
"Em parte, o que acabou com elas foi a introdução dos impostos federais sobre a renda em 1913 e a dificuldade crescente de manter empregados. Isso se tornou muito difícil, exceto para os riquíssimos", conta.
O historiador diz que, quando Fitzgerald escreveu Gatsby, aquele mundo já estava chegando ao fim. "A quebra da bolsa de Nova York, em 1929, fez o resto."
'Aspiração e fracasso'
Fitzgerald se mudou para Long Island em 1922 com sua mulher Zelda. Eles viveram no número 6 da Gateway Drive, na região de Great Neck, onde ele começou a escrever o livro. No romance, a região é chamada de "West Egg" (Ovo Oeste, em tradução livre) - e é onde vivem Gatsby e o narrador, Nick Carraway.
A casa que os Fitzgerald alugaram continua de pé. É uma casa grande, de dois andares, mas não poderia ser chamada de "mansão".
A escritora Judith Goldstein falou sobre o desenvolvimento do Great Neck. "Quando Fitzgerald foi para lá, (o lugar) era novo e conveniente para chegar da cidade."
"Ele atraía pessoas do teatro, jornalistas e aqueles que trabalhavam no que agora chamamos de indústrias criativas. Também era um lugar mais fácil de se viver se você era judeu", disse. "Mas Fitzgerald sempre foi inseguro socialmente e economicamente. Tenho certeza de que ele gostou de estar tão perto da Costa Dourada, um lugar onde nunca teve condições de viver."
"Os anos 1920 foram uma era de 'festas' e Fitzgerald podia frequentar as celebrações organizadas nessas casas enormes, que ele apreciava. Então, assim como Gatsby olha fixamente para a luz verde na doca da casa dos Buchanan, ansiando por Daisy, Fitzgerald deve ter olhado para o 'East Egg' e aspirado a uma posição social", afirma a escritora.
"Ele queria o privilégio fácil de pessoas que vivam, por exemplo, em Sands Point. Mas nunca conseguiu."
Para Goldstein, apesar de o romance falar sobre Long Island, Fitzgerald na realidade escreveu sobre a América em sua totalidade.
Segundo ela, o escritor "se preocupava com a dor da aspiração e a dor do fracasso. Ele invejava a vida de Gatsby, mas no livro Gatsby anseia por Daisy".
"Na vida real, Daisy Buchanan provavelmente teria aspirado fazer parte dos ricos realmente tradicionais de Long Island, que viviam mais para dentro na área da Baía de Oyster. Fitzgerald estava escrevendo sobre uma sociedade muito complexa", conclui Goldstein.