O segredo das maiores voltas por cima de Hollywood, de Demi Moore a Marlon Brando
Se há algo que o público e os jurados de prêmios adoram é ver uma estrela em decadência dar a volta por cima na carreira com uma atuação de tirar o fôlego.
Se há algo que o público e os jurados de prêmios adoram é ver uma estrela em decadência dar a volta por cima na carreira com uma atuação de tirar o fôlego. Mas encontrar o papel certo para se apresentar novamente ao mundo é uma verdadeira arte.
Será que Demi Moore vai ganhar o prêmio de melhor atriz no Oscar deste ano? Ela certamente tem uma grande chance. Sua atuação destemida no filme satírico de terror corporal A Substância, de Coralie Fargeat, já rendeu a ela um Globo de Ouro e a indicação para o prêmio máximo do cinema foi confirmada na quinta-feira (23/01).
"Ser indicada ao Oscar é uma honra incrível e esses últimos meses foram além dos meus sonhos mais loucos", disse Demi Moore em comunicado à imprensa após ser indicada.
"Realmente, não há palavras para expressar completamente minha alegria e imensa gratidão por esse reconhecimento. Não apenas por mim, mas pelo que esse filme representa. Estou profundamente honrada".
E, além da qualidade da sua atuação, um fator fundamental pode oferecer a ela uma vantagem: Hollywood adora quando uma ex- superestrela dá a volta por cima — assim como todos nós.
"Os fãs de carteirinha de determinados atores se sentem legitimados quando eles voltam à moda", diz Anna Smith, crítica de cinema e apresentadora do podcast Girls on Film.
"E os fãs mais casuais talvez ainda tenham uma certa afeição nostálgica pelas pessoas que assistiram na telona quando eram mais jovens — ainda mais se estrelaram filmes populares."
"E suspeito que, no fundo, ver a sorte de um famoso mudar para melhor dá às pessoas a esperança de que isso possa acontecer com elas, especialmente na idade madura."
A atriz americana ainda ressaltou que, num momento em que o Estado da Califórnia passa por uma recuperação após os incêndios que destruíram algumas cidades, "meu coração está com meus amigos, familiares, vizinhos e comunidade aqui em Los Angeles".
"Os incêndios devastaram muitas vidas, mas ver a maneira como nossa comunidade se uniu me deixa impressionada com a resiliência e a compaixão que nos definem. Este momento é um lembrete de quão incríveis somos quando estamos juntos", concluiu em seu comunicado.
A atual mudança na sorte de Moore tem todos os elementos necessários para uma volta por cima ideal em Hollywood.
Em menor escala, o mesmo poderia ser dito do trabalho revelador de Pamela Anderson em The Last Showgirl, que foi lançado nos EUA na semana passada e rendeu à estrela indicações ao Globo de Ouro e ao SAG Awards, a premiação do sindicato dos atores de Hollywood.
E a volta por cima de Ke Huy Quan é outro caso clássico: depois de abandonar a atuação por 20 anos, o ex-astro infantil ganhou o Oscar de melhor ator coadjuvante por Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo em 2023, e agora tem seu primeiro papel como protagonista no filme Amor Bandido, que estreia nos cinemas em fevereiro.
Por mais diferentes que possam parecer, todos os três atores estão seguindo um padrão estabelecido há décadas.
"A volta por cima perfeita em Hollywood é uma sinfonia cuidadosamente orquestrada de paralelos narrativos e do espírito da época", diz Mark Borkowski, especialista em relações públicas e autor do livro The Fame Formula: How Hollywood's Fixers, Fakers and Star Makers Created the Celebrity Industry.
"Uma estrela marginalizada — como Demi Moore — deve pegar um papel que espelhe seu arco fora da tela. Acrescente uma pitada de credibilidade do cineasta e provocação suficiente para despertar burburinho, e você vai ter a fórmula para a ressurreição de uma celebridade."
O que é necessário para uma grande volta por cima
Como diz Borkowski, o primeiro ingrediente essencial é uma inspiradora história de redenção nos bastidores.
Este mês marca mais uma grande volta por cima em Hollywood, com o lançamento do primeiro filme de Cameron Diaz em mais de 10 anos, De Volta à Ação, da Netflix, após anunciar sua aposentadoria em 2018.
No entanto, quando deixou a carreira, ela ainda estava no auge como celebridade, então seu retorno não é particularmente emocionante, especialmente quando o filme em questão é uma comédia de ação de grande orçamento, que parece algo que ela poderia fazer de olhos fechados. É um pouco intrigante, mas nada além disso.
Em contrapartida, a volta por cima de Moore parece uma fábula atemporal. Ela não estrelava um sucesso mainstream desde a década de 1990 e, em seu discurso de agradecimento no Globo de Ouro, ela falou sobre como sua confiança foi abalada por um produtor que a rotulou de "atriz de filme pipoca".
Ela disse que estava "em baixa". Mas A Substância provou a si mesma e a todo mundo que ela tinha mais a oferecer. Esse é o tipo de arco de superação de obstáculos que Hollywood pode apoiar.
O enredo da volta por cima da maioria dos atores é semelhante: o reconhecimento de alguém que foi tratado injustamente pelo setor.
Quan participou de Os Goonies e Indiana Jones e o Templo da Perdição quando era garoto na década de 1980, mas ficou desiludido com a atuação porque havia poucos papéis significativos para asiático-americanos. Por isso, quando teve a oportunidade de brilhar em Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo, o enredo da vida real foi mais satisfatório do que qualquer ficção. Os espectadores e jurados puderam se deliciar com o gosto da justiça sendo feita.
Anderson, por sua vez, falou sobre ser maltratada no setor, mais recentemente pela série Pam & Tommy, do Hulu, que dramatizou sua história de vida sem qualquer participação dela, de modo que The Last Showgirl tem nas entrelinhas o enredo de alguém que retoma o controle de sua própria narrativa.
Para citar outro exemplo, a proeza de Brendan Fraser em A Baleia, de 2022, aconteceu após anos desempregado e com depressão — que ele relacionou à alegação de que foi agredido sexualmente em um evento de 2003 por Philip Berk, então presidente da Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood, que organiza o Globo de Ouro.
A conquista do prêmio de melhor ator no Oscar de 2023 foi outro final feliz extremamente comovente.
Uma volta por cima é ainda mais convincente se as experiências do próprio ator forem refletidas no que está acontecendo na tela.
Em A Substância, Moore interpreta uma ex-superestrela que caiu no ostracismo — algo que ela própria conhece muito bem.
E esses cenários autorreferenciais aparecem repetidamente em filmes de volta por cima, desde Crepúsculo dos Deuses (1950), no qual Gloria Swanson interpreta uma diva do cinema mudo decadente, que era exatamente o caso dela, até as produções que ressuscitaram a carreira de Bette Davis em dois momentos distintos: A Malvada (1950) e O Que Terá Acontecido a Baby Jane? (1962).
Há muitos exemplos recentes também. Em O Lutador (2008), Mickey Rourke é um veterano do showbiz decadente e angustiado. Em Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância) (2014), Michael Keaton é um ator conhecido por interpretar um super-herói, quer ele queira ou não. Em The Last Showgirl, Anderson é uma dançarina de Las Vegas cujos dias sob os holofotes estão contados.
"Muitas informações de fora das telas se infiltram neste filme", observa Caryn James em sua crítica da BBC, e essas informações efetivamente oferecem ao público uma espécie de dois em um: à medida que os filmes navegam pela linha tênue entre fato e ficção, não estamos pensando apenas na vida dos personagens, mas também na dos atores.
"Não se trata apenas de atuar", diz Borkowski. "É produção de mitos."
Por outro lado, é fundamental que estes filmes não cheirem a uma viagem de ego ou a um projeto de vaidade.
A mensagem que eles devem enviar é que os atores se colocaram humildemente a serviço de um cineasta — de preferência, mas nem sempre, um cineasta mais jovem e mais descolado do que eles.
No caso de A Substância, é Fargeat; de The Last Showgirl, é Gia Coppola; e nos casos de O Lutador e A Baleia, é Darren Aronofsky.
A reinvenção de Matthew McConaughey, conhecida como McConaissance, começou quando ele assinou contrato com filmes de baixo orçamento como Killer Joe - Matador de Aluguel (William Friedkin), Magic Mike: A Última Dança (Steven Soderbergh) e Amor Bandido (Jeff Nichols).
Jerry Lewis foi indicado ao Bafta quando interpretou um comediante como ele em O Rei da Comédia (1982), de Martin Scorsese. Burt Reynolds foi indicado ao Oscar por Boogie Nights: Prazer sem Limites (1997), de Paul Thomas Anderson. Sylvester Stallone foi indicado ao Oscar por Creed: Nascido para Lutar (2015), de Ryan Coogler.
E neste ano, Adrien Brody provavelmente também será indicado ao Oscar por seu papel em O Brutalista. Ele não teve muitos papéis memoráveis como protagonista desde que ganhou o Oscar por O pianista em 2003, mas ao se comprometer com um drama sério de um diretor desafiadoramente independente de trinta e poucos anos, ele lembrou a todos como pode ser magnífico.
A volta por cima de Marlon Brando com O Poderoso Chefão é um caso clássico de um ícone de Hollywood em ruínas sendo restaurado por um cineasta em ascensão.
"Quando se trata de uma ex-estrela celebridade que volta repentinamente à consciência do público e recebe uma grande aclamação, provavelmente não há exemplo melhor", diz Burt Kearns, autor do livro Marlon Brando: Hollywood Rebel.
"No início da década de 1970, o homem que foi reconhecido como o maior ator de cinema do século 20 foi literalmente rotulado como 'veneno de bilheteria' pelos executivos da Paramount Pictures quando seu nome foi cogitado para a versão cinematográfica do livro best-seller de Mario Puzo. No fim de 1970, sem dinheiro, ele aceitou um valor relativamente baixo de US$ 50 mil por um mês de trabalho na Inglaterra no filme de terror de baixo orçamento Os que Chegam com a Noite, de Michael Winner."
Mas depois que ele se transformou no chefe de uma família mafiosa para o filme de Francis Ford Coppola, ele ganhou seu segundo Oscar de melhor ator.
"Uma reviravolta única", diz Kearns à BBC, "é que 20 anos depois, Brando havia se tornado uma espécie de recluso, fazendo apenas participações especiais esporádicas, quando foi convencido pelo diretor Andrew Bergman a 'voltar' como chefe mafioso em Um Novato na Máfia. Brando concordou, mas somente se pudesse basear o personagem em Don Corleone."
Assim, em uma paródia de seu papel marcante em O Poderoso Chefão, ele foi 'descoberto' mais uma vez, surpreendendo os críticos e o público como um ator cômico habilidoso."
O 'renovador' de carreira
O santo padroeiro das voltas por cima em Hollywood é Quentin Tarantino. E o milagre mais significativo que ele já realizou foi com John Travolta.
No fim da década de 1980, o astro de Grease — Nos Tempos da Brilhantina e Os Embalos de Sábado à Noite foi reduzido a atuar nos filmes Olha Quem Está Falando, uma série de comédia familiar em que os pensamentos de bebês e animais de estimação eram dublados por atores. O terceiro filme da série, Olha Quem Está Falando Agora, foi um fracasso de bilheteria em 1993.
Porém, menos de um ano depois, Travolta estava nos cinemas como Vincent Vega, de terno preto, em Pulp Fiction: Tempo de Violência, de Tarantino. Em seguida, foi indicado ao Oscar, e voltou a ser o homem mais descolado de Hollywood.
Não que Travolta tenha sido o único beneficiado por esta escalação: pegar astros em decadência também foi bom para a reputação de Tarantino.
"Quando ele tira do sótão um ator esquecido ou desvalorizado — Travolta, Pam Grier, Robert Forster, Kurt Russell, Don Johnson —, muitas vezes sinto que estou sendo superado, como se ele estivesse me envergonhando por não valorizar a carreira e a capacidade dessas pessoas", diz Shawn Levy, autor de biografias de Jerry Lewis, Robert De Niro e Paul Newman, entre outros.
"Não acho que ser o salvador deles, por assim dizer, signifique tanto para ele quanto provar que ele mesmo é um gênio por amar suas habilidades ou trabalhos subestimados. Imagino ele examinando sua coleção de VHS e vasculhando algum site sobre personalidades que ainda não morreram para encontrar atores que possa exibir em futuros projetos."
O que conecta todos os filmes mencionados acima é que eles permitem que os atores demonstrem que são atores de verdade, e não meras celebridades — e isso geralmente significa romper com suas imagens públicas brilhantes fazendo algo ousado e sem glamour, geralmente envolvendo sexo, drogas e depravação.
Travolta é um assassino viciado em heroína em Pulp Fiction. Reynolds é um diretor de filme pornô em Boogie Nights. Em Birdman, Keaton anda de cueca pela Times Square. E em O Lutador, Rourke faz sexo à base de cocaína com uma estranha no banheiro sujo de um bar.
Já A Baleia começa com o personagem de Fraser se masturbando com pornografia e depois sofrendo de insuficiência cardíaca em um apartamento sujo. Sua vitória no Oscar estava praticamente garantida naquele exato momento.
Tudo isso nos leva de volta ao filme A Substância. Outrora a personificação do glamour do tapete vermelho, Moore agora está disposta a interpretar alguém que é visto como ultrapassado e irrelevante nas primeiras cenas do filme.
E nas cenas posteriores... bem, não queremos dar spoiler aqui, mas elas são mais extremas do que qualquer outra coisa em sua carreira até agora. Não é de se admirar que, mesmo antes da estreia do filme no Festival de Cannes, em maio do ano passado, houve rumores de que este seria o momento "John Travolta em Pulp Fiction" de Moore.
E, com certeza, A Substância acabou tendo tudo o que um filme de volta por cima precisa: uma atriz que passou por dificuldades, um papel que lembra os espectadores dessas dificuldades, um jovem e ousado diretor-roteirista e um conteúdo que demonstra até onde um ator está disposto a ir por sua arte.
Agora Moore só precisa garantir que seu "momento Travolta" dure mais do que um momento. Travolta, Rourke e Reynolds escolheram seus papéis depois de Pulp Fiction, O Lutador e Boogie Nights, mas alguns filmes depois eles estavam pagando as contas com thrillers sofríveis novamente — e Travolta estava fazendo o desastroso A Reconquista (2000).
Voltar ao topo de Hollywood já é bastante difícil — mas permanecer lá é a parte realmente complicada. Como Bette Davis e Marlon Brando aprenderam, uma única volta por cima nem sempre é suficiente.