Hugo Porto faz de novo livro uma vacina para salvar o amor
Coletânea propõe questionamos e possíveis respostas a quem recorre aos sentimentos para entender melhor a si mesmo
Ninguém é apenas uma única pessoa. Cada um se multiplica em vários. E todos nós, estranhos uns aos outros, buscamos nos conhecer melhor e também decifrar o amor. Aliás, os amores. São igualmente diversos e variados na essência. Sentimentos complexos como o ser humano em si.
Essa conclusão se baseia no livro ‘Amor, e eu com isso?’, de Hugo Porto. O autor faz mais do que poesia: ele analisa, provoca, desconstrói, ironiza, filosofa e, acima de tudo, se comunica. Abre suas entranhas emocionais para estimular o leitor a fazer o mesmo. É um convite e, ao mesmo tempo, uma armadilha. Sedução com palavras suaves e, às vezes, duras.
Poemas postados em rede social (@hugo_porto) e textos reflexivos conduzem os olhos e as sensações, página a página, a um labirinto que propõe o autoconhecimento, o autoamor e a vivência efetiva (e afetiva) da coletividade. Ainda que corra em conexão com a realidade, a obra habita seu próprio universo – um passeio agradável, um respiro, delírio pandêmico.
O autor conversou com o blog por e-mail. Suas respostas com trechos de poemas transformam a entrevista em uma experiência literária e também psicanalítica.
Você poetiza mais sobre si mesmo ou em reflexo ao que vê no mundo?
Para abrir as respostas, trago um dos poemas que já responde de alguma forma:
Poesia sem sentido
Minha poesia é o registro do que sinto.
No que mudo, então, minto?
Penso, vivo, daí o infinito.
Poetizo tanto, seria vinho tinto?
Se o poema é o que senti,
Com o que fico?
Quando eu tento ressentir,
Farelos aos pintos?
E quando seria o poema,
Antes de ser?
No que transcrevesse o dilema,
Deixou de ser?
Poema sou eu?
Ou, melhor seria ser você?
Quem atribui sentido?
O que se lê?
Eu escrevo, essencialmente sobre o que vivo. Eu não creio que sejamos tão hábeis em segregar, com exatidão, o que sejamos, no meu caso “apenas eu”, ou o que é o “reflexo do mundo que vejo”. Acho que todos vemos o mundo de acordo com nós mesmos, até no que notamos o outro. É sempre um olhar subjetivo, cognitivo. Dito isto, como o poema adianta, não tem muito segredo: vivo, sinto, penso – está escrito. Seja porque vivo diretamente eu, seja porque vivo indiretamente através de quem partilho o Hugo que existo.
Os otimistas creem na expansão da empatia e da solidariedade em consequência da pandemia. Os pessimistas esperam a explosão da individualidade quando a vida ‘voltar ao normal’. Em qual lado está?
O que é indivíduo? O que é coletivo? Eu creio que os otimistas tendem a ser otimistas, já que estão do lado “mais palatável”, visto que positivo, da vida. Os pessimistas, por sua vez, não estão “errados”, pois se atêm ao que aprenderam a viver e, de alguma forma, a projetar. No poema intitulado “O papel do livro não importa”, a base do discurso e da campanha de “promoção” do meu livro novo, em determinado momento eu digo:
“(...)
A sua identidade é uma criação.
A sua mente: passado e futuro ela junta.
O presente é produto do que você entende.
Assim, esta leitura lhe possibilita:
Ser melhor autor daquilo que formula e reformula.
As nossas estórias de vida?
Nós mesmos nos contamos, ou acreditamos.
A proposta aqui é aprendizado.
A leitura melhora as nossas posturas.
Lembre-se: tudo sempre muda, não se iluda!
(...)”
Eu acredito que nós vamos viver aquilo que pudermos. Aquilo que nós nos permitirmos, humanos que somos. Creio e proponho, através do livro, trazer uma provocação de reflexão: aproximar as pessoas da possibilidade de ressignificação. Eu acredito que possamos tocar, ao sugerir, da forma mais honesta, lúdica, descontraída e facilitadora que consigamos, as pessoas no geral. O que acontecerá eu não sei, e não acho que seja coerente tentar projetar o meu viés sobre as pessoas. Mais inteligente é fazer a minha parte, colaborar com a humanidade que quero criar. Eu acredito que eu posso e devo propor que elas mesmas repensem as relações que vivem, os sistemas em que se encontram. Assim, racionalmente, terão uma visão que creio mais proativa e positiva, porque afetiva e instrumental. Cada um pode construir suas próprias percepções de vida, realidade e coletividade. Assim, claro, depois de refletir sistematicamente sobre si e a vida, escolher um lado mais humano e acolhedor, já que possível de ser percebido e sentido. Cada um construirá sua própria realidade, repito. O que eu espero é poder dar a minha contribuição para que ela seja mais linda, empática, acolhedora e, claro, substancialmente mais sabida!
Por que é tão difícil conciliar amor próprio e o amor romântico por outra pessoa?
Dada a complexidade da evolução textual necessária para dar uma resposta de acordo com a vastidão da pergunta, e porque (ainda mais que as outras questões anteriores) eu dedico boa parte da construção discursiva do livro a este tópico –discorrendo sobre análises e estruturas lógicas como forma de ponderarmos sobre a questão. Eu vou deixar um convite ao leitor mais atento, de novo, valendo-me de parte do poema “O papel do livro não importa”, no caso, o trecho final que segue abaixo.
“(...)
E o que é que o amor tem a ver com tudo isso?
Vem! Vamos ler e nos fazer melhores perguntas! Esta com certeza é uma excelente pergunta e que precisa da totalidade de um livro pra emular a vastidão daquilo que sinto. A melhor resposta é a boa pergunta que emito.
Muitas pessoas – homens, mulheres, cis e trans, não-binários, héteros, gays etc. – buscam um amor exclusivamente em redes sociais e apps de sexo e namoro. O que acha disso?
Vocês não me deixam outra saída (risos). Vou ensaiar o início da questão anterior, então, para dar uma resposta mais rápida. O amor, creio, é a “pedra filosofal” humana. O alicerce fundamental sobre o qual se desenvolvem todas as nossas experiências sociais (humanas). É fato, especialmente potencializado nesta vivência atual e na pós-pandemia também o será, que a internet, assim como a tecnologia como um todo, é parte integrante de nossas vidas e dá cabo de boa parte de nossas interações sociais. Eu não vejo muito sentido em se questionar os meios que são utilizados para socializarmos. Claro, o toque e o contato pessoal fazem parte da vivência e das necessidades dos indivíduos. Mas, creio que seja mais interessante se pensar sobre o amor em si, e como vivemos o que vivemos, do que ficar divagando, valorando ou julgando determinada forma de existência contemporânea. Sim, a internet e os apps de namoro/pegação são uma realidade de existência social e não há nada que se possa (ou seja interessante tentar, já que não vamos conseguir) fazer. Eu quero é amar. Não perder meu tempo limitando o que me permita ser ou estar, ainda que virtualmente, em algum lugar. Cada um que saiba o que buscar. Amor é isso: saber o que procurar, o que sustentar. Mas, sobretudo, saber respeitar: cada um constrói o seu amar, cada um há de pensar e fazer, mas do seu próprio lugar.
A felicidade de um ser humano – ou o conceito idealizado de felicidade – só acontece com um amor romântico ou é possível se sentir plenamente feliz sozinho?
Este é mais um caminho provocativo que trago no livro, antecipando a resposta pra toda grande pergunta de ordem existencial humana. Felicidade, como tudo o mais que seja de espectro subjetivo, é um conceito que deve ser experienciado e pensado, através de análises e reflexões daquilo que vivemos, com quem vivemos. Por que me sinto como me sinto? O que me faz feliz? O signo “felicidade” existe. Há um significado “semanticamente assemelhado” e aprendido, nesta coletividade que dividimos. A grande pergunta é “o que me faz ser (sentir?) feliz?”. O amor romântico é condição fundamental para tudo o mais que sinto? É condição de existir? Com o livro aberto, o leitor, por certo, será o melhor a responder sobre o que lhe seja possível. Cada um há de saber o que lhe seja preferível.
Por muito tempo, produtos audiovisuais (especialmente novelas, séries e filmes) apresentavam modelos de amor que eram absorvidos pelo público. Acredita que essa influência ainda seja relevante na vida afetiva das pessoas?
O ser humano mimetiza o que vive. O ser humano replica o que aprende. As pessoas tendem a reproduzir o que seja sustentado e propagado coletivamente. Por isso, também, proponho essa pausa para pensar. O livro sugere pôr tudo sob perspectiva e reconstruir o caminho essencial da nossa razão. Mas, para isso, é preciso parar para raciocinar. Inclusive eu, veja, eu não escrevo porque sei. Escrevo justamente porque não sei. Escrevo para saber qual é a melhor resposta para cada pergunta que se impõe a mim. Meu coração se aflige toda vez que não consegue raciocinar. O não pensar é fonte de uma dor sem fim. Não pensar é não se amar. Eu não quero o que seja tido como coletivo. Eu busco os meus modelos, busco me ver e entender como indivíduo. Este livro é a melhor sugestão que acredito viável para reconstrução individual e coletiva de nossa forma de viver o amor, viver e sentir tudo que seja parte desta relação: razão-emoção. Processo sustentado de construção. Uma coisa não exclui a outra, não! No livro, dou a minha contribuição para a coletividade que acredito mais coerente, proponho que todo indivíduo possa ter a chance de se repensar, de visualizar melhor as construções das coisas que sente. Sociedade, não diferente, é uma construção coletivizada de tudo o que a gente vive e, assim, entende.
O filósofo Nietzsche escreveu: “O amor é o estado no qual os homens têm mais probabilidades de ver as coisas tal como elas não são”. Acredita que os principais efeitos colaterais de amar são a ilusão e o autoengano, e a inevitável frustração?
Voltamos pro amor romântico, então... Nietzsche é um escritor romântico. No meu novo livro eu exploro a necessidade de conhecermos e nos atentarmos aos contextos em que estão inseridos os autores, as suas realidades psicossociais, as suas falas. Quais são os motivos que levaram a construir seus discursos? O amor romântico, como ideal de valor ético, estético, conceito, estrutura e sistema que pretendia ser universalizado, já que que surgiu na esteira do cientificismo e da quebra que este trouxe com os dogmas cristãos (antes, ferramentas de dominação da população), agora pretendia ser uma ideia única e cheia de sujeições comportamentais. O amor romântico é uma forma de dominação. É uma imposição de valor. É a sujeição do indivíduo à coletivização do que deva ser esperado como relação. A grande falha de todo pensador, humanos que somos, e inescapável a quem quer que seja, eu estou incluso (conscientemente) nesta população, é se acomodar em sua própria constatação. Temos a mania, folgada, de relaxar no conforto de nossa visão. Quem que provou que amor é sinônimo de desilusão? O que é amor? Como é possível afirmar, esta, como sendo a única possível razão? Eu proponho uma perspectiva mista, mais humana, portanto, do amor. Amor pra mim é emoção com razão. Dito isto, este amor “aprendido” é apenas mais uma forma de nós mesmos nos sujeitarmos a cirandas mentais, em que acreditamos e nos condicionamos a viver, no amor, só o que seja a parte da emoção. Esta, todavia, também é dor. Criança mimada, sabe? Que não quer saber de ter trabalho buscando razão, só quer: emoção, emoção, emoção... O amor é apenas uma significação, subjetiva, do que possa ser toda sua vastidão. Quem foi que disse que amor é sinônimo de não pensar? Isso pra mim é morte encefálica. Óbvio, tudo é vivência. Tudo na vida é construção. Todos já sofremos. Todos, invariavelmente, nos iludimos. Não há fim, de fato, pra ser perfeito no que sinto, no que vivo. Por isto mesmo, penso e me repenso: penso porque existo, porque sinto. Este, creio, é o único jeito de me libertar de ser um cego largado num labirinto. Eu me engano? Eu me engano! Mas, que seja, então, com o melhor da enganação, pra ressignificar aquilo que acredito: tudo pode vir a ser o que sinto, tudo só depende do que fará melhor ao meu coração. Todo mundo quer uma boa enganação (risos).
Cite um verso de seu novo livro que possa inspirar o leitor cético em relação à experiência de amar.
Estrutura de amar
Estrutura de amar, ou melhor seria:
Estrutura de pensar?
É se entender, se conhecer e se amar.
É conhecer-se pra saber o que se dá,
E ter pra dar...
Como olhar:
É ter prazer no que se tenha a ofertar.
É compreender como fazer a coisa funcionar.
É saber ver que a cada um, o seu olhar...
Como pensar:
Primeiro vem o seu próprio desejar.
É se perceber para, então, se encontrar,
Poder amar.
Como amar:
A cada caso um jeito próprio de pensar.
É elaborar uma aplicação pra encaixar:
O seu amor ao que o outro tem a dar,
Mas, sem, jamais, por causa disso se anular.