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Por que um país com 1,45 bilhão de habitantes quer mais crianças

A Índia, o país mais populoso do mundo, está protagonizando um debate interno sobre a necessidade da população ter mais filhos.

16 dez 2024 - 12h21
(atualizado às 16h53)
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No ano passado, a Índia ultrapassou a China e se tornou o país mais populoso do mundo
No ano passado, a Índia ultrapassou a China e se tornou o país mais populoso do mundo
Foto: AFP / BBC News Brasil

No ano passado, a Índia ultrapassou a China e se tornou o país mais populoso do mundo, de acordo com as estimativas da Organização das Nações Unidas (ONU).

Com quase 1,45 mil milhões de habitantes atualmente, seria de se esperar que o país estivesse tranquilo em relação ao número de crianças. Mas advinha? Este assunto está sendo alvo de debate.

Líderes de dois Estados do sul — Andhra Pradesh e Tamil Nadu — defenderam recentemente a necessidade de mais crianças.

Andhra Pradesh está avaliando conceder incentivos, citando as baixas taxas de fertilidade e o envelhecimento da população. O Estado também abandonou sua "política de dois filhos" para candidatos às eleições locais, e reportagens afirmam que o Estado vizinho de Telangana pode fazer o mesmo em breve. Tamil Nadu também está realizando movimentos semelhantes, mas mais exagerados.

A taxa de fertilidade da Índia caiu significativamente — de 5,7 nascimentos por mulher, em 1950, para a taxa atual de dois.

As taxas de fertilidade ficaram abaixo do nível de reposição populacional de dois nascimentos por mulher em 17 dos 29 Estados e territórios. (O nível de reposição é aquele que indica o número de novos nascimentos que são suficientes para manter uma população estável).

Os cinco Estados do sul da Índia lideram a transição demográfica do país, tendo alcançado o nível de reposição muito antes dos outros. Kerala atingiu este marco em 1988, Tamil Nadu em 1993, e os restantes em meados da década de 2000.

A taxa de fertilidade da Índia caiu significativamente nas últimas décadas
A taxa de fertilidade da Índia caiu significativamente nas últimas décadas
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Atualmente, os cinco Estados do sul apresentam taxas de fertilidade total abaixo de 1,6 — sendo 1,6 em Karnataka e 1,4 em Tamil Nadu. Em outras palavras, as taxas de fertilidade nestes Estados são iguais ou inferiores às de muitos países europeus.

No entanto, estes Estados temem que a mudança demográfica da Índia, com diferentes parcelas da população entre os Estados, tenha um impacto significativo sobre a representação eleitoral e a alocação de assentos parlamentares e receitas federais por Estado.

"Eles temem ser penalizados por suas políticas eficazes de controle populacional, apesar de terem um desempenho econômico melhor e contribuírem significativamente para as receitas federais", explicou Srinivas Goli, professor de demografia do Instituto Internacional de Ciências Populacionais, à BBC.

Os Estados do sul também estão enfrentando outra grande preocupação à medida que a Índia se prepara para sua primeira demarcação de assentos eleitorais em 2026 — a primeira desde 1976.

Este exercício vai redesenhar os limites eleitorais para refletir mudanças populacionais, provavelmente reduzindo as cadeiras parlamentares dos Estados economicamente prósperos do sul. Como as receitas federais são alocadas com base nas populações estaduais, muitos temem que isso possa aprofundar suas dificuldades financeiras e limitar a liberdade de formulação de políticas.

Os demógrafos KS James e Shubhra Kriti projetam que os populosos Estados do norte, como Uttar Pradesh e Bihar, podem ganhar mais assentos com a demarcação, enquanto os Estados do sul, como Tamil Nadu, Kerala e Andhra Pradesh, podem sofrer perdas, mudando ainda mais a representação política.

Muitos, inclusive o primeiro-ministro do país, Narendra Modi, sugeriram que as mudanças nas participações fiscais e nas alocações de assentos parlamentares não vão ser feitas às pressas.

Um elefante com o símbolo do planejamento familiar em um vilarejo indiano na década de 1970
Um elefante com o símbolo do planejamento familiar em um vilarejo indiano na década de 1970
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

"Como demógrafo, não acho que os Estados devam se preocupar excessivamente com essas questões. Elas podem ser resolvidas por meio de negociações construtivas entre os governos federal e estadual", diz Goli.

"Minha preocupação é outra."

O principal desafio, de acordo com os demógrafos, é o rápido envelhecimento da Índia, impulsionado pelo declínio das taxas de fertilidade. Enquanto países como a França e a Suécia levaram 120 e 80 anos, respectivamente, para dobrar sua população de idosos de 7% para 14%, a expectativa é de que a Índia atinja esse marco em apenas 28 anos, destaca Goli.

Este envelhecimento acelerado está ligado ao sucesso único da Índia no declínio da fertilidade. Na maioria dos países, a melhoria dos padrões de vida, a educação e a urbanização reduzem naturalmente a fertilidade à medida que a sobrevivência infantil melhora.

Mas, na Índia, as taxas de fertilidade caíram rapidamente apesar do modesto avanço socioeconômico, graças a programas agressivos de bem-estar familiar que promoveram famílias pequenas por meio de metas, incentivos e desincentivos.

A consequência inesperada? Vejamos o caso de Andhra Pradesh, por exemplo. Sua taxa de fertilidade é de 1,5, no mesmo nível da Suécia, mas na renda per capita a da Suécia é 28 vezes maior, observa Goli. Com dívidas crescentes e recursos limitados, será que Estados como este podem arcar com aposentadorias mais altas ou seguridade social para uma população que está envelhecendo rapidamente?

Considere o seguinte. Mais de 40% dos indianos idosos (com mais de 60 anos) pertencem ao quintil de riqueza mais pobre — os 20% mais pobres de uma população em termos de distribuição de riqueza, de acordo com o último Relatório sobre o Envelhecimento na Índia do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA, na sigla em inglês).

Em outras palavras, "a Índia está envelhecendo antes de ficar rica", resume Goli.

O menor número de filhos também significa um aumento na taxa de dependência de idosos, deixando menos cuidadores para uma população idosa em expansão. Os demógrafos alertam que o sistema de saúde, os centros comunitários e os lares de idosos da Índia não estão preparados para essa mudança.

O rápido envelhecimento da Índia é impulsionado pelo declínio das taxas de fertilidade
O rápido envelhecimento da Índia é impulsionado pelo declínio das taxas de fertilidade
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

A urbanização, a migração e as mudanças no mercado de trabalho estão corroendo ainda mais o apoio familiar tradicional — o ponto forte da Índia —, deixando mais idosos para trás.

Embora a migração de Estados populosos para Estados menos populosos possa reduzir a desigualdade relacionada à idade economicamente ativa, ela também gera uma ansiedade contra a migração.

"Investimentos robustos em prevenção, cuidados paliativos e infraestrutura social são urgentemente necessários para cuidar do envelhecimento", diz Goli.

Como se as preocupações dos Estados do sul não fossem suficientes, no início deste mês, o chefe da organização nacionalista hindu Rashtriya Swayamsevak Sangh, a espinha dorsal ideológica do Partido Bharatiya Janata (BJP), de Modi, pediu aos casais que tivessem pelo menos três filhos para garantir o futuro da Índia.

"De acordo com a ciência populacional, quando o crescimento cai abaixo de 2,1, uma sociedade perece por si só. Ninguém a destrói", teria dito Mohan Bhagwat em uma reunião recente.

Embora as preocupações de Bhagwat possam ter algum fundamento, elas não são totalmente precisas, de acordo com os demógrafos. Tim Dyson, demógrafo da Universidade London School of Economics (LSE), no Reino Unido, disse à BBC que, depois de uma ou duas décadas, a manutenção de "níveis muito baixos de fertilidade vai levar a um rápido declínio populacional".

Uma taxa de fertilidade de 1,8 nascimento por mulher leva a um declínio populacional lento e controlável. Mas uma taxa de 1,6 ou menos pode desencadear um "declínio populacional rápido e incontrolável".

"Um número menor de pessoas vai entrar em idade reprodutiva — e principalmente em idade ativa para trabalhar —, e isso vai ser social, política e economicamente desastroso. Este é um processo demográfico, e é extremamente difícil de reverter", afirma Dyson.

Isso já está acontecendo em alguns países.

Em maio, o presidente sul-coreano, Yoon Suk Yeol, declarou a baixa recorde na taxa de natalidade do país como uma "emergência nacional" e anunciou planos para um ministério dedicado a isso. A taxa de fertilidade da Grécia caiu para 1,3, metade do que era em 1950, provocando alertas do primeiro-ministro, Kyriakos Mitsotakis, sobre uma ameaça populacional "existencial".

Mas os demógrafos afirmam que é inútil incentivar as pessoas a terem mais filhos. "Considerando as mudanças sociais, incluindo a redução significativa das disparidades de gênero, à medida que a vida das mulheres está cada vez mais parecida com a dos homens, é improvável que essa tendência se reverta", avalia Dyson.

Para Estados indianos, como Tamil Nadu e Kerala, que estão enfrentando um declínio na força de trabalho, a principal questão é: quem vai entrar em cena para preencher esta lacuna? Os países desenvolvidos, incapazes de reverter o declínio da fertilidade, estão se concentrando no envelhecimento saudável e ativo — prolongando a vida profissional em cinco a sete anos e aumentando a produtividade das populações mais velhas.

Os demógrafos dizem que a Índia vai precisar estender significativamente a idade para aposentadoria, e as políticas devem priorizar o aumento dos anos saudáveis por meio de melhores exames de saúde e de uma seguridade social mais forte para garantir uma população idosa ativa e produtiva — um possível "dividendo da longevidade".

A Índia também precisa aproveitar melhor seu bônus demográfico — o crescimento econômico que acontece quando um país tem uma grande população em idade ativa. Goli acredita que há uma janela de oportunidade até 2047 para impulsionar a economia, gerar empregos para a população em idade ativa e alocar recursos para o envelhecimento.

"Estamos colhendo apenas de 15% a 20% dos dividendos — podemos fazer muito melhor", diz ele.

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