Peça faz espectador se posicionar como opressor ou oprimido
DuoSolo tem Gustavo Haddad e Bruna Magnes em um jogo de reflexão a respeito do mundo corporativo
Um lugar em processo de crise e, ao mesmo tempo, transformação. Esta é a situação apresentada no espetáculo DuoSolo, mas pode representar também o Brasil de hoje.
Escrita por Nanna de Castro e com direção de Dan Rosseto, a peça em cartaz no teatro Eva Herz conta com dois atores – Gustavo Haddad e Bruna Magnes – desdobrando-se em vários personagens.
É também um retrato do brasileiro, que precisa atuar de diferentes maneiras, ter várias ‘caras’, para sobreviver.
O texto aborda o universo corporativo, conhecido (e temido) pela competição desumana. Questiona-se os limites, as regras, os desejos, as frustrações.
Trabalhar é uma atividade inescapável, porém, até que ponto nos faz bem e mal?
DuoSolo transita pela psicologia, filosofia e até por conceitos religiosos.
A montagem busca suscitar reflexão por meio da relação entre o opressor e o oprimido.
A atriz Bruna Magnes comenta a dualidade que cada pessoa, artista ou não, tem dentro de si mesma.
Acha que no universo artístico, do qual você faz parte, também há a relação de opressor e oprimido retratada na peça?
Acredito que os arquétipos de opressor e oprimido estão em todas as relações. Para mim, se trata de um jogo onde representamos papéis em nome de ideais, valores, desejos e sonhos. O problema está quando nos identificamos tanto com um papel que perdemos o propósito do jogo, que é crescer. Às vezes, somos oprimidos em um ambiente, e opressores em outro. Esse é o jogo. Albert Einstein disse que precisamos de fricção para evoluir, mas até que ponto esse jogo é construtivo? Precisamos saber onde estão os nossos limites. Até dentro de nós mesmos acontece esse jogo. Temos um lado que quer sair da caixa, se expressar, e outro, geralmente o nosso crítico interno, que adora oprimir e manter tudo ‘como manda o figurino’.
Qual a importância de um texto reflexivo como o de Duosolo em um País de espectadores que preferem comédias?
Percebo cada vez mais a urgência em resgatar o ‘humano’ em nós, enquanto sociedade. A vida está intensa e demasiadamente desafiadora. Acho o entretenimento necessário para rir um pouco em meio a tanta desgraça, mas precisamos consumi-lo com consciência, se não a arte vira amortecedor. Me simpatizo muito com a arte a serviço do autoconhecimento, na função de espelhar conflitos e questionamentos mais profundos que nos angustiam. Gosto de olhar de frente para aquilo que atormenta e, depois, talvez até gargalhar.
Dividir o palco apenas com outro ator exige entrosamento perfeito. Como tem sido a convivência artística entre você e Gustavo Haddad?
A peça nos traz o desafio de ser Duo em Solo, ou seja, ser dois em um. Gustavo é um cara corajoso, criativo e aberto. Está pulando dentro do processo artístico junto comigo e com o Dan (Rosseto, diretor). No palco, dividimos a vida de sete personagens sob a visão de atores em processo de criação. Imagina a loucura! Aparentemente somos apenas dois, mas o palco está lotado! (risos) Quando acho que vou enlouquecer, que o chão vai abrir e terra tremer, o Gustavo está lá, consistente e tranquilo. Ele me acalma. Gustavo Haddad destaca a pressão social e política sobre os artistas e seu ofício.
A opressão representada na peça representa também a perseguição que a arte e os artistas têm sofrido ultimamente?
A opressão presente no texto da peça representa o assédio moral e as relações de hierarquia existentes no mundo corporativo. A opressão que os artistas têm sofrido está relacionada ao momento político do Brasil, onde a arte, a educação e a cultura são colocadas em segundo plano pelo governo.
Como foi o processo de composição dos seus personagens?
As características psicológicas dos personagens são muito bem definidas pela autora, o que facilitou a construção. Como interpreto cinco personagens, busquei definir uma diferença física e moral para cada um deles.
DuoSolo
Teatro Eva Herz (dentro da Livraria Cultura do Conjunto Nacional).
Av. Paulista, 2073, Jardins, São Paulo (SP).
Até 24 de abril - Terças e Quartas às 21h.
Duração: 70 minutos.
Faixa etária: Livre.
Ingresso: R$40 (inteira)