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Os hospitais psiquiátricos na China usados para silenciar quem critica o governo

Estudante está entre dezenas de pessoas identificadas pela BBC que foram internadas depois de protestar ou reclamar com as autoridades.

25 jan 2025 - 09h11
(atualizado às 09h16)
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Zhang Junjie segurou um pedaço de papel em branco para simbolizar a censura — e foi enviado para um hospital psiquiátrico
Zhang Junjie segurou um pedaço de papel em branco para simbolizar a censura — e foi enviado para um hospital psiquiátrico
Foto: BBC News Brasil

Quando Zhang Junjie tinha 17 anos, ele decidiu protestar do lado de fora da sua universidade contra as regras estabelecidas pelo governo da China. Em poucos dias, ele foi internado em um hospital psiquiátrico para tratamento de esquizofrenia.

Junjie é uma das dezenas de pessoas identificadas pela BBC que foram internadas depois de protestar ou reclamar com as autoridades.

Muitas pessoas com quem conversamos receberam medicamentos antipsicóticos e, em alguns casos, eletroconvulsoterapia (ECT), sem seu consentimento.

Há décadas, há notícias de que a hospitalização estava sendo usada na China como uma forma de deter cidadãos dissidentes sem envolver os tribunais. No entanto, a BBC descobriu que um problema que a legislação procurou resolver voltou à tona recentemente.

Junjie diz que foi contido e agredido pela equipe do hospital antes de ser forçado a tomar medicamentos.

Sua provação começou em 2022, depois que ele protestou contra as duras políticas de lockdown da China em decorrência da pandemia de covid-19. Ele diz que seus professores o identificaram depois de apenas cinco minutos, e entraram em contato com seu pai, que o levou de volta para a casa da família. Ele conta que seu pai chamou a polícia e, no dia seguinte — em seu aniversário de 18 anos —, dois homens o levaram para o que eles diziam ser um centro de testes de covid-19, mas que, na verdade, era um hospital.

"Os médicos me disseram que eu tinha um transtorno mental muito grave... Depois me amarraram em uma cama. Os enfermeiros e os médicos me disseram repetidamente que, por causa das minhas opiniões sobre o partido e o governo, eu devia estar mentalmente doente. Foi aterrorizante", disse ele ao Serviço Mundial da BBC. Ele ficou lá por 12 dias.

Junjie acredita que seu pai se sentiu forçado a entregá-lo às autoridades porque ele trabalhava para o governo local.

Pouco mais de um mês depois de receber alta, Junjie foi preso novamente. Desafiando a proibição de fogos de artifício no Ano Novo Chinês (medida adotada para combater a poluição do ar), ele fez um vídeo de si mesmo soltando fogos. Alguém fez o upload do vídeo online, e a polícia conseguiu vinculá-lo a Junjie.

Junjie, que agora mora na Nova Zelândia, ficou arrasado com a experiência
Junjie, que agora mora na Nova Zelândia, ficou arrasado com a experiência
Foto: BBC News Brasil

Ele foi acusado de "provocar brigas e criar problemas", acusação frequentemente usada para silenciar as críticas ao governo chinês. Junjie diz que foi internado à força novamente por mais de dois meses.

Após receber alta, Junjie recebeu uma receita para medicamentos antipsicóticos. Vimos a receita — era de Aripiprazol, usado para tratar esquizofrenia e transtorno bipolar.

"Tomar o medicamento me fazia sentir como se meu cérebro estivesse uma bagunça", diz ele, acrescentando que a polícia ia à sua casa para verificar se ele havia tomado o remédio.

Temendo uma terceira internação, Junjie decidiu deixar a China. Ele disse aos pais que estava voltando para a universidade para arrumar seu quarto — mas, na verdade, ele fugiu para a Nova Zelândia.

Ele não se despediu da família nem dos amigos.

Junjie é uma das 59 pessoas que a BBC confirmou — seja conversando com elas ou com seus parentes, seja consultando documentos judiciais — que foram internadas por motivos de saúde mental depois de protestar ou desafiar as autoridades.

A questão foi reconhecida pelo governo da China — a Lei de Saúde Mental do país, de 2013, teve como objetivo impedir esse abuso, tornando ilegal o tratamento de alguém que não esteja mentalmente doente. Também declara explicitamente que a internação psiquiátrica deve ser voluntária, a menos que o paciente represente um perigo para si mesmo ou para os outros.

De fato, o número de pessoas detidas em hospitais de saúde mental contra a vontade aumentou recentemente, disse um renomado advogado chinês ao Serviço Mundial da BBC. Huang Xuetao, que participou da elaboração da lei, culpa o enfraquecimento da sociedade civil e a falta de freios e contrapesos.

"Já me deparei com muitos casos como este. A polícia quer poder, mas evita a responsabilidade", diz ele.

"Qualquer pessoa que conheça as deficiências deste sistema pode abusar dele."

Um ativista chamado Jie Lijian nos contou que recebeu tratamento para um transtorno mental sem seu consentimento em 2018.

Jie Lijian tentou processar a polícia para alterar seu histórico de saúde
Jie Lijian tentou processar a polícia para alterar seu histórico de saúde
Foto: BBC News Brasil

Lijian diz que foi detido por participar de um protesto exigindo melhores salários em uma fábrica. Ele afirma que a polícia o interrogou por três dias antes de levá-lo a um hospital psiquiátrico.

Assim como Junjie, Lijian conta que receitaram medicamentos antipsicóticos para ele, que prejudicaram seu pensamento crítico.

Após uma semana internado, ele diz que recusou mais medicamentos. Depois de brigar com a equipe e ser informado de que estava causando problemas, Lijian foi enviado para a eletroconvulsoterapia — terapia que envolve a passagem de correntes elétricas pelo cérebro do paciente.

"A dor era da cabeça aos pés. Meu corpo inteiro parecia que não era meu. Foi muito doloroso. Choque elétrico ligado. Depois, desligado. Choque elétrico ligado. Depois, desligado. Desmaiei várias vezes. Achei que estava morrendo", revela.

Ele afirma que recebeu alta depois de 52 dias. Agora, ele tem um emprego de meio período em Los Angeles, nos EUA, e está buscando asilo no país.

Em 2019, um ano após Lijian dizer que foi internado, a Associação Médica Chinesa atualizou suas diretrizes de ECT, afirmando que a terapia só deve ser administrada com consentimento e sob anestesia geral.

Queríamos saber mais sobre o envolvimento dos médicos nesses casos.

Falar com a imprensa estrangeira, como a BBC, sem permissão poderia colocá-los em apuros, portanto, nossa única opção era nos disfarçar.

Marcamos consultas telefônicas com médicos que trabalham em quatro hospitais que, de acordo com nossas evidências, estão envolvidos em internações forçadas.

Usamos uma história inventada sobre um parente que havia sido hospitalizado por postar comentários contra o governo na internet — e perguntamos a cinco médicos se eles já haviam se deparado com casos de pacientes enviados pela polícia.

Quatro confirmaram que sim.

"O departamento de psiquiatria tem um tipo de internação chamado de 'encrenqueiros'", nos contou um médico.

Outro médico, do hospital onde Junjie foi internado, parece confirmar sua história de que a polícia continua a vigiar os pacientes após receber alta.

"A polícia vai verificar você em casa para garantir que você tome seu remédio. Se você não tomar, pode infringir a lei novamente", ele disse.

Entramos em contato com o hospital em questão para comentar o assunto, mas eles não responderam.

Tivemos acesso aos prontuários médicos do ativista pela democracia Song Zaimin, internado pela quinta vez no ano passado, o que deixa claro como as opiniões políticas parecem estar intimamente ligadas a um diagnóstico psiquiátrico.

"Hoje, ele estava... falando muito, falando incoerentemente e criticando o Partido Comunista. Portanto, ele foi enviado ao nosso hospital para tratamento hospitalar pela polícia, pelos médicos e pelo comitê de moradores locais. Esta foi uma internação involuntária", diz o documento.

Trecho de um prontuário médico, em chinês, com algumas partes apagadas por motivos de privacidade
Trecho de um prontuário médico, em chinês, com algumas partes apagadas por motivos de privacidade
Foto: BBC News Brasil

Pedimos a Thomas G. Schulze, presidente eleito da Associação Mundial de Psiquiatria, que analisasse estas anotações. Ele respondeu:

"Pelo que está descrito aqui, ninguém deveria ser internado involuntariamente e tratado contra sua vontade. Isso cheira a abuso político."

Entre 2013 e 2017, mais de 200 pessoas relataram que haviam sido internadas injustamente pelas autoridades, de acordo com um grupo de jornalistas cidadãos na China que documentou abusos da Lei de Saúde Mental.

Suas reportagens terminaram em 2017, porque o fundador do grupo foi detido e posteriormente preso.

Para as vítimas que buscam justiça, o sistema jurídico parece estar contra elas.

Um homem que vamos chamar de Li, que foi internado em 2023 após protestar contra a polícia local, tentou entrar com um processo judicial contra as autoridades por seu encarceramento.

Diferentemente de Junjie, os médicos disseram a Li que ele não estava doente, mas a polícia contratou um psiquiatra externo para avaliá-lo, que o diagnosticou com transtorno bipolar, e ele foi mantido lá por 45 dias.

Após ser liberado, ele decidiu contestar o diagnóstico.

"Se eu não processar a polícia, é como se eu aceitasse estar mentalmente doente. Isso vai ter um grande impacto no meu futuro e na minha liberdade, porque a polícia pode usar isso como motivo para me prender a qualquer momento", diz ele.

Na China, os prontuários de qualquer pessoa diagnosticada com um transtorno grave de saúde mental podem ser compartilhados com a polícia — e até mesmo com os comitês de moradores locais.

Mas Li não foi bem-sucedido — os tribunais rejeitaram seu recurso.

"Ouvimos nossos líderes falarem sobre o Estado de direito", ele nos disse. "Nunca sonhamos que um dia poderíamos ser trancados em um hospital psiquiátrico."

A BBC encontrou 112 pessoas listadas no site oficial de decisões judiciais chinesas que, entre 2013 e 2024, tentaram entrar com processos contra a polícia, governos locais ou hospitais por esse tipo de tratamento.

Cerca de 40% dos autores dos processos estavam envolvidos em reclamações contra as autoridades. Apenas dois ganharam seus casos.

E o site parece ser censurado — cinco outros casos que investigamos não constam no banco de dados.

A questão é que a polícia desfruta de "considerável poder discricionário" para lidar com "encrenqueiros", de acordo com Nicola MacBean, da The Rights Practice, uma organização de direitos humanos de Londres.

"Enviar alguém para um hospital psiquiátrico, contornando os procedimentos, é uma ferramenta muito fácil e muito útil para as autoridades locais."

As postagens da vlogger Li Yixue sobre ser internada depois de acusar a polícia de agressão sexual viralizaram recentemente na China
As postagens da vlogger Li Yixue sobre ser internada depois de acusar a polícia de agressão sexual viralizaram recentemente na China
Foto: Chinese social media / BBC News Brasil

As atenções agora estão voltadas para o destino da vlogger Li Yixue, que acusou um policial de agressão sexual. Diz-se que Yixue foi internada recentemente pela segunda vez depois que suas postagens nas redes sociais falando sobre a experiência se tornaram virais. Há informações de que ela está agora sob vigilância em um hotel.

Apresentamos as conclusões da nossa investigação à embaixada chinesa no Reino Unido. Eles disseram que, no ano passado, o Partido Comunista Chinês "reafirmou" que precisa "melhorar os mecanismos" em torno da lei, que, segundo ele, "proíbe explicitamente a detenção ilegal e outros métodos para privar ou restringir ilegalmente a liberdade pessoal dos cidadãos".

*Reportagem adicional de Georgina Lam e Betty Knight

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