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'Estou Me Guardando para Quando o Carnaval Chegar', de Marcelo Gomes pensa o País

Com título inspirado em verso de Chico Buarque, documentário abre a nova Sessão Vitrine

11 jul 2019 - 03h11
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Sem patrocínio, a Sessão Vitrine estava ameaçada de acabar, mas, graças a parcerias digitais, ganha vida nova e recomeça nesta quinta, 11, cheia de novidades. Além dos ingressos mais baratos, R$ 15 e R$ 7,50, os filmes estreiam simultaneamente em salas e VOD.

O primeiro programa da nova Vitrine é Estou Me Guardando para Quando o Carnaval Chegar. O documentário de Marcelo Gomes reserva o crédito do título - o verso de Chico Buarque - para o final. Poderá ser uma surpresa, e até um choque. Quem canta é O Grivo, à maneira de João Gilberto, o grande artista que morreu no fim de semana.

O timing do lançamento não está tanto nessa homenagem ao grande João. "Estou muito contente que o filme entre nesse momento, porque ainda vai alimentar uma discussão sobre a reforma da Previdência", diz o diretor. Em fevereiro, o assunto já surgira quando Estou Me Guardando passou na mostra Panorama, do Festival de Berlim. Em primeira pessoa, Gomes lembra as viagens que fazia com o pai, quando criança. O pai era coletor de impostos. Percorriam as cidades do árido pernambucano. Toritama era uma delas. Não tinha nada.

De passagem por Toritama, numa era mais recente, Gomes fez uma descoberta assombrosa, antecipada pela surpresa que ele proporciona ao espectador - certos outdoors sobre os quais não é bom falar, para não estragar o impacto visual. A pequena e desolada Toritama virou a capital do jeans. Sobrou uma senhora que ainda se define como agricultora e o homem que se arrisca atravessando com suas cabras a rodovia asfaltada. Em Toritama, todo mundo vive do e para o jeans. As casas abrigam pequenas empresas familiares e as pessoas trabalham de sol a sol no próprio negócio. Parece a suprema felicidade - ninguém tem patrão. Para Gomes, é um pesadelo, quando não um filme de terror.

"Essas pessoas se tornaram escravas do próprio tempo. Não fazem outra coisa senão trabalhar. A fabricação de jeans se faz em escala industrial. Cada peça é desmembrada e cada pessoa faz sua parte. Quanto mais produz, mais ganha, mas é uma ilusão. Não existe garantia nenhuma. Nem vínculo, nem saúde, nem aposentadoria. Essa é uma herança do neoliberalismo de (Margaret) Thatcher e (Ronald) Regan, que colocaram na cabeça das pessoas essa ganância."

Durante o ano inteiro, a população de Toritama, homens e mulheres, trabalha. E aí, no carnaval, a cidade para, vira fantasma. "Todo mundo vai para a praia, curtir o carnaval no Recife. Como não têm dinheiro - não têm poupança -, as pessoas vendem tudo. Quando voltarem para casa, começarão tudo de novo."

Para refletir sobre essa situação, o diretor cria uma imagem perturbadora. O grupo, na praia, usa fantasias de terror, a máscara de Pânico. Grande diretor de ficção, Gomes fez filmes como Cinema, Aspirinas e Urubus e o ensaístico Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo, com Karim Aïnouz. Essa incursão pelo documentário lhe permite não apenas pensar o Brasil, mas também viajar na lembrança. "A presença de meu pai ficou muito forte, muito viva, mas não queria impregnar o filme de nostalgia. Estou Me Guardando é sobre outra coisa. É sobre o trabalho, e o tempo."

O som das máquinas está sempre presente, e os movimentos adquirem sensualidade, parecem dança. Há muitos homens nessa atividade têxtil. Gabriel Mascaro já refletiu sobre esses corpos em Boi Neon - aqui, é consultor artístico. Gomes corta o som, e o resultado é mais angustiante ainda. O movimento repetido transforma as pessoas em máquinas. Macunaíma - cada um por si e Deus contra todos. "O filme também é sobre o efêmero. Da vida, do hedonismo do carnaval." No desfecho, está todo mundo sonhando - 365 dias de dureza até o próximo carnaval.

Estadão
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