Com streaming, literatura nacional ganha espaço nas telas; escritoras falam sobre desafios
Na Bienal do Livro, as best-sellers Thalita Rebouças, Paula Pimenta, Bruna Vieira e Babi Dewet conversaram com o 'Estadão' sobre seus livros e personagens que ganharam vida nas telas
Um corredor de escola com armários por onde passam líderes de torcida e jogadores de futebol americano. A música lenta de fundo em um baile de formatura com rei e rainha prestes a ser coroados. Quando se pensa em filmes adolescentes, é inevitável imaginar estas cenas, dignas de produções de Hollywood. Por serem exatamente isso, obras norte-americanas, o que se vê nas telas não costuma representar o cotidiano dos jovens brasileiros.
Filmes sobre a adolescência brasileira sempre existiram, mas as plataformas de streaming têm voltado mais o olhar para este público. Entre as inspirações, estão os livros infanto-juvenis nacionais. "Estamos acostumados desde sempre a ver filmes americanos e gostar daquela situação, mas a gente não se identifica totalmente. É muito bom retratar nas telas o nosso cotidiano real, o que a gente vive", comenta a escritora Paula Pimenta, em entrevista ao Estadão.
Levar uma obra literária para o audiovisual foi o tema do painel Das Páginas para as Telas, da Bienal do Livro de São Paulo. O evento mediado por Leh Pimenta, do Clube do Livro BH, reuniu Thalita Rebouças, Paula Pimenta, Bruna Vieira, Babi Dewet e Luly Trigo para falarem sobre a importância e os desafios de ter seus trabalhos transformados em filmes e séries.
Quando uma adaptação cinematográfica de um livro popular é anunciada, é natural que surja um alvoroço em torno de quem vai interpretar os personagens principais, quais cenas vão acabar ficando de fora. Na maioria das vezes, há certa reticência sobre quais caminhos o roteiro do filme irá tomar. Os leitores não estão sozinhos nessa. Durante o painel, as autoras falaram sobre o quão desafiador é entregar a história aos roteiristas.
Thalita Rebouças, uma das pioneiras quando o assunto é ter livros adaptados para o audiovisual - o primeiro foi Fala Sério, Mãe, que virou série na Globo em 2013 -, conta que já teve mais receio com relação ao nível de fidelidade dos roteiros, mas que ao longo do tempo aprendeu o porquê de se chamar "adaptação". "Não dá para ter um livro inteiro dentro do filme e eu sempre falo: 'a gente tem o livro. Quem quiser, vai ter sempre o livro', então adoro poder construir os personagens já pensando no que pode mudar."
Bruna Vieira estreou no streaming este ano. Em março, a Netflix lançou a série De Volta aos 15, inspirada em seu livro de mesmo nome. A produção é protagonizada por Maísa e Camila Queiroz e já foi renovada para a segunda temporada. De acordo com Bruna, "De volta aos 15" é uma série nostálgica que traz os telespectadores para os anos 2000. Muito do que é retratado na produção são vivências da escritora. Na série, a pequena cidade de Imperatriz faz referência à cidade natal de Bruna, Leopoldina, no interior de Minas Gerais, por exemplo.
Mesmo assim, algumas partes mudaram na adaptação para o audiovisual. "Nós fomos alinhando o que não poderia ficar de fora, e o que era importante mudar para fazer sentido para a nova geração levando em consideração todas as pautas que temos hoje e que eu não entendia na época", explica.
Representatividade
Para Thalita, muito mais que uma expansão dos universos criados por ela, o cinema trouxe a possibilidade de colocar em pauta algo que nem sempre esteve no eixo central dos livros: a representatividade. "Você se reconhecer no personagem é extremamente importante. Se a gente puder com a nossa arte colocar diversidade nas telas, todo mundo só tem a ganhar", diz.
Ela conta que a experiência com o cinema e o contato com as pautas sobre diversidade impactaram seus livros mais recentes. Durante a Bienal, Thalita lançou Confissões de um garoto talentoso, purpurinado e (intimamente) discriminado, que traz a história de Zeca, personagem que já apareceu na adaptação do primeiro livro da tetralogia Confissões, disponível na Netflix.
Adaptar um livro para o audiovisual é também uma "chance de consertar o que a gente fez de errado lá atrás", disse Luly Trigo, autora de Meus Quinze Anos, que virou filme em 2017 com Larissa Manoela. Em maio, outra adaptação de uma obra dela estreou, dessa vez no streaming. Tudo Igual…SQN, baseada no livro Na porta ao lado, se transformou em série no Disney+. Para ela, incluir a representatividade nas histórias significa melhorar as obras que ganharam as estantes anos atrás.
Desafios
Ainda que filme e livro representam uma mesma história, as diferenças aparecem na hora da adaptação. Seja na mudança de personagens, conflitos ou cenários, nem sempre o que fica bom no papel, pode ficar bom no cinema. "O papel aceita tudo, se eu quiser colocar um dragão que voa e come algodão doce eu posso, mas colocar isso na tela é muito diferente e muito caro", diz Bruna.
Como leitora e escritora, Paula Pimenta se diz apegada. "Quando vou assistir a um filme que eu já li o livro e amo, eu sei que vou me decepcionar", diz. Uma maneira de contornar isso foi decidir ser co-roteirista do segundo longa baseado em um livro dela, Fazendo Meu Filme, uma produção da Panorâmica Filmes gravada em 2021 e com previsão de lançamento nos cinemas ainda este ano. Com o novo papel, Paula pode participar da escolha do elenco e acompanhar diariamente a filmagem, mesmo que à distância por conta da pandemia.
"Como leitora, é uma das adaptações literárias mais fiéis que eu já vi", diz. Para ela, a parceria com o diretor Pedro Antônio foi essencial. "Ele vestiu muito a camisa da fidelidade à história, ia para o set com o livro na mão. Acho que os leitores não vão ficar decepcionados."
Um Ano Inesquecível
Thalita, Paula, Bruna e Babi estão juntas em Um Ano Inesquecível, franquia de quatro longas da Amazon Prime que traz para as telas histórias inspiradas nos contos do livro homônimo lançado por elas em 2016. Ambientados nas quatro estações do ano: Inverno, escrito por Paula; Verão de Thalita; Outono, por Babi Dewet; e Primavera, feito por Bruna Vieira, os filmes - já gravados - ainda não têm previsão de lançamento.
O primeiro conto a ser produzido foi o de Babi Dewet, roteirizado por Keka Reis e dirigido por Lázaro Ramos. O filme vai ser o primeiro trabalho do ator e diretor para a Amazon Prime após assinar contrato de overall deal com a plataforma. A história traz Anna Júlia (Gabz) e João Paulo (Lucas Leto), um casal que vive uma paixão em um dos pontos mais conhecidos de São Paulo, a Avenida Paulista.
Babi conseguiu participar do processo de gravação do conto, mas diz que nem todos os autores costumam ter essa oportunidade. "A equipe inteira entendeu meu papel como autora, eles deram vida para esse universo que escrevi há muitos anos", conta. Ela diz que não esperava participar tanto do projeto audiovisual do livro, porém, a equipe estava sempre a consultando sobre o que poderia melhorar na narrativa. "Acho que fiquei mal-acostumada por ser o primeiro e já ser nesse nível".
A leitura e o cinema envolvem lugares diferentes, explica Bruna Vieira. Enquanto o leitor experimenta um momento de solitude, o espectador divide com os amigos. "A leitura é sobre se conectar com o outro, se conhecer, mas o filme pode ser sobre se conectar de uma maneira diferente, sobre você viver aquela experiência com outra pessoa". Segundo a escritora, são artes que se conectam de formas diferentes, porém complementares.