Prêmio Tony celebra reabertura sem se esquecer da pandemia
Cerimônia que consagrou 'Moulin Rouge!' e 'The Inheritance' teve discursos emocionantes, que também pediram mais inclusão
O mundo continua girando, como diz a letra de You Can't Stop the Beat, a canção do musical Hairspray que abriu, na noite do domingo, a cerimônia do Tony Awards. A premiação tentou equilibrar a celebração do presente, com a reabertura da Broadway após 18 meses, sem se esquecer do ano e meio em que teatros ficaram fechados e muitos morreram, e com a esperança de um futuro melhor, com mais diversidade e menos espaço para abusos.
As marcas de uma pandemia que ainda não ficou para trás estavam em todas as partes. Por exemplo, no discurso da apresentadora da primeira metade, Audra McDonald, com o grosso da premiação, e no número musical de Leslie Odom Jr., mestre de cerimônias da segunda, uma celebração da Broadway, com duetos clássicos, como de Kristin Chenoweth e Idina Menzel, de Wicked. McDonald e Odom Jr. mencionaram as máscaras, os testes e as vacinas essenciais para essa volta - e também para a realização da cerimônia.
A seção In Memoriam destacou as perdas dos últimos dois anos, tendo ao final uma parece inteira com dezenas de nomes. Apenas três musicais concorriam ao troféu de melhor do ano - Moulin Rouge! saiu vencedor. O ator Aaron Tveit, do mesmo espetáculo, era o único indicado na categoria ator principal de musical, mas só levaria se 60% dos eleitores votassem sim. Tveit ganhou. Em sua entrevista após a vitória, falou de ter tido covid-19 logo no início da pandemia e resumiu o espírito da noite. "Seguindo em frente, é vital que contemos novas histórias e não esqueçamos o que aconteceu."
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Foi disso que falou o diretor Kenny Leon, que perdeu o Tony de direção de peça para Stephen Daldry (The Inheritance), mas fez o discurso quando A Soldier's Play ganhou melhor remontagem. "Breonna Taylor. George Floyd", repetiu ele várias vezes, referindo-se a duas das pessoas negras assassinadas pela polícia que motivaram diversos protestos com o lema "Vidas negras importam", um ano atrás. "Nós nunca os esqueceremos. Nós podemos fazer melhor. Nada contra Shakespeare, Ibsen, Tchecov. Mas precisamos de uma mesa maior." Nesta 74ª edição, porém, uma das maiores surpresas foi a total ausência de prêmios para Slave Play, que concorria a 12 prêmios, um recorde para uma peça. Tivesse vencido, seu autor, Jeremy O. Harris, teria sido o primeiro negro ganhar desde August Wilson em 1987, por Fences.
Britton Smith, representante da Broadway Advocacy Coalition, que combate o racismo nas artes e levou um Tony Especial, defendeu uma inclusão mais abrangente. "É fácil dizer 'vidas negras importam'. Eu quero um lugar onde a maneira como minha mãe se comporta pode ser aceito", disse em entrevista. Andrew Burnap, Tony de melhor ator de peça, por The Inheritance, criticou os altos preços dos ingressos.
Mas o caminho a percorrer é longo. Jagged Little Pill, que concorria a 15 Tonys e levou dois, está sob investigação depois de atores criticarem o ambiente tóxico para pessoas trans e não-binárias. Matthew López, autor de The Inheritance, vencedora do Tony de melhor peça, ator, atriz coadjuvante (Lois Smith) e direção (Stephen Daldry), criticou a falta de diversidade latina. "Sou o primeiro autor latino a ganhar este prêmio. Somos 19% da população, e apenas 2% dos dramaturgos. Isso tem de mudar." Nem o sucesso de Hamilton, escrito e protagonizado por outro filho de porto-riquenhos, Lin-Manuel Miranda, alterou esse panorama. Quem sabe o choque da pandemia faça com que mudanças profundas e necessárias sejam realmente implementadas, e a mesa fique maior, como pediu Kenny Leon.