Astro Bot: Como o "game do ano" tentou agradar a todo mundo (e conseguiu)
A consagração do exclusivo de PlayStation 5 no The Game Awards pareceu inesperada para muita gente, mas o estúdio Team Asobi tinha ambições secretas
No início de dezembro, Astro Bot saiu como grande vencedor da cerimônia do The Game Awards (TGA), mais prestigiada premiação da indústria ocidental de videogames. O jogo de PlayStation 5, criado pelo estúdio Team Asobi, levou quatro troféus, incluindo "Jogo do Ano" e "Melhor Direção", além de "Melhor Jogo de Ação/Aventura" e "Melhor Jogo para a Família". Foi um feito impressionante para uma franquia relativamente nova, o que certamente não passou batido pelo público - as comunidades de fãs nas redes sociais se dividiram entre exaltar a vitória e reclamar da falta de merecimento na consagração.
Não por coincidência, Astro Bot foi o título exclusivo do PS5 com maior sucesso de crítica em 2024 (média de 94 no site agregador Metacritic) e também o mais vendido (1,5 milhão de unidades em dois meses - as vendas devem subir após as vitórias no TGA). Apesar de nem parecerem tão impressionantes, os números foram suficientes para colocar Astro Bot no protagonismo, ainda mais dada a visível escassez de blockbusters publicados pela própria Sony durante o ano.
Astro Bot representa um tipo de produto raro atualmente: uma combinação de game para crianças e adultos jogarem juntos, embalado por desafios avançados para os mais experientes, aos moldes dos clássicos do início da era 3D - notavelmente, um formato estabelecido nos anos 1990 pela principal rival japonesa da Sony, a Nintendo. Além disso, o título estrelado pelo simpático robô Astro rendeu à Sony também um tão necessário mascote, algo que estranhamente a fabricante teve dificuldades para estabelecer durante suas três décadas atuando na indústria de games.
Em junho último, três meses antes do lançamento de Astro Bot, a Rolling Stone Brasil conversou com Nicolas Doucet, diretor do estúdio Team Asobi. Na época, ele não demonstrava grandes expectativas sobre a aclamação de seu jogo, mas parecia seguro do potencial de impactar muito além de seu público-alvo. Confira trechos da entrevista:
Rolling Stone Brasil: Astro Bot é uma espécie de continuação de Astro's Playroom, uma demo técnica que foi dada "de graça" a quem comprou o PlayStation 5. Como foi o desafio para atribuir a este novo jogo o preço de um blockbuster?
Nicolas Doucet: Tivemos essa discussão internamente. O grande risco é ser vítima de seu próprio sucesso. E com Astro's Playroom, criamos algo de que muita gente gostou. Como fazer algo ainda melhor depois disso? A gente precisava evoluir em todos os aspectos possíveis.
Astro Bot é um jogo bem maior, e o tamanho é importante. Mas também precisávamos trazer novas maneiras de utilizar o [joystick] Dual Sense, novos elementos de física ao gameplay, novos personagens… Basicamente, fazer um game muito maior, para quando pensar no preço, a pessoa perceber que este é um produto completo, que justifica o valor mais alto.
O que não se pode esquecer é que, mesmo sendo grátis, Astro's Playroom estava embutido no preço do console, então não é como se as pessoas não tivessem pago por ele. Quando as pessoas compraram o PS5, o jogo serviu como uma espécie de "agradecimento" pelo investimento. Era uma mensagem que precisávamos transmitir do jeito certo, e espero que a demo tenha feito um bom trabalho para isso.
O nível de dificuldade de Astro Bot já é exigente logo no início do jogo. Como vocês trabalharam essa curva de aprendizado?
Potencialmente, Astro Bot será jogado por gente como eu e você, pessoas acostumadas a games desafiadores. Mas também será o primeiro jogo de muitas crianças. Nós nos preocupamos muito em atingir os dois públicos: não é apenas um título para iniciantes, e certamente não é só para gamers experientes. É para ser para todo mundo.
Quando criamos os estágios, todos os desafios que estivessem no caminho da história principal foram estabelecidos de modo a permitir que qualquer um o complete facilmente. Mas deixamos as partes mais difíceis como opcionais, porque não queríamos criar barreiras impossíveis de superar. Equilibrar esses dois fatores o tempo todo foi muito importante para nós. Acho que nossos corações sempre estiveram com o público mainstream, porque queremos fazer games que sejam divertidos de jogar, e não frustrantes.
Ao mesmo tempo, como este é um jogo de plataforma, nós também pudemos explorar a precisão. E graças aos recursos do controle do PS5, adicionamos desafios que são mais difíceis. Mas isso veio em um segundo estágio do desenvolvimento. Os testes que fizemos no início nos indicaram que o jogo era fácil demais. Então, fizemos essas missões opcionais serem mais complexas, para criar um equilíbrio.
Nosso objetivo é criar games que funcionem como brinquedos. Se você encontrar uma árvore no canto do cenário, vai querer olhar atrás dela, porque sua curiosidade lhe diz que talvez exista algo ali. Por isso, é nosso trabalho fazer com que, sempre que o jogador pensar em fazer algo, a gente possa recompensá-lo. Então, sempre que você subir ao topo de uma construção, vai levar tempo para chegar até lá em cima, mas vai ganhar algo valioso. Isso era algo que fizemos questão de garantir em todas as fases - criar essa sensação de recompensa.
Astro Bot aparentemente tornou-se o mascote da marca PlayStation. Isso foi algo planejado? Por que demorou tanto para a Sony escolher um mascote?
Não posso comentar sobre o porquê demorou tanto. Mas falando em nome do nosso time, é claro que se as pessoas enxergarem o Astro como o mascote [da Sony], isso é incrível, é uma enorme conquista. Mas não é algo que queremos anunciar ou decretar. Quando um personagem se torna a cara de uma empresa, é porque seus games são bons durante um longo período, e os jogadores acabam "decidindo" isso, por conta dessa associação. Claro, você pode dizer que Sonic e Mario eram os mascotes oficiais [da Sega e da Nintendo], mas é porque seus games provaram suas qualidades em suas épocas.
Nesse sentido, acho que é a mesma coisa para nós: não estamos tentando nos precipitar. Queremos fazer um jogo de qualidade, com uma base sólida, e seguir a partir daí. Agora, se esse game acabar sendo visto como [estando] no mesmo nível de God of War, Horizon, Ghost of Tsushima e todas as grandes séries da PlayStation, pra nós já é uma conquista incrível. Mas sinto que essa coisa do mascote acaba acontecendo naturalmente. Não dá para determinar e enfiar goela abaixo das pessoas.