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Desigualdades sempre existiram, diz Brown sobre Carnaval

Ícone da música baiana e brasileira minimiza ideia de "privatização" do Carnaval e defende que foco de atenção seja outro; leia entrevista

28 fev 2022 - 05h00
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Carlinhos Brown no show 'Paredão Vertical', promovido pela Devassa, em Salvador, no domingo, 27
Carlinhos Brown no show 'Paredão Vertical', promovido pela Devassa, em Salvador, no domingo, 27
Foto: Divulgação/ Victor Carvalho

O Edifício Sulacap, testemunha de icônicos encontros de trios elétricos no Carnaval de Salvador, em 2022 abriu suas portas no último domingo, 27, para músicos e dançarinos que carregam a história da maior festa de rua do planeta. Entre eles, o cantor, compositor e multi-instrumentista Carlinhos Brown, nome forte da música brasileira e um dos ícones do Carnaval baiano.

Pelo segundo ano consecutivo sem a aglomeração nos tradicionais circuitos Dodô (Barra-Ondina), Osmar (Campo Grande) e Batatinha (Pelourinho), em razão da pandemia de Covid-19, Brown prefere encarar esse hiato na folia como um silêncio responsável.

“Nós não estamos nas ruas, mas o Carnaval é um estado de espírito pessoal e que também não precisa de data para acontecer. O estado de Carnaval é um estado de euforia (...) a gente passa por uma pandemia, e era necessário que a gente compreendesse que as distâncias poderiam ser mais efetivas em relação ao cuidado para com o outro”, avalia. 

Em entrevista exclusiva ao Terra Brasil antes de subir a uma das 100 janelas do Edifício Sulacap, no show vertical “Paredão Tropical”, Brown menciona a importância de celebrar a folia em ambientes controlados, mas minimiza o que muitos têm chamado de “privatização do Carnaval”. Na avaliação do artista, as desigualdades sempre existiram. O foco de atenção deveria ser outro.

“Essa desigualdade levou também a um Carnaval no Brasil de extrema violência, que não cabe mais nas ruas. E aí não tem classe social, a violência vem de todos os lados. Eu, verdadeiramente, preferia resolver a questão da violência do Carnaval, porque aí, sim, se resolveriam as desigualdades”, avalia.

Confira a entrevista completa! 

Carlinhos Brown, Gaby Amarantos, Xanddy e Larissa Luz comandaram show vertical que homenageou a música preta percussiva
Carlinhos Brown, Gaby Amarantos, Xanddy e Larissa Luz comandaram show vertical que homenageou a música preta percussiva
Foto: Divulgação/ Victor Carvalho

A gente está no segundo ano sem Carnaval por causa da pandemia, mas gostaria de saber como você avalia esse cenário, que está menos pior do que já esteve. Acha que é acertada a decisão de não termos a festa de rua, com todos aglomerados juntos?

Tem vários quesitos que norteiam esse acontecimento. Eu prefiro analisar, ter olhar de que quando as tradições se silenciam, é porque as pessoas estão dotadas de responsabilidades. O que está acontecendo com o mundo é muito sério. O Carnaval perderia total sentido com o que está acontecendo com a Ucrânia e a Rússia, uma guerra na Europa, e, mais ainda, olhando pelas tradições, tem muito a ver também que existe um outro tipo de celebração que se acomete diferente nas pessoas. Nós não estamos nas ruas, mas o Carnaval é um estado de espírito pessoal e que também não precisa de data para acontecer. O estado de Carnaval é um estado de euforia. Você tem isso quando é seu aniversário. O Natal tem isso, São João então… Acho que não existe maior no Brasil do que o São João. Mas a grande verdade é que a gente passa por uma pandemia e era necessário que a gente compreendesse que as distâncias poderiam ser mais efetivas em relação ao cuidado para com o outro. Acredito no direcionamento que a OMS deu a todos e em dois anos sem Carnaval a gente já tem uma compreensão – as ruas estão mais vazias nesse ano, porque no primeiro ano as pessoas não aceitavam tanto. E foi necessário. Mas isso não significa que não tenha Carnavais organizados, pequenininhos, de uma escola para criança, também com responsabilidade, porque, se isso não acontece, os órgãos estão aí e fiscalizam e não deixam que coisas que possam vir a prejudicar o coletivo vão adiante.

Esse é um ponto. Apesar de não ter festa de rua, está tendo festa fechada. A gente tem acompanhado as pessoas falando em privatização do Carnaval: “O pobre não pode ir para a rua, mas o rico pode”. Você acha que é possível a gente falar em privatização, de fato, ou é só um “paliativo” para a gente não passar a data em branco?

As desigualdades no Carnaval são gritantes e elas não são de agora. É naturalmente. Quando você falou “o pobre não pode”... O pobre não pode nem pular na rua direito, porque ele termina não tendo assistência. São as pessoas mais empurradas, são as pessoas mais agredidas – por muitas vezes por uma segurança desorganizada vinda até dos próprios ambientes governamentais, que poderiam ter segurança militar mais organizada e menos arredia em relação às pessoas que estão brincando. O que é notório e vínhamos gritando sobre direito de arena, camarotização do Carnaval, tudo isso foi questionado e nada como o fato de que essas coisas não deveriam deixar de acontecer, porque elas sempre aconteceram. Roma era assim. Os coliseus cheios de gente, como o Carnaval, ali na forma deles, se eram leões correndo atrás de gladiadores ou qualquer tipo de reação… Sempre houve para o espetáculo alguém que viesse a assistir. Mas é óbvio que as desigualdades no Carnaval não são sugeridas agora, e essa desigualdade levou também a um Carnaval no Brasil de extrema violência, que não cabe mais nas ruas. E aí não tem classe social, a violência vem de todos os lados. Eu, verdadeiramente, preferia resolver a questão da violência do Carnaval, porque aí, sim, se resolveriam as desigualdades.

E como você resolveria essas desigualdades? O que você sugere?

Eu não tenho mais sugestões, eu venho fazendo. É só olhar como a gente vem fazendo, como se organiza. Aqui na Bahia nós temos blocos afros extremamente ameaçados culturalmente, extremamente ameaçados com leis de incentivo que, inclusive, diminui algo que essencialmente é a matriz de tudo o que nós fazemos. Isso, sim, precisa ter correção. E talvez esse silêncio todo traga à tona essa necessidade de que essa alegria seja feita por todos e a gente pode, sim, diminuir essa desigualdade, sobretudo apoiando esses grupos. Eu, hoje, já não acho que grupos como o Ilê Aiyê, Filhos de Gandhy, Cortejo Afro e Malê Debalê precisem cobrar ingresso à sua comunidade, porque nós temos marcas sediadas em nossas comunidades e que a gente consome o ano inteiro. Se essas marcas vêm e apoiam o Carnaval, se apoiam a cidade, poderiam apoiar também essas comunidades, que são os verdadeiros vendedores delas. Não ser apenas uma propaganda dentro de uma cidade, mas uma continuidade de ações culturais dentro das comunidades do Brasil. A gente é muito só e quando chega o Carnaval, aparecem vários falsos íntimos para abraçar o cordeiro, para abraçar a menina que está sambando… Falsos íntimos, porque ele quer para internet uma foto de alegria, quando o que a gente quer dizer é o seguinte: a forma de vencer o preconceito é não vir só no Carnaval, é vir durante o ano. Venha experimentar as comidas que nossas comunidades fazem, todo esse preparatório que nós temos de educar, de trazer o mais importante, que é a manutenção cultural rítmica brasileira. Isso não tem preço. Nenhuma universidade pode oferecer isso, nenhuma escola pode oferecer isso, senão o veículo familiar. Isso vem dos esteios de família do Brasil, e isso, inclusive, é a verdadeira ação das Cortes no Brasil. Só que a gente fica exuberante no Carnaval e quando termina o Carnaval parece que não precisa de mais nada…

Famosos temem risco de guerra após invasão russa à Ucrânia:

E é quando mais precisa, não é?!

Sim, é quando mais precisa. A gente precisa de formação, a gente precisa de educação. Você perguntou como diminuir… É isso: a educação, formação das pessoas. Um homem bem formado é um homem menos violento, já que violência está muito intrínseca no pensamento humano. Mas quando você é informado, você agride menos ou não agride ninguém, porque a gente sabe que dói quando dói em nós. 

O que você espera para o Carnaval em 2023, diante desse silêncio, como você mencionou, que tem servido para a gente refletir?

A primeira coisa: que reaprendamos a ir na rua. Fazer Carnaval é como jogar futebol, é um time desentrosado. O povo está desentrosado de ir para a rua e pode não lembrar mais que tem que, verdadeiramente, saber usar as conduções – não sair quebrando o metrô, os ônibus, fazendo xixi na porta dos outros. Não é uma algazarra; é uma festa coletiva. É saber respeitar essa festa, respeitar quem está vendendo. Às vezes o cara está morrendo de sede, tem grana pra comprar, mas não espera na fila e mete a mão dentro do isopor de uma simples pessoa. Isso é um desrespeito gigante, e isso não tem classe, não. Encontrar nos veículos e pessoas que têm melhor poder aquisitivo para de uma vez por todas compreender a força das comunidades, que por sua vez estão se organizando. Surge bloco no Brasil inteiro, toda hora surge um bloquinho, mas na hora do batuque ele vai na comunidade atrás de quem toca, de quem segura a rítmica daquilo. Que o Carnaval seja nosso, não seja mais um motivo para nos apartar nesse país.

Fonte: Redação Terra
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