Script = https://s1.trrsf.com/update-1734630909/fe/zaz-ui-t360/_js/transition.min.js
PUBLICIDADE

Como a "cozinha de Frankfurt" transformou os lares

29 dez 2024 - 12h50
Compartilhar
Exibir comentários

Há cerca de um século, as tarefas na cozinha eram especialmente incômodas e ineficientes. Até uma arquiteta vienense ter uma ideia inovadora, que perdura até hoje."Se soubesse que iria falar sobre essa maldita cozinha pelo resto da minha vida, nunca a teria projetado", afirmou a arquiteta austríaca Margarete Schütte-Lihotzky, então com cem anos de idade, em uma entrevista de 1998.

Foto de 1958 mostra mulher em uma cozinha de Frankfurt
Foto de 1958 mostra mulher em uma cozinha de Frankfurt
Foto: DW / Deutsche Welle

Mas a "maldita cozinha" entrou para a história da arquitetura e transformou a vida de donas de casas. E cerca de um século após sua criação, Schütte-Lihotzy é lembrada também pelo seu ativismo no movimento feminista e na resistência contra o nazismo.

O objetivo da arquiteta, que faleceu em 2000 aos 103 anos, era melhorar a vida das pessoas por meio da construção de moradias sociais com projetos funcionais. Sua invenção mais famosa foi a cozinha de Frankfurt, considerada o protótipo da cozinha embutida moderna.

Para compreender o potencial da invenção de Schütte-Lihotzy, é preciso voltar ao final do século 19, quando a Revolução Industrial promovia uma mudança profunda na sociedade. Os avanços tecnológicos e científicos ocorriam em velocidade acelerada, e a população aumentava rapidamente. Muitos migravam do campo para a cidade para trabalhar nas novas fábricas, mas as condições de vida nas cidades superlotadas eram marcadas pela falta de higiene, doenças e pobreza.

A jovem arquiteta Margarete Schütte-Lihotzky tinha um olhar especial para a a vida da classe trabalhadora. Em 1917, ela fez uma pesquisa para um concurso de arquitetura que premiaria o melhor projeto para um complexo habitacional popular, e visitou cortiços lotados para entender o que os moradores realmente precisavam.

Consciência social

O repensar da arquitetura na época, que se afastou do estilo decorativo em direção à Nova Objetividade, movimento surgido na década de 20 na Alemanha segundo o qual a forma deveria seguir a função, jogou a seu favor. A funcionalidade era o aspecto mais importante dessa nova maneira de construir, e Schütte-Lihotzky seguiu essa ideia em seus projetos.

Para ela, a arquitetura devia ser intimamente ligada à vida real e a todos os seus problemas sociais. Essa atitude tinha muito a ver como a sua origem.

Schütte-Lihotzky nasceu em 1897 em Viena numa família burguesa e intelectual. Sua infância foi marcada pela arte, cultura e política. Sua mãe tinha contatos na cena cultural vienense, mas também com grupos feministas e pacifistas, e era socialmente ativa.

Ainda jovem, Schütte-Lihotzky começou a se interessar por política e enxergava além de seus horizontes sociais. Ela tinha consciência de que muitos não estavam tão bem de vida quanto ela. Isso moldou sua compreensão de arte, design e arquitetura, e contribuiu para a sua vitória no concurso para o qual ela visitou bairros pobres em Viena.

A famosa cozinha

Ao contrário da recém-fundada Bauhaus, em Weimar, que se concentrava não somente na funcionalidade, mas também no design, Schütte-Lihotzky limitou seus projetos à pura função. Isso facilitou e barateou a produção e reprodução de suas criações, tanto de conjuntos habitacionais quanto de móveis.

Após a Primeira Guerra Mundial, a devastada Europa precisava urgentemente de moradias baratas. Novos conjuntos habitacionais, com moradias sociais para a crescente classe trabalhadora e para quem havia perdido sua casa na guerra, eram construídos em todos os lugares.

Em Frankfurt, o chefe do departamento de construção Ernst May apresentou o programa "Nova Frankfurt" para acabar com déficit habitacional da cidade em apenas dez anos. Ele chamou Schütte-Lihotzky, já conhecida por seu pragmatismo, para projetar uma cozinha adequada para o projeto. Essa cozinha deveria otimizar o uso do espaço limitado dos apartamentos e, ao mesmo tempo, melhorar o cotidiano dos moradores.

Para projetar a cozinha em 1926, Schütte-Lihotzky realizou uma série de pesquisas e cálculos, que incluíam, por exemplo, o número de passos que uma dona de casa precisava para ir de A na B, como ela se movimentava, onde ficavam os objetos necessários, e como cuidar das crianças enquanto ela trabalhava na cozinha.

O resultado foi um cômodo de cerca de 3,5 metros de comprimento por 2 metros de largura, com portas de correr de vidro que possibilitavam a visão para a sala de estar e com uma grande janela ao fundo. Nesse espaço, que era igual em todas as moradias novas construídas em Frankfurt, caberia a cozinha projetada por Schütte-Lihotzky.

Seus módulos individuais deveriam ser construídos industrialmente em larga escala: armários que iam do chão ao teto, uma bancada, uma pia com escorredor, gavetas para o lixo e recipientes de alumínio para guardar os principais ingredientes.

Uma campanha de propaganda foi lançada para afastar o ceticismo inicial em relação ao novo modelo de cozinha. O próprio May divulgava a invenção de Schütte-Lihotzky como "construída por uma mulher, para as mulheres".

Transformação no trabalho doméstico

A cozinha de Frankfurt transformou o trabalho doméstico. Ou melhor, o trabalho das mulheres - e, na esteira do crescente feminismo na época, também atraiu críticas, que alegavam que a eficiência da nova invenção apenas prendia ainda mais as mulheres ao fogão.

Schütte-Lihotzky nunca se conformou com essas objeções, pois seu objetivo era trazer alívio às mulheres. Apesar das críticas, a cozinha de Frankfurt foi um sucesso. Pedidos chegaram de todo o mundo. Somente na França, 260 mil foram encomendadas.

Mesmo com o reconhecimento internacional, Schütte-Lihotzky se sentia incompreendida, pois seu maior interesse era melhorar a vida da classe trabalhadora. Isso quase a levou à desgraça na era nazista. Depois da anexação da Áustria pela Alemanha, ela, como comunista, lutou na clandestinidade, foi presa e escapou por pouco de ser executada.

Após a Segunda Guerra Mundial, Schütte-Lihotzky se engajou nos movimentos pacifista e feminista. Fez palestras, projetou moradias e jardins de infância na Alemanha Ocidental, na Rússia, em Cuba e na República Democrática Alemã (RDA), dando coragem e confiança a jovens arquitetas.

No entanto, seu legado mais famoso é até hoje a cozinha de Frankfurt. A ideia do espaço da cozinha multifuncional ainda é a mesma - agora com geladeiras e fogões que podem ser controlados por um aplicativo. Os estilos são os mais variados, mas o princípio por trás de toda cozinha moderna remete à ideia de Schütte-Lihotzky: tirar o máximo proveito do espaço com o mínimo de esforço.

Com a cozinha de Frankfurt, Schütte-Lihotzky criou a origem de todas as cozinhas embutidas.

Deutsche Welle A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas.
Compartilhar
TAGS
Publicidade
Seu Terra












Publicidade