Crítica: 'Crimes of the Future' soa como indagação sobre futuro dos humanos
Tudo é sombrio. O corpo do herói desenvolve órgãos estranhos que são extirpados
Havia grande expectativa pelo retorno de David Cronenberg à competição de Cannes, oito anos após a premiação de Mapas para as Estrelas. No ano passado, Julia Ducournau venceu a Palma de Ouro com o esquisito Titane, indiscutivelmente conectado ao cronenbergiano Crash - Estranhos Prazeres. Este ano, ele próprio voltou à liça. Depois da discípula, o mestre venceria a Palma? Crimes of the Future dividiu a crítica.
No quadro de cotações do festival, muitas estrelas e algumas carinhas, tipo emojis, de decepção. O filme tem o mesmo título e até o tema - as mutações provocadas por materiais sintéticos no corpo humano -, mas não é o remake do segundo longa do autor, de 1970. Há 52 anos!
Nesse tempo todo, Cronenberg fez filmes que celebram o corpo como única verdade, e até realidade. Crimes of the Future parece uma súmula da vertente de ficção científica de seu cinema. Passa-se, presumivelmente, no futuro, contando a história desse homem, Viggo Mortensen, que promove a extração de seus tumores, assistido por Léa Seydoux, em cirurgias que se transformam em performances artísticas, com direito a público e tudo. Em Cannes, colou-se ao filme o título da matéria - O Crepúsculo dos Órgãos - que a revista Cahiers du Cinéma colocou na capa, apostando em Cronenberg para a Palma de Ouro, que ele não ganhou - aliás, não ganhou nada.
Quem segue o diretor sabe de sua atração pela mutação dos corpos. Os próprios personagens operam as mudanças que os transformam em aberrações aos olhos de seus semelhantes. Dessa vez, Cronenberg foi mais bizarro. O corpo de Mortensen, em seu quarto filme com o diretor, desenvolve os órgãos estranhos que são extirpados, sob o controle do tal Birô Nacional do Registro de Órgãos. Tudo é crepuscular, noturno, sombrio. Difícil não ver uma indagação sobre o futuro da humanidade no mundo tóxico que a busca do lucro desenfreado construiu.
Viggo Mortensen, o rosto sofrido, atua certo de que aquilo que as pessoas, muitas vezes, têm medo de ver, a beleza do interior do corpo, é arte. O nó górdio é Léa Seydoux. Para o jornal Figaro, ela foi a pior atriz de Cannes, em 2022. Por decepcionante que seja, o filme tem um final perturbador - e enigmático. Aquilo é prazer ou sofrimento?
COTAÇÃO: REGULAR