Drake processa gravadora por causa de "Not Like Us"; ele tem alguma chance?
Especialistas em processos por difamação analisam a disputa do rapper com a Universal Music Group após música de Kendrick Lamar o chamar de pedófilo
Artigo publicado em 1º de abril de 2025 na Rolling Stone. Para ler o original em inglês, .
Drake diz que o hit de Kendrick Lamar, "Not Like Us", passou dos limites quando o acusou de "um dos comportamentos mais desprezíveis" — ser um pedófilo criminoso. A gravadora de Drake, Universal Music Group (UMG), diz que o rapper canadense é quem foi longe demais quando processou a empresa por difamação por distribuir a música do adversário — que, inclusive, venceu o Grammy.
O autor [do processo, Drake], um dos artistas de gravação mais bem-sucedidos de todos os tempos, perdeu uma batalha de rap que ele provocou e da qual participou voluntariamente. Em vez de aceitar a perda como o artista despreocupado que ele frequentemente afirma ser, ele processou sua própria gravadora em uma tentativa equivocada de curar suas feridas", escreveram os advogados da UMG em um posicionamento apresentado no mês passado. O rapper tem até 16 de abril para responder a gravadora e disse que entrará com uma queixa.
Especialistas dizem à Rolling Stone que as chances de Drake prevalecer parecem limitadas, embora ele possa, talvez, chegar a um júri. De qualquer forma, o processo de 91 páginas claramente tem um papel duplo como uma jogada de relações públicas e um meio para salvar a imagem do canadense depois que ele perdeu uma disputa que rendeu nove músicas com acusações entre Drake e Lamar.
No entanto, um especialista diz que o tiro pode sair pela culatra de forma espetaclar. "Parece que é tudo sobre vaidade. E ele está disposto a levar um gênero inteiro com ele porque perdeu", diz o professor Erik Nielson, da Universidade de Richmond, coautor do livro Rap on Trial (Rap em Julgamento, em tradução livre) sobre o uso de letras de hip-hop como evidência criminal. "É triste. Eu realmente acho que ele está manchando seu legado."
De acordo com a UMG, nenhum ouvinte "razoável" realmente acredita que Drake é um "pedófilo certificado", como afirma a música de Lamar. A empresa ainda lembrou que o músico também usou a estrutura da UMG para produzir músicas com acusações contra Kendrick, incluindo abuso doméstico.
Mas Drake não é o primeiro a alegar que letras de músicas podem ser difamatórias. O produtor musical Armen Boladian processou anteriormente a lenda do funk George Clinton por letras que rotulavam Boladian como uma "vergonha para a espécie". Em uma decisão de 2005, o tribunal rejeitou o caso para sempre, chamando o verso de uma "provocação pueril que, para o bem ou para o mal, é típica da música rap". Lindsay Lohan mais tarde processou Pitbull por sua música de 2011 "Give Me Everything". Um tribunal federal ficou do lado de Pitbull , dizendo que "a Suprema Corte deixou claro que a música, como uma forma de expressão e comunicação, é protegida pela Primeira Emenda". Um dos casos mais famosos nessa área envolveu Eminem sendo processado pelo ex-colega de classe DeAngelo Bailey pela música de 1999 "Brain Damage", que retratava Bailey como um valentão violento. A juíza de Michigan que encerrou o caso afirmou em sua decisão de 2003: "As letras são histórias que ninguém consideraria fatos. Elas são um exagero de um ato infantil".
Se a história serve de exemplo, Drake não é favorito para vencer, com vários especialistas concordando que ele tem um grande obstáculo a superar. Eles dizem que a música, e o rap de batalha em particular, é uma forma de arte onde os insultos são uma hipérbole retórica protegida pelas leis. Solicitados a enumerar os pontos fortes e fracos do caso de Drake, eles opinaram sobre ambos os lados:
Os problemas com a reclamação de Drake
Quando a UMG entrou com sua moção de demissão no mês passado, ela criticou Drake como um mau perdedor. A empresa disse que o rapper não apenas encorajou sua rivalidade pública com Lamar, mas até o incitou a responder quando ele pensou que seu inimigo estava demorando muito. Em músicas consecutivas lançadas no mesmo dia em abril passado, Drake fez um rap que estava "esquentando" a rivalidade e queria saber "o que diabos está demorando tanto". Em sua música seguinte, "Family Matters", lançada em 3 de maio de 2024, Drake acusou Lamar de bater e desrespeitar a própria noiva. O canadense também afirmou que um dos filhos de Lamar foi, na verdade, gerado pelo parceiro de negócios dele.
Especialistas dizem que tal contexto não pode ser ignorado, o que significa que Drake estava claramente envolvido em uma troca recíproca de faixas de diss com Lamar. "O contexto importa muito em processos de difamação: onde algo foi dito, as palavras em torno disso, o meio", diz o advogado Pete Kennedy, especialista em direito de difamação, que em 1997 defendeu com sucesso o falecido Tupac Shakur e a Interscope em um caso envolvendo alegações de que as letras de Shakur inspiraram violência contra a polícia.
Para que Drake tenha sucesso como uma figura pública responsável por um processo de difamação, ele precisa mostrar que uma declaração sabidamente falsa foi comunicada como se fosse um fato. O advogado Kennedy disse que isso pode ser um verdadeiro desafio porque a arte e sua propensão à hipérbole são protegidas pela Constituição nos Estados Unidos.
Arte geralmente não deve ser tomada literalmente. É um exagero afirmar que algo que está em uma música que se enquadra em um gênero conhecido pela troca de insultos entre pessoas seja interpretado como fato", diz Kennedy.
Ele disse que Drake também pode enfrentar um padrão ainda mais alto sob a "doutrina da difamação convidada" porque ele provocou a resposta de Lamar. E enquanto Drake alega em seu processo que "milhões de pessoas" que ouviram "Not Like Us" e assistiram ao vídeo realmente acreditam na alegação de pedofilia, Kennedy diz que o tribunal quase certamente fará a lição de casa necessária para determinar no que um fã de rap "razoável" acreditaria. "Só porque algumas pessoas podem pensar que algo que obviamente não é verdade é verdade, isso não significa que você vai a um júri", explica.
De acordo com o professor Nielson, batalhas de rap e faixas de diss são famosas por serem tão audaciosas e inflamatórias quanto possível, em uma tentativa de fazer o outro lado admitir a derrota. Ele disse que essas batalhas de vai e vem são semelhantes ao The Dozens, um jogo popularizado em comunidades afro-americanas onde nada está fora dos limites e as pessoas que não conseguem entender as regras podem se ofender.
"É difícil assistir o que Drake está fazendo agora. Ele está se envergonhando", diz Nielson. "Drake conhece as regras. Ele esteve em algumas batalhas bem difíceis. Ele não está aderindo às regras agora porque perdeu. Ele levou uma surra, e está agindo como uma criança petulante."
Nielson disse que os fãs de rap sabem que não devem levar as letras ao pé da letra. "Eu entendo que ser chamado de pedófilo é nojento. É uma das coisas mais insultuosas que você pode imaginar. Mas o que sempre fez o rap ser tão bem-sucedido e popular é que ele ultrapassa os limites, retoricamente."
Kennedy, enquanto isso, também mirou na alegação de Drake de que a UMG tinha um incentivo para rotulá-lo como pedófilo porque a empresa está pronta para renegociar seu contrato este ano. Em seu processo, Drake e seus advogados alegam que a UMG estava procurando "ganhar vantagem para forçar Drake a assinar um novo acordo em termos mais favoráveis à UMG".
"Essa é uma teoria ridícula", diz Kennedy. "Nenhuma gravadora gostaria de sugerir que um de seus artistas é um pedófilo. Ponto final. Ninguém gostaria de se filiar a um pedófilo, fim da história. Não acho que um juiz dará atenção a isso."
Os pontos favoraveis a Drake
Um advogado familiarizado com músicos que processaram letras de um rival teve uma opinião diferente. Ele disse que, embora acredite que Drake tenha um "alto fardo e uma barra alta" para ter sucesso em seu processo, "há alguns argumentos a serem feitos".
Warren Fitzgerald Muhammad representou as ex-integrantes do Destiny's Child, LeToya Luckett e LaTavia Roberson, quando elas processaram Beyoncé, entre outras, por uma linha supostamente difamatória no hit "Survivor". Elas disseram que o verso em questão — "Você pensou que eu não venderia sem você, vendi 9 milhões" — ultrapassou os limites limites depois que as partes resolveram uma disputa contratual anterior e assinaram uma cláusula de não depreciação.
O caso de Luckett e Roberson foi rejeitado por motivos processuais e abandonado, mas Fitzgerald Muhammad disse que ainda acredita que as letras das músicas podem ser difamatórias. No caso de Drake, especificamente, ele acredita um verso da música "Euphoria", lançada por Kendrick Lamar em 30 de abril de 2024, poderia ajudar Drake. O trecho afirma: "Não conte nenhuma mentira sobre mim e eu não contarei verdades sobre você".
"Ele está avançando a noção de que está prestes a revelar alguns fatos reais", o advogado conta à Rolling Stone, referindo-se a Lamar. "À primeira vista, este é um caso difícil. Mas Drake pode costurar as coisas para dizer que o que estava sendo alegado era uma declaração de fato, não apenas uma opinião."
Jonathan Grunberg também tem experiência com alegações de difamação em um caso de celebridade. Ele ajudou a representar o geólogo de cavernas que processou Elon Musk e foi a julgamento em Los Angeles. Um júri finalmente deixou Musk escapar, descobrindo que ele não estava sendo literal quando chamou o autor Vernon Unsworth de "pedófilo" em um tuíte, mas o caso foi muito mais longe do que muitos esperavam.
Grunberg diz que o processo de Drake poderia, da mesma forma, chegar a um júri com uma abordagem específica buscando usar a lei estadual do Texas, embora o processo tenha sido aberto em um tribunal federal em Nova York. Drake é cidadão do Texas, então ele poderia argumentar que a lei de seu estado natal, o Texas, deveria ser aplicada sob o teste de "relacionamento significativo" de Nova York, diz Grunberg. Esse teste poderia descobrir que a conexão do Texas com a disputa das partes é mais forte do que a de Nova York, diz ele.
"Nova York fornece proteções muito maiores do que a maioria dos outros estados para réus em casos de difamação com base em declarações de opinião", explica Grunberg. "A lei do Texas segue a abordagem da Suprema Corte dos EUA sobre a questão de se declarações de opinião são protegidas - uma abordagem que é muito mais favorável a um autor em um caso de difamação do que a lei de Nova York. Sob a lei do Texas, Drake tem um forte argumento de que um júri - não o juiz - deve decidir se Kendrick está realmente acusando Drake de ser um pedófilo, inclusive porque alguns ouvintes podem entender razoavelmente que Kendrick está literalmente acusando Drake de ser um pedófilo."
O advogado disse que a noção de que letras de rap não podem comunicar acusações literais e factuais simplesmente porque fazem parte de uma música de rap é discutível.
Isso traz à mente a controvérsia sobre promotores usando letras de rap contra réus em casos criminais - uma tática que assume que os rappers querem dizer o que dizem em suas músicas", diz Grunberg. "O próprio Drake defendeu essa tática, mas agora ele deve argumentar que as letras de rap são entendidas como declarações de fato, em oposição a mera expressão criativa não literal. Em última análise, o fato de promotores terem garantido condenações confiando, em parte, em letras de rap, demonstra que as letras de rap são capazes de comunicar declarações factuais que podem ser a base para uma alegação de difamação."
Por fim, Nielson diz que se o processo de Drake for bem-sucedido, ele poderá redefinir o gênero rap. "Estou preocupado porque isso pode ser um presente incrível para a polícia e promotores se ele for bem-sucedido. Eles vão se apoiar na lógica desse processo para justificar o uso de letras em casos criminais", disse. "Isso pode ter um efeito realmente assustador na indústria."
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