Caso Jewell expõe bomba nociva de FBI e jornalismo enviesado
Filme 'O Caso Richard Jewell' conta a história do segurança que encontrou uma bomba em Atlanta, em 1996, e passou de herói a terrorista
Com estreia controversa nos Estados Unidos, O Caso Richard Jewell (2019) é mais um longa que expõe o modo como o jornalismo mal apurado, enviesado e sem ética pode ser nocivo para a vida das pessoas, ainda mais quando combinado com as más práticas de investigação do FBI, o Departamento Federal de Investigação dos Estados Unidos, mostrados neste caso específico. A trama, baseada em uma história real, conta como um segurança que trabalhou nas Olimpíadas de Atlanta, em 1996, ajudou a encontrar uma bomba colocada por Eric Rudolph no Centennial Park, mas passou de herói a terrorista graças à polícia e imprensa. O longa chega às telas brasileiras em 2 de janeiro de 2020.
Segurança bem treinado, o protagonista da história – interpretado por Paul Walter Hauser –, cumpre com os procedimentos-padrões e evita que uma tragédia ainda maior aconteça em um espaço público. Ao identificar uma mochila suspeita, convoca especialistas para o local e toma a iniciativa de isolar a área.
O personagem principal do caso, porém, vê sua vida virar de cabeça para baixo ao ser responsabilizado por um crime que não cometeu. O FBI enxerga nele um perfil de terrorista herói: pessoa solitária, com pouco traquejo social e que busca aprovação ou reconhecimentos alheios. Durante as investigações, um dos agentes (John Hamm) sopra para uma jornalista anti-ética (Olivia Wilde) que o segurança está na mira das investigações. E é aí que a trama ganha corpo.
O Caso Richard Jewell oferece um belo exercício de repensar a prática jornalística, assim como foi nacionalmente o famoso "Caso Escola Base", no qual o motorista de um centro educacional de São Paulo foi acusado por abusar de crianças, mas era inocente. Ou então o filme Spotlight, trama vencedora do Oscar de Melhor Filme em 2016, que contou a investigação feita por um grupo de jornalistas de abusos de crianças por padres católicos, acobertados pela Igreja.
A trama de Eastwood é baseada em uma rica história, um conteúdo que deve ser repensado, mas com execução que poderia ter sido melhor executada.
Com um pouco mais de duas horas de filme, as atuações de Kathy Bates e de Paul Walter Hauser são o ponto alto do filme. É notável a mudança de fisionomia dos atores, que escancaram em seus rostos a alegria e a dor das situações que enfrentam na trama. O destaque vale também para o intérprete do protagonista, e seu discurso quase servil para as entidades que passam a condená-lo. A controvérsia sobre a representação da jornalista mulher, no entanto, não é algo que deve ser deixado de lado.
Furo de reportagem vs. ética jornalística
Na ânsia de ver na capa do jornal uma matéria que expõe o principal suspeito de um crime que matou duas pessoas e deixou mais de 100 feridos em plena Olimpíada, a repórter atribui ao segurança o atentado. Com isso, descumpre um critério básico jornalístico: a apuração. A personagem de Olivia sequer checa com outra fonte, mesmo tendo declarado a intenção, e troca informação com o policial do FBI por sexo.
Em poucas semanas, Richard e sua mãe, Bobi Jewell (Kathy Bates), passam a ser vigiados e perseguidos por diversos veículos de comunicação, além da própria FBI e a sociedade como um todo.
Toda a perseguição contribui para um Richard ainda mais introspectivo e amedrontado, características que constroem no personagem um distanciamento com o seu próprio lugar de protagonista dentro da história. No sentido contrário, polícia, jornalista e até a mãe, Bobi, são retratados de modo mais caricaturado.
Controvérsia sobre Kathy Scruggs
Estreando nos Estados Unidos no dia 13 de dezembro de 2019, o mais novo filme de Clint Eastwood levantou um debate sobre como a jornalista Kathy Scruggs é retratada em seu longa. Em uma cena particular, a personagem de Olivia Wilde troca informações sobre a investigação do caso por sexo.
A reação imediata incluiu uma carta do Atlanta Journal-Constitution (AJC), veículo que publicou a primeira denúncia sobre Richard Jewells como o principal suspeito do caso, pedindo uma retratação do diretor Clint Eastwood, do roteirista Billy Ray e da Warner Bros.
“Tal retrato apresentado (pelo filme) insinua que o AJC explorava os seus funcionários ou então facilitava ou tolerava a oferta de gratificações sexuais em troca de estórias. Isto é completamente falso e malicioso, e é extremamente difamatório e prejudicial”, diz a carta que solicita ainda, “reconhecimento público de que alguns eventos foram imaginados para fins dramáticos e de que a licença poética e a dramatização artísticas foram usadas na representação do filme”.
De acordo com o site Variety, a Warner Bros. emitiu um comunicado afirmando que as alegações do Atlanta Journal - Constitution são infundadas. “O filme é baseado é uma ampla gama de fontes de alta credibilidade. Não há dúvida de que Richard Jewell era um homem inocente cuja reputação e vida foram destruídas por um erro judiciário. É lamentável e a ironia final de que o AJC, tendo sido parte da corrida em julgar Jewell, esteja agora tentando prejudicar nossos cineastas e elenco. O Caso Richard Jewell se concentra na vítima real, procura contar sua história, confirma sua inocência e restaurar seu nome”. A declaração, porém, não aborda diretamente as objeções do jornal à representação de Eastwood da jornalista Kathy Scruggs.
Assista aqui ao trailer: