'A Origem' vai fundo nas ideias por trás dos sonhos
- Carol Almeida
Amamos o cinema por motivos diversos. Porque é o escurinho ideal para primeiros encontros, porque é o melhor lugar para combinar pipoca e refrigerante ou simplesmente porque é "a maior diversão". Mas amamos cinema, sobretudo, porque ele é o arquiteto de uma realidade que nos faz, por alguns instantes, acreditar na verdade da ficção. E essa é a maior subversão de qualquer arte. Afinal de contas, somos acostumados, equivocadamente, a associar a ideia de verdade à da própria realidade. E se você for à fundo nos significados dessas duas palavras - verdade e realidade -, vai entender que A Origem, de Christopher Nolan é o cume na escalada do entendimento cinematográfico.
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Porque esta produção que, curiosamente, concorre este ano ao Oscar por Melhor Filme, mas não por Melhor Diretor, é a arte de nos fazer acreditar que a realidade é verdadeira até que se prove ficção. E eis que despertamos, no meio do filme, para entender que ficção sempre foi e sempre será nossa mais estimada verdade. E que a realidade, bem, a realidade é um conceito construído socialmente e, portanto, completamente manipulável por aquilo que faz o homem ir e vir na história: a ideia. O que Nolan nos mostra com seu novo filme não é uma ficção, é uma ideia. E são grandes as chances de você se contaminar com ela. Afinal de contas, essa ideia é brilhante.
A premissa de A Origem, título que passa uma mensagem completamente distinta do nome original do filme - Inception - é de que é possível manipular o inconsciente do ser humano a partir de uma muito bem elaborada técnica que introduz uma ideia em qualquer pessoa a partir de seu sonho. Para esta técnica se dá o nome em inglês de Inception. Se não foi literal, a adaptação brasileira para o título do filme também não é infeliz. A Origem dá conta de algo que é macro e está na base de todas as informações que circulam no filme, das coisas que passam batidas pelo nosso cotidiano de poucos raciocínios epistemológicos, mas que estão na origem de nosso comportamento.
Portanto, se você conseguiu chegar até este ponto do texto, um último esclarecimento, caso não tenha ficado claro: este não é um filme para cabeças preguiçosas.
Tendo isso dito, existem vários níveis de experiência do filme e talvez por isso mesmo a bilheteria americana tenha se mostrado vigorosa. Porque, a princípio, A Origem é sobre uma "gangue" de especialistas, os melhores do ramo, em injetar ideias no inconsciente alheio. Simples assim. Digamos então que os personagens poderiam funcionar como super-heróis que, logo no começo da história, se reúnem para assumir uma missão no melhor estilo Liga da Justiça (ou Vingadores, que está mais na moda).
Os heróis (ou vilões)
O protagonista é vivido por Leonardo DiCaprio, o homem que guarda seus afetos em pesadelos. Seu nome é Cobb, ou "O Extrator", responsável por orquestrar e escalar toda a equipe para entregar sua encomenda. Ao lado dele, entra em cena Ellen Page como Ariadne, a "Arquiteta" e, tal qual sua homônima na mitologia grega, a tecelã dos sonhos, pessoa que vai projetar a ilusão de espaço que temos quando estamos nessa dimensão inconsciente. A descrição da função de cada membro da equipe deve parar por aí, caso contrário se corre o risco de estragar todas as reviravoltas que vão fazer o espectador projetar seu corpo para frente, como se você fosse finalmente acordado do sonho compartilhado que é estar dentro de uma sala de cinema.
Os personagens de Joseph Gordon-Levitt, Tom Hardy, Dileep Rao e Ken Watanabe cumprem as demais tarefas do time, trabalhos intricados que só podem ser realizados pelos novos super-heróis (ou vilões) do mundo tal como o conhecemos: os manipuladores. Por trás de todas essas mensagens subliminares, Nolan constrói seu Lego pessoal colocando por trás de vários conceitos uma mensagem de que o amor é o sedimento de nossas maiores qualidades e defeitos e que é no amor que nosso id, ego e superego sempre escorregam.
Sim, Cobb tem uma kriptonita e ela responde pelo nome de Mal. Qualquer coincidência com o que a língua portuguesa entende pela palavra deve ser mera semelhança. Mal é Marion Cotillard, a atriz que sempre é capaz de encerrar o drama do mundo com a placidez de uma garça. Mal é a "A Sombra", aquilo do qual não conseguimos nos separar.
O cinema "Nolaniano"
Com A Origem, Christopher Nolan - o não-indicado ao Oscar este ano - chega ao ponto mais alto de uma carreira cinematográfica dedicada a descosturar as armadilhas da mente. O espectador atento vai perceber todos os filmes anteriores do diretor nesta nova produção. Seja no homem que se observa ele mesmo, sem saber que está se observando do curta-metragem Doodlebug (1997), na construção da memória de Amnésia (2000), na asfixia da luz de Insônia (2002), no embate pessoal do herói que se acha vilão dos dois Batman (2005 e 2008) e principalmente no ilusionismo de O Grande Truque: todas essas histórias parecem ser armações de uma lona que, somente agora, se ergue completamente sobre nossas cabeças.
Surge assim um cinema "nolaniano", próprio de um autor que não apenas tem preocupações genuínas,como sabe projetá-las em filmes que são, sobretudo, uma grande homenagem a experiência do sonhar que é o cinema. A Origem corta o fio que nos mantém ligados a esse estado de imersão na ficção. E quando acordamos, percebemos que ainda estamos dentro daquela história. É uma vertigem boa de se sentir. Sensação genuína que, pela primeira vez, conseguimos ver um filme de três e mesmo quatro dimensões na boa e velha imagem bidimensional. Não são precisos óculos 3D para a história de Nolan. Mas mentes são fundamentais.
E por tudo que a imagem final do filme concentra, aqui vai um pedido: por favor, Christopher Nolan, não faça uma sequência de A Origem. Ou não.