Londres vai rever exposição usada como 'arma' diplomática pelo Brasil em plena 2ª Guerra
Exibição com 25 dos 168 quadros trazidos do Brasil em 1944 acontecerá em abril; no passado, ela foi apontada como tentativa de fortalecer poder de influência do país.
No meio da 2ª Guerra Mundial, o Brasil mandou de navio 168 pinturas e desenhos de 70 artistas modernistas, além de 162 fotografias para serem exibidas na Royal Academy, uma das mais tradicionais e conservadoras do Reino Unido.
Aberta em 22 de novembro de 1944 na capital inglesa, a exposição exibiu trabalhos de artistas renomados como Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti, Iberê Camargo, Cândido Portinari e Roberto Burle Marx. E surpreendeu os britânicos pelo estilo sofisticado das obras.
Agora, Londres vai poder rever parte desse acervo que, em 1944, atraiu cerca de 100 mil pessoas - um recorde até mesmo para os padrões da época.
A Embaixada do Brasil em Londes vai anunciar oficialmente esta semana que está restaurando parte do acervo da exposição de 1944 e que pretende exibi-lo a partir de abril do próximo ano. Dos 168 quadros que vieram do Brasil, 25 estão em museus e galerias de arte do Reino Unido e a maioria jamais foi pendurada numa parede novamente.
'Soft power'
Nos anos 1940, no entanto, a exposição foi vista por ingleses e brasileiros como uma ferramenta diplomática.
À época, o diplomata britânico Victor Perowne, que era responsável por América Latina, escreveu num documento oficial que se tratava de um assunto "mais político que artístico", conforme ofício dele encaminhado ao governo do Reino Unido.
Do lado inglês, foi preciso intervenção política para convencer a Royal Academy, que inicialmente havia rejeitado as obras, a abrir três salas para a exibição. Do lado brasileiro, todos os artistas doaram suas obras, e se comprometeram a doar o dinheiro das possíveis vendas para a Força Aérea Britânica.
"A diplomacia cultural é instrumento da política externa", explica Eduardo dos Santos embaixador brasileiro no Reino Unido. Ele diz que, no contexto da 2ª Guerra Mundial, a exposição serviu para estreitar as relações entre brasileiros e britânicos, além de ter sido uma forma de usar a cultura para fortalecer a imagem do Brasil no exterior.
"Na época isso tinha todos os elementos de soft power." A expressão foi cunhada pelo cientista político americano Josepth Nye em 2004 para se referir ao potencial de um país de influenciar outros por meio de seu poder de inspiração e atração, em contraposição ao poder "duro", ou militar.
Se, no passado, a exposição foi vista como uma das primeiros estratégias de soft power de fôlego do Brasil na Europa, atualmente o país enfrenta dificuldades para impor seu poder de convencimento.
Relatório anual sobre o tema divulgado este ano pela consultoria britânica Portland mostra que o Brasil despencou no ranking internacional que mede soft power. O país é agora o 29º colocado no ranking, penúltimo da lista de 30 países.
Diante desse cenário, Eduardo Santos afirma que a volta da exposição "é um evento de importância histórica, cultural e diplomática em termos da relação Brasil-Reino Unido".
"É um passo a mais na afirmação dos nossos valores e do nosso estilo de diplomacia", afirma.
O embaixador teve a oportunidade de contar um pouco da história do evento num jantar em abril com a rainha da Inglaterra, Elizabeth 2ª, que, segundo ele, se interessou pela nova exibição. "Adoraríamos que ela fosse, mas não há nada confirmado nesse sentido."
A exposição de 1944 recebeu a visita da rainha Elizabeth (1900-2002), conhecida como rainha-mãe, ainda na primeira semana. Além de Londres, a montagem passou por outras sete cidades britânicas: Norwich, Reading, Manchester, Bristol, Glasgow, Edimburgo e Bath.
Foram vendidas 80 obras - 47 delas na primeira noite - e o dinheiro arrecadado foi, de fato, doado para a Força Aérea britânica, que combatia o exército de Hitler.
Sofisticação
Apesar do sucesso, especialistas dizem que a maioria das obras contrariaram as expectativas do público britânico que, pelas reações, esperavam algo "menos europeu".
Para Adrian Locke, curador da nova exposição, o Reino Unido não estava aberto à ideia de que o Brasil poderia ser "uma nação sofisticada e culturalmente progressista".
"Mas os brasileiros mostraram, de um modo geral, uma arte que fugia dos estereótipos e da sensualidade", explica o chefe do setor cultural da Embaixada do Brasil em Londres e pesquisador do Brazil Institute, do King's College London, Hayle Gadelha.
Coube a ele fazer um trabalho de detetive para rastrear onde estavam as obras. Localizou metade delas, sendo que 25 estão em museus e galerias de arte do Reino Unido que cederam os quadros para a nova montagem, marcada para o dia 6 de abril.
Para Gadelha, que transformou o impacto da exibição de 1944 em tese de doutorado, a exposição foi um movimento diplomático que tinha, como pano de fundo, a busca do Brasil de se colocar como potência global a partir cultura. Mas acabou sendo uma iniciativa isolada.
"Houve uma descontinuidade, e algo do tipo demorou muito para se repetir", explica.