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Mestres Gustavo e Guilherme carregam vínculo afetivo com Salgueiro

Irmãos comandam a bateria do Salgueiro e contam inspirações e a constante vontade de inovar

26 jan 2023 - 10h54
(atualizado às 16h11)
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Assumir a bateria do Salgueiro jamais poderia ser uma missão fácil, mas os irmãos Guilherme e Gustavo, nascidos e criados na comunidade, não recusariam de forma alguma. Sem ao menos saber, os dois se tornaram mestres pouco antes da pandemia de Covid-19. Após anos conturbados, eles sentem que finalmente terão a oportunidade de mostrar sua essência de trabalho. Em entrevista concedida ao site CARNAVALESCO, a dupla contou sobre o passado, inspirações e a constante vontade de inovar que os persegue.

Mestres de bateria do Salgueiro, Gustavo e Guilherme
Mestres de bateria do Salgueiro, Gustavo e Guilherme
Foto: Foto: Isadora Lima/Site Carnavalesco

Hoje, após a entrada de vocês, em 2019, qual é o balanço que fazem do trabalho nesse período?

Gustavo: “Quando entramos, em 2019, passamos por um curto período de reformulação da bateria. Muita gente queria voltar, poucas pessoas saíram, tivemos esse impasse. Naquele curto período em que assumimos a bateria, ainda em dezembro de 2018, até o carnaval de 2019, a bateria passou por uma certa reformulação. Foi o que a gente conseguiu arrumar e decidir rápido para o desfile. Aí chega o carnaval de 2020, no ano seguinte, e foi o ano em que conseguimos estabelecer um pouco das nossas ideias e do que pensamos sobre a bateria do Salgueiro. Muito do que aprendemos e crescemos escutando, as nossas concepções musicais, de trabalho e logística em torno da bateria. Só que chegou a pandemia e deu esse corte na linha do tempo de todos. Ninguém sabia o que ia acontecer, ficamos muito tempo parados, e quando veio o carnaval de 2022… foi difícil. Não sabíamos se teria ou não, e retornamos para a situação atípica de um entra e sai de pessoas. Várias pessoas ainda estavam com medo, e nós obviamente entendemos. A dinâmica de ensaio também precisava ser diferente, com máscaras e o distanciamento social. Foi um ano em que, assim que chegou em janeiro, não sabíamos se ia ter carnaval. Foi adiado para a abril. Por um lado, foi bom, porque conseguimos acertar detalhes que não conseguiríamos se fosse no período normal. Conseguimos fazer um carnaval bonito e implantar as nossas ideias. Desde que assumimos a bateria, essa foi a primeira vez em que conseguimos fazer um trabalho mais orgânico e certo. Messe atual carnaval de 2023, a gente consegue entender mais o que está acontecendo. A gente consegue se entender, transmitir mais o que queremos e o pessoal compreende mais. Contei um pouco a história para explicar o motivo de termos uma bateria realmente consolidada agora. Nossos ritmistas são bem unidos, estão dentro da dinâmica. Eu estava até comentando com o Guilherme quase agora. Hoje eu fiz uns movimentos nos grupos, de energia, mostrando que falta só um mês para o nosso desfile, e foi engraçado porque ficou um falatório ali no WhatsApp. Todo mundo animado, brincando. Hoje temos uma visão de que o nosso trabalho está um pouco mais consolidado e, graças a Deus, estamos conseguindo transmitir isso para o público”.

Na parte técnica, o que mudaram na bateria comandada pelo Marcão e agora por vocês?

Guilherme: “Logo quando a gente assumiu, tinha umas coisas do gosto dele que já não gostávamos tanto. Alguns detalhes. Aumentamos o número de taróis, ele usava bem menos. Abaixamos a afinação dos surdos, para trazer de volta as nossas referências da década de 1990, que ouvíamos bastante na bateria do Louro. Uma das coisas que mantivemos foram as caixas vazadas, que foram trocadas por volta de 2016. Essas caixas têm os timbres mais agudos. Lembro que, bem antes de sermos mestres de bateria, íamos na Sapucaí para assistir aos ensaios de outras escolas e comentávamos que, de longe, dava para escutar muito mais os surdos. Só escutávamos as caixas quando a bateria chegava bem perto. A caixa vazada te dá essa possibilidade de levar o som do instrumento numa distância maior. Foi isso. De resto, a nossa forma de criar, os nossos shows… todos têm uma identidade própria, sabe? Fazemos isso, e resgatamos um pouco das nossas referencias antigas”.

Neste contexto, o que representa para vocês estar à frente da bateria do Salgueiro?

Guilherme: “Acho que a ficha demorou para cair, não sei nem se caiu totalmente. Porque hoje, se for olhar na história do Salgueiro, a escola vai fazer 70 anos, temos dois mestres que são muito conhecidos e juntos ficaram 47 anos. O falecido mestre Louro e o mestre Marcão. Foram 32/33 anos do Louro e 14 do Marcão. Teve um ano do Jonas também. Antes do Louro, tivemos alguns outros mestres… O que os mais antigos contam é que os mestres de bateria eram os mais poderosos do morro, mudava com frequência. Mas você vê esses grandes nomes e agora, caramba, Guilherme e Gustavo. A gente sabe que a responsabilidade é enorme, assistimos vídeos muito antigos… Hoje mesmo estávamos debatendo um filme. Sabemos que somos figuras importantes dessa agremiação absurda. A gente percebe o sucesso que o Salgueiro tem até mesmo fora do brasil, porque recebemos mensagens de amantes do samba espalhados pelo mundo inteiro. Fora a exposição que temos, os convites e oportunidades que recebemos. Eu vou ser julgador do carnaval da Argentina agora, no início de fevereiro. Já temos viagem marcada para Portugal, para um festival de samba. Isso tudo pela exposição que o Salgueiro nos dá. Obviamente, sei também que tem o nosso mérito, não chegamos aqui à toa, não caímos de paraquedas. Estudamos muito. Esse ano, entre escola mirim e Salgueiro, completo 30 anos na escola. Desfilo desde os oito anos. Além disso, nascemos ali. Sabemos da responsabilidade, mas também penso que se tivéssemos vindo de fora sentiríamos mais. Como estamos no nosso ambiente, é mais tranquilo. Eu já era diretor de bateria desde 2010, fora os anos de ritmista. Estamos em casa. Sabemos da responsabilidade e sentimos um friozinho na barriga, mas estamos em casa”.

Gustavo: “A minha questão também é parecida com a dele, pelo fato de sermos irmãos. Mas eu não simplesmente tinha o sonho de ser mestre de bateria, percorri um caminho que me levou a isso. Fui mestre da bateria da escola mirim por cinco anos, então trilhei esse caminho. Hoje em dia isso representa a nossa história. Conseguimos, através das nossas jornadas, chegar aqui e, como o Guilherme falou, representar todas as ancestralidades. Um pessoal que foi importante não só para o samba, como para a música popular brasileira num todo”.

Como irmãos a amizade e o companheirismo é grande, mas como mestres como é a relação de vocês?

Gustavo: “Isso é uma coisa que muita gente pergunta, mas costumamos dizer que sempre trabalhamos juntos. Apesar de eu ser mais novo, tivemos nosso pontapé na música praticamente na mesma época. Nós dois tocamos em orquestras. Quando eu cresci, começamos a tocar juntos em várias bandas e gravações. Nesse momento de assumir a bateria, surgiu como um trabalho a mais para a gente. Discutimos o tempo todo, inclusive já discutimos em dia de desfile, mas é normal de irmão. De trabalho também. Às vezes tenho uma opinião, ele tem outra, e até chegar num consenso pode ser complicado”.

Guilherme: “Gostamos de coisas diferentes. Em algum momento, alguém precisa ceder, mas, na verdade, concordamos na maioria das vezes. É exatamente o que ele disse. Continuamos trabalhando juntos fora do Salgueiro também. Fazemos parte da banda do Xamã, por exemplo. O fato é que conversamos muito para sempre chegarmos num acordo”.

Dentro de uma bateria, qual é o instrumento que cada um mais gosta e por qual motivo?

Gustavo: “O instrumento que eu mais me identifico na bateria é o tarol, por ter sido o meu primeiro. Desfilei várias vezes tocando o tarol na bateria, então tenho muito carinho. Acaba sendo uma ala que eu pego muito no pé também, mas eles gostam dessa valorização e apreciação que eu tenho. Só que… É engraçado porque eu gosto demais de tocar tamborim também, sabe? Tanto que até o Ewerton, que é fotógrafo e faz os nossos vídeos, gravou um vídeo meu tocando tamborim no sábado. Eu postei, todo feliz, porque eu amo tocar tamborim”.

Guilherme: “Eu já tive um instrumento preferido. Na época da escola mirim, comecei tocando caixa e eu adorava. Aí quando adolescente, já desfilei tocando quase todos os instrumentos da bateria. O tempo passa e você pega apreço por outros. Então, eu sou de épocas, sabe? Hoje, como mestre de bateria, eu posso dizer que não tenho um preferido, mas ao longo da vida já tive vários”.

Hoje, as baterias, além das paradinhas, têm que fazer coreografias. O que pensam sobre isso e quem faz as coreografias da bateria do Salgueiro?

Gustavo: “A coreografia não é algo tão primordial para o nosso trabalho. Tanto que nos nossos dois primeiros anos, não fizemos nada nesse aspecto. A gente preza mais a linguagem musical, do que a questão corporal, como as coreografias. O que temos muito é: a ala de chocalho faz um passinho entre eles, outra ala também… mas é um detalhezinho deles mesmo. Para não dizermos que não fizemos nada, no nosso último carnaval, em que falávamos sobre resistência, todos ajoelhamos e cerramos os punhos. Não chegou a ser uma coreografia, mas fizemos um movimento”.

Guilherme: “Para mim, são dois pontos. No dia do desfile, estamos buscando nota máxima para a escola. O julgador se preocupa com ritmo, afinação, cadência, criatividade, retomadas… e eu acredito que precisamos de foco para isso. Por outro lado, a questão da dança ajuda a trazer o público para você. Dá um gás no desfile, mas o julgador não se importa tanto. Se você conseguir conciliar os dois, ótimo, mas atualmente o nosso foco é nota”.

Qual é importância de ter oficina de percussão na formação de novos ritmistas? Como vocês renovam a bateria dentro do Salgueiro?

Gustavo: “O Salgueiro, como algumas outras escolas, dá muito valor a escola mirim. Gosto de bater nessa tecla. Acho que o carnaval devia reconhecer mais a escola mirim. Muitos artistas, assim como nós, vieram da escola mirim. A gente tem também a oficina de percussão para o pessoal mais velho, que acontece nas segundas-feiras na quadra. Cada turma tem seu monitor que ensina tudo direitinho. A escola mirim tem essa energia infantil… Caramba, às vezes parece hereditário. Chega um filho de um ritmista com seis anos que toca muito. A gente gosta de participar disso, é um trabalho orgânico. Então, temos esses dois lados maravilhosos.

Como funciona na cabeça de vocês ter que inovar todo ano e manter a nota máxima do quesito?

Guilherme: “A gente gosta. A nossa vida inteira foi praticamente nos palcos, dentro do showbusiness. Assistimos muita coisa que envolve criatividade. Hoje em dia todo mundo faz, e se você não faz fica um pouco para trás. Sei que é importante ir um pouco contra a maré, mas estar ali junto também proporcionando esse espetáculo… A gente gosta muito. Tem gente que não gosta, é mais tradicional, mas precisamos lembrar que é carnaval, sabe? É para ser mágico. Eu comparo o carnaval com vários outros espetáculos, apesar de sermos o maior da terra. A gente se inspira muito para criar, principalmente lá na quadra. Colocamos fumaça na bateria, alguns repiques deslocados na quadra… A gente gosta dessa interação com o público, que eles gritem pela bateria. Tentamos levar um pouco disso tudo para a Sapucaí também. Nos espelhamos em vários outros grupos de percussão. Acho que quase todo ritmista já assistiu ‘Drumline’, um filme americano sobre bandas marciais, que mostra essa questão do show mesmo. Enfim, o carnaval é tão mágico quanto a Disney. Você chega e encontra cores, fogos, fantasias grandiosas… Acho que se temos isso na cabeça, a chance de dar certo é grande. Ser campeão é outra coisa, depende de muitos outros fatores. Temos vários carnavais históricos que não foram campeões. Mas para fazer um grande carnaval, ter um grande samba é o primeiro passo. Essa questão da criatividade tentamos levar sempre no que fazemos. Como a gente gosta, todo ano a gente tenta… não fazer melhor, mas ser tão excelente quanto”.

Aliás, a chuva de notas 10 para as baterias em 2022 é correta? As baterias estão em alto nível mesmo? E qual é o motivo disso?

Gustavo: “As baterias estão num nível absurdo, todos trabalham há muito tempo. Hoje em dia, as pessoas pesquisam mais o que fazer. Tem essa relação da bateria com o enredo, então buscam inovar também. No pré-carnaval, acontecem ensaios exaustivos. Elas estão tão boas que você vê que, hoje, a bateria que perde ponto recebe a justificativa de ter sido por um detalhe bem especifico que aconteceu no desfile. Mas é isso, está certo. Tem que dar nota 10 mesmo”.

A Viviane Araújo é uma rainha ritmista. Como é a relação de vocês com ela? E pensam em utilizar ela para alguma coreografia ou bossa?

Guilherme: “Quando a Viviane chegou no Salgueiro, estávamos lá também. Foi uma apresentação no Cristo Redentor. Então, a nossa relação com ela vem desde 2007 e é muito boa. Conversamos muito, trocamos mensagens, opinamos nas escolhas dos sambas. Ela é uma rainha presente e representa muito bem a bateria. Espero que ela continue por muito tempo”.

Gustavo: “Sobre usar nas bossas, geralmente usamos em outras coisas. O que ela faz ali na frente já é informação suficiente”.

Quem é sua referência em bateria no carnaval? E por qual motivo?

Gustavo: “Como o Guilherme disse antes, por crescermos no Salgueiro, a grande referência de todos os ritmistas da escola sempre foi o mestre Louro. Ele deu a cara da Furiosa como ela é hoje. Também temos vários amigos da nova geração que são mestres incríveis, trocamos ideias, mas a minha referência mais antiga sempre foi o Louro”.

Guilherme: “Eu acho que a gente é muito clubista”.

Qual a preferência de cada um: Bossas ou passa reto? E por qual motivo?

Guilherme e Gustavo: “Bossa”.

Gustavo: “É que a gente vem de uma geração que pegou o final na década de 90, em que as baterias eram mais retas, para os anos 2000 em que a criatividade foi cobrada. Virou critério de julgamento. Então, as baterias vêm numa crescente vontade de fazer convenções com o enredo. De uns tempos para cá, algumas pessoas decidiram preferir fazer o mínimo, mas a gente não. Tem que juntar o ritmo e com uma atitude ousada”.

Guilherme: “Esse ano a gente faz uma bossa em que paramos na entrada do refrão que canta ‘Vermelha paixão salgueirense que invade a alma, tá no sangue da gente’. Qual salgueirense não gostaria de cantar isso? Então, quando a gente para a bateria para a comunidade cantar, traz emoção para o desfile. Por isso somos tão a favor da bossa. Cada um constrói como quer, mas acho que eleva o samba-enredo”.

Sobre fantasia, como foi até hoje a conversa com os carnavalescos que passaram pela escola e como está sendo agora com o carnavalesco para o desfile de 2023?

Guilherme: “Fantasia tem que ser leve e com chapéu pequeno. Tocar cansa, ainda mais se a escola for desfilar tarde. Todo mundo fica pilhado o dia inteiro”.

Gustavo: “O ritmista tem que estar confortável para tocar”.

Guilherme: “Sim, nós ensaiamos o ano inteiro sem fantasia. Imagine chegar no dia e ter que vestir algo pesado, que tampe sua visão ou ouvido”.

CARNAVALESCO
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