"Tragédia o que a gente está vivendo", diz Lázaro Ramos após impasse com Ancine
Diretor do filme ‘Medida Provisória’, que estreia no dia 14 de abril, criticou demora de um ano da agência para autorizar exibição do longa
O público brasileiro poderá, enfim, assistir ao primeiro filme dirigido por Lázaro Ramos – que marcou gerações dando vida a personagens icônicos, como o Foguinho de 'Cobras e Lagartos', mas acumula diversas expertises na arte. A estreia de 'Medida Provisória', prevista para 14 de abril, tem o sabor agridoce da vitória.
O filme, gravado em 2019, teve estreia adiada duas vezes. Em entrevista coletiva realizada na quarta-feira, 30, em Salvador, Lázaro explicou que passou um ano esperando a autorização da Agência Nacional de Cinema (Ancine) para mudança na empresa responsável pela distribuição do longa. Sem isso, não teria como programar a exibição de 'Medida' nos cinemas brasileiros.
"Foi um ano esperando uma assinatura, depois que uma pessoa do governo que, sei lá, quer se fazer relevante através do trabalho dos outros, puxou boicote para um filme que não assistiu, falando que o filme foi feito para falar mal do tal Messias, o tal presidente da República. E não foi feito para isso, porque o filme foi escrito muito tempo antes", disse.
'Medida Provisória' é uma adaptação da peça 'Namíbia, não!', dirigida por Lázaro Ramos e escrita por Aldri Anunciação em 2009, que estreou em 2011. A peça foi publicada em livro e ganhou o Prêmio Jabuti na categoria 'ficção juvenil', em 2013.
A narrativa distópica se passa em um Brasil do futuro, no qual o governo do país decide reparar o tráfico de escravizados com a extradição de afrodescendentes para a África. Essa iniciativa "indenizatória" ocorre por meio de medida provisória — o instrumento permite mudança imediata na legislação e tem validade limitada e precisa ser aprovada pelo Congresso Nacional para vigorar de forma definitiva.
De acordo com a equipe responsável pelo filme, o roteiro de 'Medida Provisória' foi escrito muito antes do início do governo de Jair Bolsonaro. Ou seja, não é uma crítica a ele.
"Mas hoje te digo que, se eu pudesse, teria feito o filme justamente para falar contra, porque é uma tragédia o que a gente está vivendo. (...) Era uma assinatura que o filme precisava, pra gente trocar de uma distribuidora para outra. Tinha mais de um ano que essa assinatura não chegava, e ela chegou numa sexta-feira, seis e meia da tarde, vinda de Brasília – que é um horário que todos sabem que no geral não está em funcionamento", acrescentou Lázaro.
Infeliz coincidência
O roteirista Elísio Lopes Júnior, que assina o texto de 'Medida Provisória' com o próprio Lázaro Ramos, Aldri Anunciação e Lusa Silvestre, vê a semelhança entre as críticas do filme e o atual governo federal como uma coincidência. Em entrevista ao Terra, Elísio conta que o roteiro finalizado em 2015 narra um mundo imaginário onde parecia absurdo e inimaginável que, na vida real, houvesse uma medida provisória como a retratada.
"Só que o governo atual, dentro das suas ideologias para raça, gênero e questões de cunho social, foi levando para um lugar que essa distopia já passava a ser uma possibilidade", observa.
Segundo Elísio, não foi preciso fazer qualquer ajuste ou corte no texto por censura. A produtora Cláudia Bejarano, da Loreby Filmes, destacou em coletiva de imprensa que houve uma "costura jurídica delicada" justamente para que o longa não fosse censurado. O objetivo era que não houvesse o que ela chamou de “censura lavada”.
"Da mesma forma que o filme teve um investimento público, a gente também precisa ter cuidado ao dizer pra eles que o dinheiro é bem-vindo e é bem trabalhado. (...) Com esse procedimento deles, a gente respondia à altura do que eles nos mostravam. Foi um trabalho muito delicado para que continuasse a ser belo, limpo, sem agressão", acrescenta.
Na época em que o "impasse" com a Ancine veio a público, a agência informou que a demora se tratava de um procedimento padrão. A assessoria de imprensa de 'Medida Provisória' chegou a emitir um comunicado segundo o qual o órgão vinculado ao governo federal não havia tomado as devidas providências para trocar a distribuidora do filme, apesar de a Coordenação de Análise Técnica e Seleção não ter indicado qualquer objeção ao pedido.
Em nota enviada ao Terra no final da tarde de quinta-feira, 31, a assessoria de imprensa da Ancine informou que o filme recebeu investimento de R$ 2,7 milhões por meio do Fundo Setorial do Audiovisual e os processos em tramitação na agência seguiram os prazos regimentares.
"O pedido de troca de distribuidora do projeto selecionado para investimento é um fato relevante e merece necessariamente a análise pela equipe técnica", diz a nota.