Diversidade no carnaval: blocos LGBTQIA+ acolhem foliões durante festa
Presença destes blocos torna festa ainda mais colorida, alegre e representativa
Blocos voltados à população LGBTQIA+ do Brasil contam como misturam alegria com política para criar um ambiente acolhedor e sem preconceitos e assédio para a comunidade.
Além das fantasias criativas, acessórios coloridos, e das músicas felizes, o carnaval também é época para debater representatividade, acolhimento e conscientização contra o preconceito e o assédio. Por isso, blocos pensados por e para membros da comunidade LGBTQIA+ se destacam como espaços para esta população curtir as festas de forma segura e alegre.
O Terra conversou com representantes de alguns blocos sobre a importância de haver locais onde a comunidade LGBTQIA+ faça suas demonstrações de amor e se divirta com menos chances de sofrer discriminações. Para as organizações destes blocos, o carnaval brasileiro ainda é cheio de ambientes que marginalizam a comunidade e, portanto, além de serem espaços para a folia em si, blocos LGBTQIA+ são espaços políticos e fortalecem a comunidade inclusive depois que as festas passam.
Todo mundo pode ser drag queen
Em São Paulo, o MinhoQueens, bloco que pretendia desfilar no elevado conhecido na capital paulista como Minhocão, nasceu de uma brincadeira entre amigos que queriam “um bloco onde qualquer pessoa que quisesse ser uma drag queen, mesmo que fosse apenas no carnaval”. Mama Darling, drag queen e uma das sócias do bloco diz que “seríamos as drag queens do Minhocão, daí o nome MinhoQueens”.
Ainda que o desfile no elevado não tenha sido autorizado no trajeto original, o bloco faz sucesso por uma rotas da região central, no bairro da República, capaz de acolher o público crescente. Neste carnaval de 2024, o lema será “O amor é essencial”, inspirado em um poema de Fernando Pessoa, justamente para levar ao público uma mensagem de amor.
“Mostramos a todos através da celebração da alegria carnavalesca que somos diversos e merecemos viver em harmonia e livres para sermos quem somos”, conta Mama Darling.
Por oferecer um ambiente acolhedor, o público feminino nos desfiles e festas também tem aumentado. “Somos um bloco que abraça todas as letras da comunidade e também a todos que se juntam a nós para celebrar essa festa”, segue Mama Darling.
Além da atuação nos dias de carnaval, blocos como o MinhoQueens, que desfila no próximo dia 10, têm relevância durante todo o ano, seja com festas ou ações sociais. Entre os exemplos de trabalho pós-carnaval, a organização do bloco cita encontros com órgãos públicos para pautar o combate à LGBTfobia e para promover a prevenção a infecções sexualmente transmissíveis. O grupo também realiza ações com a Casa Florescer, centro de acolhimento de mulheres trans e travestis em situação de vulnerabilidade.
“Temos essa parceria com a Casa para que possamos ter uma integração dos foliões do bloco com a comunidade T [trans e travestis], que continua sendo discriminada de todas as letras da nossa comunidade. Durante o carnaval e a Parada LGBT sentimos um interesse grande das marcas em mostrar o quão são inclusivas e diversas, mas e no restante do ano? Esse é o nosso maior desafio”, explica.
Longe dos assédios
Dissidente do primeiro bloco voltado à comunidade LGBTQIA+ do Rio de Janeiro, o bloco Divinas Tretas desfila em 2024 pelo seu segundo ano como um espaço acolhedor, em especial, para mulheres lésbicas. Em 11 de fevereiro, o bloco sai no bairro do Flamengo.
“Acreditamos que os blocos LGBTQIA+ se organizam para proporcionar espaços de segurança e acolhimento. Esse público, no qual nós estamos inseridas, costuma sofrer preconceito e assédio em qualquer tipo de espaço, inclusive em blocos. Criando ambientes seguros, nós fortalecemos nossa comunidade e aumentamos a cada ano a representatividade, firmando a nossa existência no mundo. (...) Proporcionar espaços seguros amplia o leque de opções democráticas e ambientes respeitosos e diversificados do carnaval carioca. Nosso carnaval é para todes!”, diz Karolyna Gomes, responsável pelo tamborim das Divinas Tretas.
Para Karolyna, uma das principais vantagens do bloco do qual faz parte é a ausência de brigas. Com o clima de pertencimento e respeito, todo mundo canta junto, “num espírito de união e felicidade”. Ainda com estes pontos positivos, ela acredita que o poder público possa potencializar a voz da comunidade a partir do carnaval. “As secretarias de cultura do estado e do município deveriam tratar o carnaval de rua como um ativo cultural não somente durante o período da festa. Deveriam se utilizar do posicionamento espontâneo das ruas para ampliar a conscientização por direitos, além da valorização das diversas pautas, incluindo as do público LGBTQIA+”, reflete.
O saldo, no entanto, vem sendo positivo: assim como bloco paulistano, o impacto do Divinas Tretas perdura o ano todo. Há diálogos sobre temas importantes nas redes sociais do grupo e participações de suas componentes em debates públicos. Além da diversão, o bloco usa sua plataforma como fonte de informações sobre saúde, direitos humanos e datas importantes para a comunidade.
“Todes têm liberdade de se vestir como quiser, de se portar como quiser, sem precisar se esconder ou usar as máscaras que a sociedade nos impõe. Máscara ali, só de carnaval! Assim nós fortalecemos o indivíduo para que ele mesmo faça a diferença na sociedade ao longo do ano (...) Esse sentimento de liberdade e felicidade que se experimenta em um bloco LGBTQIA+ segue com o folião ao longo do ano, e as cores do arco-íris aos poucos vão colorindo esse mundo tão cinza, tornando-o bem menos amargo”, opina Luz de Lucena, voz do Divinas Tretas.
'Celebrar a vida'
Já no primeiro cortejo ocorrido em 2017, o Abalô-caxi rapidamente virou referência em Belo Horizonte, por pautar a diversidade e a luta LGBTQIA+ pela cidade. "Jogamos nossos corpos na rua, para celebrar a vida e a tropicália, movimento histórico de resistência no Brasil”, explica a presidente do bloco, Giselli Maia.
Ainda que saia no centro da capital mineira durante o carnaval, o bloco tem presença o ano todo em diversas regiões de Belo Horizonte, como nos ensaios no projeto Okupa Abalô. Para Giselli, esta é uma forma de descentralizar a cultura e valorizar a produção cultural LGBTQIA+ periférica existente na cidade.
“Reforçamos por todo canto que existimos, resistimos e o carnaval é uma de nossas formas de lutar. Estamos no cenário atual porque muitos já vieram e construíram caminhos antes de nós. (...) O bloco tem em sua essência a luta pela liberdade e a responsabilidade com o uso do espaço da rua, com o respeito com cada sujeito que participa, seja parceiro, batuqueiro, produção ou folião. Celebramos, por meio da música e da arte a vida, o direito de todas as pessoas. (...) Botamos nossa cara no sol para reforçar que, a cada passo que damos em conjunto, somos mais fortes e que somos muites”, continua Giselli.
Ela cita, como momentos marcantes do Abalô-caxi ao longo dos anos, pedidos de casamento de “gays e sapatões”, além de intervenções que coloriram a cidade, como um bandeirão gigante e o uso de fumaças coloridas, manifestações para chamar a atenção “para a luta por direitos em BH”.
“Nossa ocupação na rua vai para além do carnaval. Construímos intervenções na cidade e participamos de espaços que debatem a saúde, o direito à educação, [espalhamos] lambe-lambe de fotografias pelo centro da cidade durante a pandemia, [participamos] da própria parada LGBT+. Sempre pautando uma disputa do espaço também por estes sujeitos e reforçando que nós construímos essa cidade”, finaliza.
Diálogo e progressismo
Em 2024, o Bloco da Diversidade alcança a marca de dez desfiles nas cidades de Recife e Olinda. Nos doze anos de existência, o grupo só não desfilou em duas ocasiões: quando as restrições de Covid-19 estavam em andamento e em um ano em que uma das integrantes não estava bem de saúde. Pioneiro da representatividade LGBTQIA+ no estado, o bloco foi fundado por cinco mulheres lésbicas. “A primeira edição saiu com o lema ‘Minha cama, minha vida’, que era uma brincadeira com o nome da política social de moradia do governo Lula”, explica a coordenadora do bloco, Irene Freire. Para ela, a referência ao "Minha casa, Minha Vida" já demonstrava o interesse pela pauta dos direitos humanos de modo geral.
“No ano passado, o tema foi ‘Tire sua fantasia do armário’. Cada ano é um. É uma brincadeira, sempre trazemos o lúdico e o lírico ao mesmo tempo. Mas também tem uma parte sempre muito séria também. Por isso, alcançar vários espaços é tão importante. Nós já dialogamos e saímos junto com o maior bloco do Recife, o Galo da Madrugada. Já trouxemos também essa mensagem para dentro do Galo, que aí a gente dialoga com milhões”, segue Irene.
O bloco, que mistura samba, maracatu, frevo, começa tradicionalmente com uma feijoada, para ninguém “cair de fome”. "A gente tem que alimentar o povo, para sair bem legal”. No Bloco da Diversidade, camisas do desfile são trocadas por dois quilos de alimento não perecível, numa parceria com a Articulação e Movimento de Travestis e Transexuais de Pernambuco (Amotrans-PE). Ainda com o propósito social, Irene vê “o entendimento de sociedade” como a principal dificuldade para sair todos os anos, afinal não é incomum que os muitos grupos representados no bloco enfrentem olhares maldosos pelas ruas por onde passa.
"O desafio é observar as caras e bocas para o nosso bloco. Tanto Olinda como Recife são cidades progressistas. Mas além da nossa dificuldade financeira, tem essa dificuldade de conseguir dialogar. A gente precisa informar e desenhar às vezes, né? O Brasil passou por um processo de muito retrocesso e a sociedade ainda é muito conservadora”, diz Irene.
Ainda assim, o saldo para ela é positivo: do casamento entre duas integrantes do bloco, passando por episódios em que mulheres cis, trans e travestis protestaram com seios de fora, o bloco, que saiu na rua Treze de Maio, em Olinda, no último dia 3, e sai no dia 8, na rua da moeda, em Recife, continuará forte e promovendo a diversidade.