Sem grandes nomes do sertanejo, carnaval de Salvador vive retomada do Axé
A perda de espaço do gênero no carnaval ficou evidenciada com o adiamento do bloco do cantor Gusttavo Lima
Das cinco músicas mais ouvidas no Brasil no Spotify, maior plataforma de streaming musical, nesta semana, três são do gênero sertanejo. O retrato, porém, não se refletiu nos circuitos do maior carnaval do País: em Salvador, o sertanejo passou longe dos ouvidos dos foliões que estiveram nas ruas. Foram o Axé e o pagodão que dominaram as mais de 2.600 horas de música durante os dias de folia na capital baiana.
Na última década, o sertanejo marcou presença na capital baiana, principalmente com a dupla Jorge e Mateus, que puxou bloco durante oito anos - até 2018, quando disseram em entrevista que o carnaval não era a “pegada” deles. Mas este ano foi diferente. O cantor Gusttavo Lima até tentou emplacar seu bloco, sem sucesso. Os abadás de R$ 2 mil ficaram encalhados e a assessoria do artista informou o adiamento da apresentação “por motivos técnicos e sobrecarga na agenda”.
A explicação para essa perda de espaço, segundo os amantes do carnaval, se dá, em partes, pelo momento de retomada da maior festa de rua do planeta. “A galera queria curtir o velho e único axé, pular ao som de Ivete e Bell, seguir o Ilê e os nossos blocos afros. Queríamos um carnaval baiano em sua essência”, considera a estudante de direito Maria Eduarda Mascarenhas. A jovem de 23 anos, que adora sertanejo, diz que não conseguiria pular com esses artistas durante o carnaval. “Tenho o resto do ano todo para isso”, afirma.
O compositor Tote Gira, que escreveu o hit O Canto da Cidade há 30 anos, tem a mesma percepção. Para ele, depois de dois anos sem festa, os baianos sentiram “uma necessidade de buscar a luz do carnaval”. “E essa luz está justamente dentro do processo poético principalmente aqui de Salvador, da Bahia, da negritude, do que se chama de Axé Music, da música produzida na nossa própria terra”, disse em entrevista ao Terra.
Carnaval é célula viva
Apesar disso, Tote não vê o afastamento do sertanejo como eterno. Ele reforça que todos os gêneros musicais costumam ter espaço em Salvador, que, para o compositor, “tem coração de mãe”.
Da mesma forma, o presidente do Conselho Municipal do Carnaval de Salvador (Comcar), Joaquim Nery, considera que o sertanejo pode voltar a arrastar foliões nos próximos anos. “A gente avalia sempre que o carnaval é uma célula viva. Ele vai se adaptando aos momentos de verão. O sertanejo poderá retornar em algum momento que houver alguma demanda do público por isso”, afirma.
Esse ano, em específico, o presidente do Comcar sentiu que os baianos queriam “mergulhar nas raízes do carnaval”. “Isso ficou evidente no próprio repertório dos artistas, que resgataram músicas históricas do Axé”, considera. Apesar disso, Nery reforça o dito por Tote. O sertanejo, assim como os outros ritmos, sempre serão bem-vindos em Salvador, mas respeitando o que aqui foi criado.