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Convidada da Flip, Mariana Enriquez mostra o universo sombrio do fanatismo no rock

Mariana é um dos destaques da 17.ª Festa Literária Internacional de Paraty, a Flip, que começa nesta quarta-feira, 10

10 jul 2019 - 03h11
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O leitor brasileiro descobriu a escrita pulsante da argentina Mariana Enriquez por meio dos contos de As Coisas Que Perdemos no Fogo, lançado aqui em 2017 e que surpreendeu por apresentar uma Buenos Aires desoladora, onde o horror surgia na descrição de casas e ruas abandonadas, frequentadas por prostitutas, viciados e crianças solitárias e nas quais também era comum aparecerem corpos mutilados, pessoas que simplesmente desaparecem, luzes que se acendem e se apagam sozinhas. No livro que agora chega ao Brasil, Este É o Mar (Intrínseca), Mariana mantém a tensão, mas o cenário é mais glamouroso: o mundo das estrelas do rock.

Mariana é um dos destaques da 17.ª Festa Literária Internacional de Paraty, a Flip, que começa nesta quarta, 10, na cidade fluminense. Como o escritor homenageado deste ano será Euclides da Cunha, o evento começa com uma palestra da especialista Walnice Nogueira Galvão - a argentina fala com o público no último dia, domingo, 14, ao lado de Braulio Tavares.

Não se engane, porém, que, ao tratar do mundo estelar da música, Mariana abandona uma narrativa que incomoda o leitor. Em Este É o Mar, ela parte de uma interessante questão: como tornar imortal uma lenda do rock? O que o artista precisa fazer para se tornar inesquecível? É a senha para a argentina criar uma vida paralela, formada pelas Luminosas, que são seres atemporais responsáveis pela criação desses mitos a partir da devoção incondicional de seus fãs. Assim, cada Luminosa se orgulha de ter criado a imortalidade para um determinado músico. Kurt Cobain? Obra da Luminosa Violeta. Jim Morrison? Marianne. Sid Vicious? Cumprimente Gina.

O livro, portanto, acompanha a trajetória de Helena que, para se tornar uma Luminosa, tem a missão de eternizar James Evans, vocalista da banda Fallen. É importante lembrar que induzir fãs a morrerem por seus ídolos traz pontos preciosos nesse jogo. O mundo atual da devoção, no entanto, é diferente do de décadas atrás, agora marcado pela fugacidade dos desejos, o que torna ainda mais difícil a tarefa de Helena. É nesse ambiente que Mariana Enriquez, a partir de uma fábula soturna, lança um olhar crítico sobre um universo que rende milhões de dólares, mas que não deixa de ser opaco. Por telefone, desde Buenos Aires, a escritora falou com o Estado.

Como foi deixar o universo sombrio de As Coisas Que Perdemos no Fogo para adentrar o fantástico que marca Este É o Mar?

Não foi difícil, pois escrevi os dois livros ao mesmo tempo. O contraste entre eles me estimulava. Os contos foram mais simples, pois são marcados pelo terror, gênero que me fascina, e são ambientados em lugares conhecidos. Aliás, preciso deixar claro que não tenho uma personalidade tão escura, séria, como a que aparece nos contos. Já Este É o Mar nasceu do prazer de escrever sobre o fim do rock - digo isso pois não vejo mais bandas como as de antigamente. Penso na cultura juvenil que vi desaparecer ao longo desses anos. E preferi usar o ponto de vista das fãs, que são desconhecidas, apenas parte de uma grande massa de pessoas.

Os fãs lhe interessam mais do que os ídolos?

Nesse caso, sim. Essa ideia de um público formando uma massa me interessa. Acredito que um concerto de rock é, para muitas meninas, um rito de passagem. E, por ser coletivo, pode provocar reações inesperadas - penso agora nos seguidores de Charles Manson (líder de um grupo que cometeu vários assassinatos nos EUA nos anos 1960, entre eles o da atriz Sharon Tate). No livro, pretendi individualizar essas fãs porque, no coletivo, suas histórias se perdem. E elas cultivam uma espécie de religião pagã que é a devoção incondicional por um artista.

O que mais lhe interessa em um mito e, especificamente, em um do rock?

O que me fascina é realmente essa ideia de coletivo, de uma devoção conjunta. Isso é muito comum na adolescência, quando a individualidade se perde no meio do grupo. Aquela histeria que normalmente se vê em grandes shows de rock é, na verdade, um grito de guerra das fãs. E isso é importantíssimo pois, sem esses berros, não haveria Elvis, não haveria Beatles, Rolling Stones. Ou seja, elas ajudaram a construir o mito. Isso me interessa muitíssimo na mitologia do rock: tendo a pensar que, historicamente, as fãs sempre foram as mesmas, ou seja, que sempre houve um grupo que não muda com o passar dos anos. Por isso que vejo esses shows como um rito de passagem: elas abandonam o casulo que é sua adolescência para buscar uma maturidade, uma sexualidade. A própria figura do ídolo do rock mudou.

Como assim?

Agora temos uma masculinidade mais suave: Fred Mercury, Kurt Cobain, Bob Dylan, Bowie. Eles não se preocupam tanto em dominar o cenário, são pessoas cultas, leitores de Shakespeare, Borges.

ESTE É O MAR. Mariana Enriquez. Tradução de Elisa Menezes. Editora Intrínseca (176 págs., R$ 29,90 versão impressa, R$ 19,90 e-book).

Estadão
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