Em folklore, vemos Taylor Swift na melhor fase da carreira
Cantora destrincha o processo de composição das 17 músicas do novo álbum em filme lançado pela Disney+
O ano de 2020 pode ter sido péssimo em muitos sentidos, mas uma coisa é certa: o período de isolamento serviu de inspiração para artistas em todo o mundo. Obras influenciadas pela pandemia surgiram no cinema, nas artes visuais, na literatura e, claro, na música. Entre os cantores que lançaram álbuns no período está Taylor Swift, que soltou seu oitavo álbum de estúdio, folklore, no dia 24 de julho.
O trabalho vem na contramão de todos os álbuns anteriores da cantora, que transitavam entre o country e o pop. Com pegada mais indie e minimalista em termos de arranjos, o álbum foi inteiramente gravado de sua casa, em Los Angeles, e produzido em conjunto com o já conhecido Jack Antonoff e Aaron Dessner, do The National. Há também uma participação de Justin Vernon, da banda de indie folk Bon Iver, na faixa exile.
Confesso que, na primeira vez que ouvi o folklore, senti um estranhamento. Sempre fui muito fã da cantora desde os primeiros lançamentos, ainda no universo do country pop - Taylor Swift (2006) e Fearless (2008) continuam na lista dos meus álbuns preferidos da vida. No oitavo álbum de estúdio, quase não a reconheci.
Mas isso está longe de significar que não gostei do disco. Precisei ouvir mais algumas vezes e, mais recentemente, assistir ao filme folklore: the long pond studio sessions, lançado no final de novembro pela Disney+, para entender completamente a essência do trabalho. Nele, a cantora mostra todo o seu talento com as letras e a sensibilidade para conectá-las perfeitamente com o tom da melodia - o que sempre me fascinou.
No filme, ela destrincha o processo de composição das 17 músicas do folklore, em apresentações acústicas e conversas íntimas com os produtores. Nunca me senti tão próxima da mente criativa por trás das canções, e pude compreender o conjunto da obra e o que ela pretendia dizer em cada uma das faixas.
O álbum foi, claramente, inspirado pelo período de isolamento, mas ultrapassa muito o intuito de retratar o que estamos vivendo. Pela primeira vez, segundo Taylor, ela teve tempo para contar histórias que não necessariamente estão relacionadas com a sua própria vida e seus relacionamentos. São uma série de pequenos contos, com personagens complexos e interessantes, que dão o tom da narrativa.
“Eu me vi escrevendo não apenas minhas próprias histórias, mas também a perspectiva de pessoas que nunca vi, pessoas que eu conheço, ou pessoas que eu preferia não ter conhecido. (...) Em isolamento minha imaginação correu solta e esse álbum é o resultado disso, uma coleção de canções e histórias que fluíram como um fluxo de consciência”, escreveu Taylor em suas redes sociais no dia do lançamento.
Isso é especialmente importante porque, em todos os outros trabalhos, houve uma expectativa por parte do público de descobrir “para quem era cada canção” - algo que era muito natural e comum, já que a própria Taylor costumava colocar ‘easter eggs’, pistas nas letras das músicas, para estimular essa especulação.
Apesar de ser fã de carteirinha, nunca me interessei por essas curiosidades e juro que não sei dizer para quem ela fez qual música. O que sempre me encantou foi a complexidade das narrativas, a capacidade de transformar sua experiência própria em uma obra com a qual todos podemos nos identificar. A diferença é que, agora, consigo enxergar uma maturidade nas composições que nunca tinha visto antes.
Um exemplo disso é a trilogia composta por Cardigan, August e Betty, que conta a história de um triângulo amoroso - Betty foi traída pelo namorado, James, com uma outra garota. Em cada uma das faixas, ouvimos a história de um ponto de vista diferente, mas sem qualquer julgamento moralista. Em August, por exemplo, temos a perspectiva da outra. “A ideia de que há uma garota má, uma vilã que seduz o seu homem, é um mito. Todos têm sentimentos e querem ser notados e amados, e ela só queria amor”, diz Taylor no filme.
Isso difere completamente do que pensava a Taylor de quase 21 anos, quando lançou a faixa Better than revenge no álbum Speak Now (2010). Sempre me lembro dessa música porque ela envelheceu extremamente mal. Na letra, supostamente escrita para o ex-namorado Joe Jonas, que teria terminado com a cantora para ficar com uma atriz, ela diz: “Ela não é uma santa e não é o que você pensa. Ela é uma atriz. Ela é mais conhecida pelas coisas que faz na cama (...) Ela o roubou [de mim] mais rápido do que você consegue dizer sabotagem”.
É claro que, ao longo do tempo, a cantora amadureceu, e, ao mesmo tempo, a popularização do movimento feminista tornou esse tipo de competição entre mulheres algo muito mais condenável. A própria Taylor começou, nos últimos anos, a se posicionar politicamente e se envolver mais ativamente nessas questões com músicas como The Man, do álbum Lover (2019), e Mad woman, no folklore (2020). O documentário da cantora lançado pela Netflix, inclusive, retrata muito bem esse ‘sair do armário’.
Mas para não dizer que o novo álbum não tem histórias extremamente pessoais, precisamos falar sobre Peace. Ao relembrar o processo de criação da letra para a melodia de Aaron Dessner, ela disse que a canção fala sobre as dificuldades de estar em um relacionamento sendo uma pessoa pública.
“Se você vai estar na minha vida, sinto que há coisas que vem junto comigo e que eu não posso evitar. Não consigo evitar que você receba uma ligação pela manhã dizendo o que os tabloides escreveram hoje. Eu não posso evitar de aparecer um paparazzi tirando fotos suas. Então essa música é basicamente: isso é suficiente? O que eu posso controlar é suficiente para diminuir a importância das coisas que eu não posso?”, conta.
Após o estranhamento inicial, terminei o filme ainda mais fã do que era antes, se é que isso é possível. O talento da cantora para a composição, assim como sua voz, amadureceram ao longo dos anos e atingiram o seu pico com o oitavo álbum de estúdio. E, para mim, é isso que faz um artista: a capacidade de retratar o seu tempo, e transformar histórias pessoas e universais em canções que fazem com que todos consigam se identificar. Não faço a menor ideia do que virá a seguir - mas sei que mal posso esperar.