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David Levithan: 'Roald Dahl é uma enorme distração. Há censuras muito mais graves acontecendo'

Autor de 'Garoto Encontra Garoto' diz, na Feira do Livro Infantil de Bolonha, que não é hora de recuar diante dos ataques

7 mar 2023 - 11h01
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BOLONHA - "A vida de nenhuma criança está em risco por causa de uma palavra. Não se deixem distrair", disse o escritor americano David Levithan durante sua passagem pela Feira do Livro Infantil de Bolonha, que começou ontem, 6, e segue até quinta, 9, na Itália. O recente anúncio de que as novas edições de livros como A Fantástica Fábrica de Chocolate, entre outros clássicos do autor, seriam publicados com termos considerados menos ofensivos, como "enorme" em vez de "gordo", tem sido um tema frequente na feira. Para o autor de Garoto Encontra Garoto, isso não passa de uma tentativa de encobrir uma tentativa de censura que afeta, em sua opinião, todos os países.

"Eu não dou a mínima se Roald Dahl usa gordo em vez de enorme. A vida de nenhuma criança está em risco por causa de uma palavra. Essa é uma enorme distração no momento. Há censuras muito mais graves acontecendo e ataques maiores, e é só sobre isso que conseguimos falar. Isso deve parar. Temos que focar em coisas que são mais importantes para as crianças", ele disse, em um painel que reuniu profissionais do mercado editorial, do meio acadêmico e de organizações não governamentais.

Em sua opinião, é preciso olhar para as crianças que estão sendo ameaçadas e apoiar os livros que sofrem, diariamente, tentativas de censura. "Livros estão sendo atacados por causa da identidade que eles representam. E isso manda a mensagem para a criança de que a identidade dela não importa a ninguém."

Considerado pelo PEN America como o 11º autor mais censurado nos Estados Unidos, David Levithan tem apenas duas décadas de carreira e soma sucessos como Garoto Encontra Garoto, sua estreia, Dois Garotos se Beijando, Todo Dia, entre outros publicados no Brasil pela Galera Record.

"Entrei nesse jogo 20 anos atrás e escrevi Garoto Encontra Garoto porque queria que as crianças soubessem que havia um livro gay em sua biblioteca, mesmo que ele não pudesse ser retirado de lá. Houve todo o tipo de protesto e reação. Hoje somos muitos mais. Antes, quando uma editora americana apresentava um livro queer para uma editora internacional, era comum ouvir que eles não estavam prontos para um livro assim. Isso não acontece mais hoje, o que é um progresso. O que vemos, agora, é o movimento de políticos e da extrema direita de acabar com esse progresso e nos mandar de volta para onde estávamos - para o armário".

Na conta dessas pessoas, ele argumenta, o livro pouco importa. O que importa são as crianças. "E esses livros estão sendo atacados como uma forma de amedrontar crianças e adultos. Se deixarmos isso acontecer, os resultados serão desastrosos. Esse é um esforço da extrema direita de empurrar as crianças de volta para o armário e eles não se importam se elas vão se matar ali dentro. Temos que lutar, e estamos lutando."

Levithan citou algumas estatísticas. Até agosto, o PEN havia identificado mais de 25 mil livros banidos nos Estados Unidos, sem contar os 8 mil rastreados pela Associação Americana de Bibliotecas. Isso não diz respeito apenas a livros LGBTQIA+ (eles são 41%; na sequência, com 40%, estão livros que representam outras cores de pele que não a branca). Ele contou, por exemplo, que no último fim de semana ouviu de uma bibliotecária do Texas que Fahrenheit 451, livro de 1953 de Ray Radbury, que fala sobre censura a livros, foi banido de sua biblioteca.

"Estamos nesse negócio porque sabemos que livros importam para as crianças. Sabemos que elas devem se ver neles e aprender sobre o mundo por meio deles. E estamos apoiando as vozes que precisam ser ouvidas, e as vozes que assustam essas pessoas que estão tentando nos calar. Nesse momento crítico, não podemos recuar. Devemos apostar. Vim aqui para tocar o alarme e dizer: continuem lutando."

Aos escritores que desanimam, ele sugere que continuem escrevendo porque os editores vão continuar publicando, os bibliotecários vão continuar indicando e os livreiros vão continuar colocando o livro nas prateleiras. Porém, se um dos elos falhar, ele diz, a corrente se quebra.

Por fim, o escritor disse que devemos nos livrar do mito de que a censura aumenta a venda de livro. Alguns desses 25 mil títulos censurados venderam mais, sim, mas a maioria não. "E não importa o livro vender mais se ele não está chegando até os leitores que precisam dele, que são geralmente as crianças pobres de áreas menos desenvolvidas."

* A repórter viajou a convite da Feira do Livro Infantil de Bolonha

Estadão
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