Carnaval dos Estandartes: desemprego atrela lucro à curtição
Sacolés alcoólicos, wraps veganos, tabacos e cachaças: foliões aproveitam os dias de festa para driblar o desemprego e lucrar
Fevereiro é época de festa, desfile na avenida, curtição atrás dos trios elétricos e cortejos. E, nos últimos anos, mais um elemento tem marcado presença nos bloquinhos carnavalescos pelo país: os estandartes coloridos que anunciam os mais variados produtos nas mãos de quem, além de curtir a festa, também quer tirar aquela graninha extra. Com a taxa de desemprego no país chegando a 11,2% em janeiro deste ano, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), essa foi a solução encontrada pelos brasileiros para atrelar curtição com lucro. E não é que dá mesmo para aproveitar essa tão esperada época do ano para ganhar dinheiro?
Foi o caso de Érica Lemos, de 27 anos, e Guilherme Fontes, de 28. O casal preparou cachaça de gengibre para comercializar durante os dias de festa e chegaram a vender um litro por hora durante os blocos. A propaganda ficou por conta do estandarte, que anunciava aos presentes uma alternativa para quem queria outra opção além da clássica cervejinha. “Não nos preocupamos em anunciar o produto. Ficamos curtindo o bloco e as pessoas saem de onde estão e vêm até nós por conta do estandarte, que faz todo o trabalho”, afirma Guilherme.
O sabor, que faz sucesso entre os foliões, também é a opção de produto comercializado há sete anos por Thais Pinheiro, de 30 anos. A bebida, que está curando há um ano, é artesanalmente feita pela própria psicóloga, que vende mais de 20 litros por dia. Mas é exclusivamente para as vendas que Thais vai às ruas durante o carnaval: “Se não fosse por isso, eu não ia ter grana para curtir a festa. Esse trabalho é o que me possibilita estar aqui, e só estou curtindo um pouco porque estou vendendo”. Situação semelhante à de Renata Abreu, de 28 anos, que, há três, vende cachaça de jambu nessa época do ano: “Preferia estar só curtindo, mas o desemprego no Rio de Janeiro está complicado”, confessa a carioca. A cachaça vem direto do Pará, e Renata vende mais de dez litros da bebida por dia.
Além de gengibre e jambu, também tem cravo e canela nos sabores dessa folia: é com a venda da cachaça Gabriela que as artistas visuais Rafaella de Souza, de 23 anos, e Sofia de Souza, de 29, pretendem tirar o dinheiro necessário para realizarem o sonho de morar juntas. Esse amor de três carnavais começou ainda na faculdade, onde se conheceram e foram se aproximando ao longo do curso. As artistas, que acabaram de se formar, atualmente se encontram desempregadas e sem perspectiva de emprego. Foi assim que, desde dezembro, pensaram no carnaval como uma boa oportunidade para arrecadar dinheiro: “A nossa cachaça demora mais de 15 dias para curar, então começamos a nos preparar em dezembro para conseguirmos fazer alguns litros e comercializar. Carnaval é sempre uma boa época para tirar uma graninha”, conta Rafaella. “Dá para se divertir bem e vender bem”, completa Sofia.
Geladinho, laranjinha, gelinho, chup-chup, dindim, sacolé… Em cada canto do país, o famoso picolé artesanal servido no saquinho plástico recebe um nome diferente. O sucesso se deve à praticidade e refrescância, tão necessários durante o verão. Foi pensando nisso que Emerson Cavalcanti, de 29 anos, preparou o “drinkolé”, um sacolé que, ao invés de água, leva bebida alcoólica na composição. Nos sabores caipirinha, piña colada, sex on the beach e batidas de coco, morango ou maracujá, Emerson chegou a vender 40 unidades do produto em menos de 30 minutos, logo na manhã do primeiro dia de vendas, o sábado de carnaval: “As vendas estão sendo melhores do que eu imaginava, cheguei até a receber propostas de encomendas para mais sacolés”. O fotógrafo também se encontra desempregado e, para conseguir se manter, vende palha italiana e cookies durante a semana no bairro onde mora, na zona norte carioca.
O chamado “sacolé alcoólico” também foi comercializado pelo casal André Britto, de 31 anos, e Suelen Sathler, de 29. Batido com a polpa do açaí e a bebida Catuaba, o “catuçaí” é uma bebida tradicional de Minas Gerais, onde é servida como drinque. Aqui no Rio, a sócia de André, Ana Catarina, teve a ideia de colocar a formulação no saquinho e, há cinco anos, comercializam o produto durante os dias da maior festa de rua do país. A propaganda é em peso: são dois estandartes estendidos por bloco, anunciando o produto artesanal. Suelen, namorada de André, veio junto este ano para as vendas, e garante que a tarefa não compromete em nada a curtição do carnaval: “É difícil ter dinheiro para curtir o carnaval com tranquilidade, né? Então, vender e curtir é a união perfeita entre duas coisas que gostamos muito, que é aproveitar os bloquinhos, ficar perto dos músicos e fazer uma grana”.
Cachaças de todos os sabores, drinques no saquinho, sacolés alcoólicos… Esse povo não sente fome não? Quem quis meter “o pé na jaca” nesse carnaval mas sentiu aquela fominha durante os blocos não ficou desamparado: Gabriel Ernestto, de 29 anos, preparou tortilhas de jaca para vender nos dias de folia. O carioca chegou a vender sacolés no carnaval passado, mas teve dificuldade para o transporte e refrigeração do produto. Gabriel observou que algo que fazia falta entre as opções para os foliões: comida. “Queria fazer algo nutritivo e que não fosse muito pesado, então pensei em uma comida vegetariana. Daí, por que não logo vegana, para atrair mais clientes?”, conta Gabriel, que teve inspiração na viagem que fez para a Chapada Diamantina, na Bahia, em 2017, para elaborar o produto. “No Vale do Capão, comi muita carne de jaca, em pastéis, coxinhas e wraps. O meu sacolé também era inspirado na Bahia, o sabor mangaba fazia muito sucesso por aqui. A tortilha tem sido bem procurada pelo pessoal, comecei a vender uma semana antes do carnaval e em um dia chego a vender mais de 80 unidades”, conta. Além de matar a saudade da Bahia, o estudante de geologia, que atualmente está desempregado, aproveitou o carnaval para lucrar: “Precisei trancar a faculdade para trabalhar, e o carnaval é uma boa oportunidade para eu conseguir tirar uma graninha boa”.
Mas não foi só de comes e bebes que os blocos de rua foram agraciados. Quem estava à procura daquele “tcham” para compor a fantasia pôde contar com o glitter biodegradável produzido por Luis Eduardo Castro. Este foi o segundo carnaval em que o jovem de 23 anos purpurinou os rostos de quem foi atrás da plaquinha dele nos blocos: “Por onde eu passo, as pessoas me procuram. Saio todos os dias de carnaval com a placa, os potinhos de glitter e uma fantasia diferente que eu mesmo costuro”. O produto foi feito pelo próprio Luis Eduardo, com pó de mica e corante alimentício, e é livre de microplásticos, que poluem o meio ambiente por serem tão pequenos que não podem ser reciclados.
Para dar uma acalmada nos ânimos e baixar um pouco a pressão dos foliões, Giovana Marques, de 22 anos, e Fernanda Medeiros, de 20, levaram tabacos orgânicos para vender nas ruas. As jovens também venderam bebidas no carnaval passado mas, por conta do peso, optaram por algo mais leve este ano.
A melhor época de ano para colecionar momentos inesquecíveis com os amigos é uma tentação para querer levar o celular para a festa, o que pode ser uma furada. Então, como eternizar os instantes épicos? Dylan Brown, de 27 anos, deu a solução: fotos instantâneas! Formado em relações internacionais, o estadunidense vive no Brasil há quatro anos e sempre quis vender algo para ganhar dinheiro durante a folia: “Percebi que ninguém aqui no Rio vendia fotos Polaroid, então resolvi comercializar”. A carioca Beatriz Lopes, de 20 anos, ajuda nas vendas do namorado e afirma que o dinheiro que arrecadam contribui para curtirem o próprio carnaval. Juntos, o casal vendeu uma média de 300 fotos durante os dias de festa. De fato, no carnaval, cada instante é um flash!