O que Crivella tem em comum com a cantora Barbra Streisand no caso de HQ com beijo gay
'Efeito Streisand' explica por que livro polêmico dos 'Vingadores' esgotou rapidamente após o prefeito do Rio censurá-la na Bienal do Livro
A censura do prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, à HQ Vingadores: a Cruzada das Crianças, de 2010, que estava sendo vendida na Bienal do Livro de 2019, gerou uma polêmica tão grande que o livro se esgotou não só na Bienal com em lojas e livrarias.
O sucesso acidental gerado pela polêmica até levou o ilustrador britânico Jim Cheung, um dos autores do livro, a dizer que "deveria contratar o prefeito do Rio para promover" seu próximo livro.
Mas o que isso tem a ver com a cantora americana Barbra Streisand?
É um exemplo típico do que nos Estados Unidos - e em outros países - é chamado de "efeito Streisand": são os casos em que tentativas de impor algum tipo de censura acabaram saindo pela culatra e tiveram o indesejado efeito de atrair uma atenção fenomenal ao objeto que se tentou esconder.
Esse tipo de ocorrência acabou ganhando esse apelido graças a um caso envolvendo a cantora em 2003.
Processo sobre privacidade
Em março de 2003, a estrela processou o fotógrafo amador Kenneth Adelman, dizendo que ele havia violado sua privacidade ao colocar nas redes uma foto da mansão de Streisand na Califórnia.
A imagem era parte de um grupo de 12 mil fotos que ele tinha subido para um site no qual documentava os efeitos da erosão e do desenvolvimento imobiliário na costa da Califórnia.
Apesar disso, Streisand pediu US$ 50 milhões de indenização.
Mas uma juíza negou o pedido e decidiu que a cantora deveria pagar os US$ 150 mil que o fotógrafo gastou com advogados.
A foto, que havia sido acessada na internet apenas seis vezes durante o processo, acabou viralizando. O site de Adelman foi visto 420 mil vezes só em abril de 2003.
Fotos da Beyoncé
O "efeito Streisand" é algo comum no mundo das celebridades.
Em 2014, o site Buzzfeed foi contatado por um representante da cantora Beyoncé Knowles, que pediu para o site retirar do ar as fotos "que não a estavam favorecendo".
O Buzzfeed se recusou e, em vez disso, criou uma galeria chamada "As Fotos Desfavoráveis Que o RP da Beyoncé Não Quer Que Você Veja".
A galeria gerou muitas visualizações e as imagens se tornaram matéria-prima de muitos memes - exatamente que o funcionário da cantora estava tentando evitar.
No mundo da política, o "efeito Streisand" também não é raro.
Na África do Sul, em 2013, autoridades removeram do Aeroporto de Johanesburgo cartazes de uma campanha do grupo de ativismo global Avaaz criticando o então presidente do país, Jacob Zuma.
A Avaaz havia colocado os cartazes com imagens do presidente e de uma leoa sendo ameaçada por uma arma para uma campanha contra o comércio de ossos de leão com a Ásia.
Mas a remoção acabou sendo questionada na Justiça, a polêmica chamou atenção da mídia e os cartazes acabaram circulando em grande rotação nas redes sociais do país e do exterior. Quando a Suprema Corte sul-africana decidiu que a ação do governo havia sido inconstitucional, o cartaz já havia tido um alcance muito maior do que teria se não tivesse sido censurado.
Recentemente, a Yandex, a maior empresa de tecnologia - e o maior serviço de buscas - da Rússia esteve no centro de um caso típico. A exemplo do Google Earth, a empresa divulga imagens aéreas tomadas por satélites.
Quando há áreas sensíveis - como instalações militares - nas imagens, o Google Earth pode reduzir a resolução. Já o Yandex, borrou completamente algumas instalações militares na Turquia e em Israel, chamando mais atenção para elas em vez de disfarçá-las.
"O serviço da Yandex na verdade acabou revelando sua localização, perímetro e função", diz Matt Korda, pesquisador da Federação Americana de Cientistas (FAS, na sigla em inglês).
As instalações incluíam duas bases importantes da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte).
"As ações da Yandex são um exemplo perfeito do que é conhecido como efeito Streisand", diz Korda.
E outro exemplo clássico foi o furor causado, em 2014, pelo filme americano A Entrevista, com James Franco e Seth Rogen, uma comédia que gira em torno de um plano para assassinar o líder norte-coreano Kim Jong-un.
No filme, o líder norte-coreano é fã de um talk-show com famosos apresentado pelo personagem de Franco. A CIA decide orquestrar uma viagem dos repórteres à nação asiática com o objetivo de assassinar o mandatário.
Antes do lançamento, a Coreia do Norte chamou o filme de "ato de guerra" e promoveu, segundo o FBI, uma série de ataques de hackers contra a Sony Pictures, dona do filme, como forma de pressão para impedir que a película chegasse às salas de cinema. A Sony chegou a suspender o lançamento, depois de algumas das principais redes de cinemas dos EUA cancelarem a exibição do filme. Elas alegaram ter sofrido ameaças de hackers norte-coreanos.
O filme foi lançado no final do ano de forma limitada, em poucos cinemas. Mas acabou sendo o filme mais visto em streaming da Sony no ano - e um dos filmes mais pirateados da história. A ação extrema da Coreia do Norte e o medo que as ameaças de hackers provocaram nos EUA atiçaram a curiosidade de pessoas no mundo inteiro para um filme que muitos chamaram de medíocre e sem graça.
E que provavelmente teria passado em brancas nuvens, não fosse o "efeito Streisand" engatilhado por Pyongyang.
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