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'Casablanca' teve um começo difícil e estrelas não esperavam que filme se tornasse um clássico

Um dos maiores filmes de todos os tempos, 'Casablanca' completa 80 anos; conheça os bastidores da produção

27 jan 2022 - 10h10
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As filmagens não tiveram um bom começo no set do estúdio da Warner Bros em Hollywood em maio de 1942. O roteiro estava pela metade, a protagonista não sabia como interpretar seu papel, e o protagonista estava hesitante porque nunca estivera em um papel romântico.

Então, como Casablanca se tornou o filme icônico que é hoje, supostamente o filme mais assistido no mundo e quase certamente o mais citado - "Ele está olhando para você, garota", "Reunindo os suspeitos de sempre", "Sempre teremos Paris" - da história?

Bem, uma coisa engraçada aconteceu no caminho para o cinema: de alguma forma, todas as peças conseguiram se encaixar. Casablanca foi popular nas bilheterias, recebeu críticas positivas da crítica e até ganhou três prêmios da Academia, incluindo Outstanding Motion Picture (categoria conhecida desde 1962 como Melhor Filme).

"As estrelas estavam todas alinhadas", disse o historiador de cinema Noah Isenberg, autor de We'll Always Have Casablanca. "Foi um milagre."

Casablanca completa 80 anos voltando às telas. Está sendo exibido nos cinemas de todo os Estados Unidos pela TCM Big Screen Classics com a Fathom Events. Oito décadas depois, um filme cujos astros e estúdio viram poucas chances de grande sucesso continua a cativar o público como poucos.

O elenco de primeira linha do filme incluía Humphrey Bogart como o cínico e ardente Rick Blaine, Ingrid Bergman como sua ex-amante Ilsa Lund e Paul Henreid como seu patriótico, mas enfadonho marido Victor Laszlo. O triângulo amoroso - escandaloso para Hollywood na época - alimenta a tensão do filme quando uma sucessão de refugiados desesperados visitam o Rick's Café Américain no Marrocos enquanto tentam escapar da crueldade da Europa ocupada pelos nazistas.

Esta história épica de amor, traição e sacrifício tendo como pano de fundo a Segunda Guerra Mundial atraiu a atenção do público em um grau que surpreendeu as pessoas que o criaram.

"Nenhum deles previu que o filme seria tão bem recebido", disse Isenberg. "O diretor Michael Curtiz nem tinha um discurso de aceitação pronto quando ganhou o Oscar de Melhor Diretor. Com um sotaque húngaro, ele se levantou e disse hilariamente: 'Sempre uma dama de honra. Nunca uma mãe.' "

De fato, era uma maravilha, especialmente considerando como a produção havia começado. Com o roteiro ainda sendo escrito, Bergman se preocupava em como interpretar Ilsa. Ela amava Rick ou Laszlo? Bergman disse que não sabia.

Bogart estava igualmente inseguro porque nunca havia interpretado um protagonista romântico. Ele deixou sua marca como um cara durão interpretando Duke Mantee em A Floresta Petrificada, Roy "Mad Dog" Earle em Seu Último Refúgio e Sam Spade em O Falcão Maltês: Relíquia Macabra, agora considerado um clássico do cinema noir.

"Bogart não gostava muito do personagem", disse Ben Mankiewicz, crítico de cinema e apresentador do Turner Classic Movies. "Bogart e Bergman não tinham química no começo. Como podemos ter a maior história de amor de Hollywood já contada com tudo isso acontecendo? Quando você percebe que isso aconteceu, tudo sobre o filme se torna emocionante."

Casablanca passou por vários conjuntos de escritores. Começou como uma peça não produzida, Everybody Comes to Rick's, de Murray Burnett e Joan Alison, que criaram muitos dos temas comoventes que aparecem no filme. Em seguida, os irmãos gêmeos Julius e Philip Epstein trabalharam nos diálogos espirituosos e nos novos arcos da história antes de entregar o roteiro para Howard Koch. Casey Robinson, que foi trazido para dar uma força nas cenas de amor, não recebeu os créditos.

Os Epsteins e Koch dividiriam o Oscar de melhor roteiro. Apesar desse reconhecimento, Julius Epstein admitiu mais tarde que o roteiro tinha "mais milho do que nos estados de Kansas e Iowa juntos. Mas quando o milho funciona, não há nada melhor".

Além disso, o filme poderia nunca ter sido feito se o leitor do estúdio Stephen Karnot não o tivesse lido na data que o fez: 8 de dezembro de 1941, um dia depois que os japoneses atacaram Pearl Harbor, atraindo os relutantes Estados Unidos para a Segunda Guerra Mundial. Karnot empurrou Casablanca como um filme promissor a ser realizado. A hora certa é tudo, como dizem.

"Vamos supor que ele tivesse lido na sexta-feira, 5 de dezembro", especula Mankiewicz. "Será que ele ainda acharia que valia a pena produzir? De repente, essa ideia teve muito mais ressonância emocional na segunda-feira, 8 de dezembro. Ainda bem que ele não tirou o dia de folga."

A censura desempenhou um papel importante na produção de filmes no auge de Hollywood. Casablanca passou por inúmeras mudanças de roteiro por causa de dispositivos de enredo e diálogos considerados inadequados para os padrões morais da época. Reescritas inteligentes foram necessárias para manter o enredo fluindo.

"Ilsa não pode ficar com Rick porque isso equivaleria a tolerar o adultério", disse Isenberg. "Isso foi um grande não para a época. A única razão pela qual Rick e Ilsa puderam ter esse tórrido caso em Paris às vésperas da ocupação nazista foi porque se supunha que Laszlo estava morto."

Tudo isso, é claro, eventualmente leva Bogart, como o Rick de coração partido, a proferir a frase imortal: "De todas as espeluncas, em todas as cidades, em todo o mundo, ela tinha que entrar bem na minha".

O elenco de apoio ajudou o filme a brilhar com uma paixão pessoal por seu enredo. No fundo, Casablanca era um filme sobre refugiados interpretado por refugiados. Muitos dos figurantes - incluindo Marcel Dalio como Emil, o crupiê, S.Z. Sakall como Carl, o garçom, e Helmut Dantine, como Jan, o jogador de roleta búlgaro - haviam escapado da Europa para evitar a perseguição nazista. Talvez a performance mais emocionante de um figurante tenha vindo de Madeleine Lebeau, que fugiu de Paris com seu então marido Dalio antes da invasão alemã em 1940, e que lidera uma versão manchada de lágrimas de La Marseillaise e gritos de "Viva a França! Viva a democracia!"

Claro, Casablanca foi um filme de propaganda. Os censores militares ficaram de olho na produção para garantir que o filme enviasse a mensagem certa ao público americano sobre o apoio ao esforço de guerra.

"Esta história é contada através desses três heróis que preferiam estar fazendo outra coisa", diz Mankiewicz. "Eles acabam fazendo a coisa certa porque é a coisa certa a fazer. Eles tomam as decisões certas fazendo sacrifícios. Era isso que estávamos pedindo ao país na época."

Como Bogart disse como Rick: "Os problemas de três pessoas não chegam a um monte de feijão neste mundo louco".

Milagrosamente, Casablanca conseguiu superar tudo isso e ser considerado um dos maiores filmes de todos os tempos. Como escreveu o crítico de cinema Andrew Sarris, o sucesso do filme foi o "mais feliz dos acidentes felizes". O crítico Roger Ebert disse que, cinematograficamente, Cidadão Kane é um filme muito melhor, mas Casablanca é "mais amado".

Mesmo Bergman, que muitas vezes relutava em falar sobre suas performances, ficou surpresa que o filme tenha perdurado ao longo das décadas. Mais tarde, ela disse: "Sinto que Casablanca tem vida própria. Há algo místico nele. Parece ter preenchido uma necessidade, uma necessidade que existia antes do filme".

Isenberg ecoou esse sentimento: "Casablanca, como muito poucos filmes, consegue nos agarrar. Fala-nos indiscutivelmente mais do que qualquer outro filme porque entra em arquétipos. São tantos, que o romancista e acadêmico italiano Umberto Eco escreveu: "Casablanca não é apenas um filme. São muitos filmes." Em outras palavras, não é apenas um filme, é O filme."

Para os fãs de cinema que nunca viram Casablanca - ou nunca viram na tela grande - seu retorno aos cinemas pode ser apenas, como diz Rick na famosa cena final, "o início de uma bela amizade".

O filme pode ser visto, também, na HBO Max, YouTube Filmes e OldFlix. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

Estadão
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