Bienal de SP espelha drama de grandes metrópoles

Sábado, 23 de março de 2002, 13h50

Pegue a idéia de antecipar clássicos do futuro. Junte na mesma panela artistas de vários cantos do planeta. Misture a temática da situação das metrópoles no século 21. E acrescente pitadas dos ataques aos EUA.

A receita parece digerível e a expectativa é de que o público saboreie toda a importância da 25ª Bienal de São Paulo - uma das três principais mostras do gênero no mundo -, que abrirá as portas dia 23 de março no pavilhão Ciccillo Matarazzo, no Parque do Ibirapuera.

Os 30 mil metros quadrados do prédio serão tomados por centenas de obras de 190 artistas que trabalharam sob a temática Iconografias Metropolitanas, definida pelo curador-geral do evento, o alemão Alfons Hug.

"O tema) é uma escolha evidente, porque a Bienal está numa das maiores metrópoles do mundo, vivendo um terrível drama urbano, e o que me interessa é como esse drama se reflete na arte contemporânea", declarou Hug.

Instalações, pinturas, esculturas, fotografias, vídeos e Web sites estarão distribuídos conceitualmente entre cinco segmentos principais: "11 Metrópoles", "Representações Nacionais", "Núcleo Brasileiro", "Salas Especiais" e "Net Arte".

Caracas sim, Paris não - Cinco artistas mostram sua visão particular para o drama global a que Hug se refere na mostra "11 Metrópoles". As cidades de São Paulo, Caracas, Nova York, Johanesburgo, Istambul, Pequim, Tóquio, Sidney, Londres, Berlim e Moscou foram escolhidas de forma subjetiva pelo curador-geral.

"Houve a preocupação de fazer uma cobertura mundial da arte, trazendo regiões muitas vezes negligenciadas pelas exposições por serem do Terceiro Mundo", esclareceu o alemão.

"Embora Paris seja o centro da arte clássica, a arte contemporânea não tem muita representação por lá. E Caracas merecia estar exposta", acrescentou, justificando a ausência da capital francesa na mostra.

Hug acredita que priorizar cidades fora do "mainstream" da arte seja uma tendência mundial, inclusive da Bienal de Veneza.

Uma 12ª cidade, fictícia, chamada de "Cidade Utópica" é o que Hug define como aquela que os arquitetos não conseguiram criar. "O domínio da utopia é formulada pela arte", explica.

Quem espera uma metrópole futurista pode se desapontar. "Não é high-tech, pelo contrário. É composta por materiais humildes, com referências ao construtivismo russo", diz o curador-geral.

Sombra no Parque - Como a proposta inicial é a de mostrar não apenas o lado criativo das metrópoles, mas também o lado negro, o luto aos ataques paira no ar do Ibirapuera.

Alguns artistas mudaram as obras após o fatídico 11 de setembro. É o caso do suíço Fabrice Gygi, que apresentará uma imensa torre de vigia com 14 metros de altura.

"Não é que toda a obra ou todo artista tenha um lado político, mas não podemos fechar os olhos para o lado duro da realidade", diz Hug.

Outra mudança forçada por conta dos ataques aos EUA foi o cancelamento do Techno Club, que teria música eletrônica e contaria com o bar Hungry Duck, de Moscou.

"Achei que seria frívolo", diz Hug, confirmando que esta Bienal deverá ser mais reflexiva.

Brasil Periférico - Uma das facetas mais comemoradas pela equipe desta 25a. Bienal é a presença de 30 artistas nacionais no "Núcleo Brasileiro". Metade desses artistas é proveniente de Estados fora do eixo Rio-São Paulo, segundo o curador da representação nacional, Agnaldo Faria.

Ele ressalta o fato de os artistas escolhidos serem, em sua maioria, desconhecidos do grande público.

"Há centros pulsantes no Brasil inteiro, como Recife, Porto Alegre, Goiânia, Minas Gerais e Bahia", diz Faria.

Estratégia Falsa - Sob o argumento de que Bienal não é museu, ficou fora desta edição o Núcleo Histórico, a vedete das exposições passadas e que trouxe para o público Andy Warhol e Paul Klee, em 1996, e Vincent Van Gogh e René Magritte, em 1998.

No lugar serão expostas as "Salas Especiais", "os novos Picassos", segundo Hug. Entre eles, o curador-geral ressalta os fotógrafos alemães Thomas Ruff e Andreas Gursky, o pintor irlandês abstrato Sean Scully e o americano "pop" Jeff Koons, além dos brasileiros Nelson Leirner e Carlos Fajardo.

A ausência dos clássicos pode acabar comprometendo a expectativa dos curadores de que haja um grande comparecimento do público ao evento - a curadoria espera que cerca de 500 mil pessoas visitem a Bienal nesta edição

Alfons Hug discorda dessa tese, afirmando que "ter o núcleo histórico para atrair público é uma estratégia falsa". "Você quer então enganar o povo atraindo-o com o 'Núcleo Histórico' para vender arte contemporânea, isso não é honesto".

O crítico, professor e ex-curador do MAM de São Paulo Tadeu Chiarelli acha que pode existir uma "razão implícita". "Me pergunto se essa tomada de decisão foi por uma real compreensão do ambiente artístico brasileiro hoje ou se é uma desculpa para justificar a falta de verba", disse ele.

"(Por outro lado), não adianta fazer aquelas exposições brochantes. Porque as Bienais anteriores a 1998, que tinham essa obrigação, faziam salas risíveis", afirmou.

E, ao que parece, fazer rir é o que a 25ª Bienal de São Paulo menos pretende.

Reuters